O Estado de São Paulo, n. 45260, 17/09/2017. Política, p.A10

 

 

 

Série de reportagens sobre desafios do Brasil vira livro

‘A Reconstrução do Brasil’, publicada entre setembro de 2016 e janeiro deste ano, pós-impeachment, já está à venda em livrarias e bancas de jornal; obra do ‘Estado’ apresenta soluções para País sair da crise

 

A série especial de reportagens sobre os desafios do Brasil para alcançar o desenvolvimento sustentável, a estabilidade política e o bem-estar social, pósimpeachment, virou livro. A Reconstrução do Brasil será lançada pelo Estado na terça-feira, dia 19 – o e-book estará disponível a partir de outubro. A obra reúne as 15 reportagens produzidas pelo jornalista José Fucs, repórter especial do jornal, e os dez editoriais correlatos publicados entre setembro de 2016 e janeiro deste ano.

Cada tema apresentado ao leitor ao longo da série, como reforma da Previdência, ajuste fiscal, cerco à corrupção, desestatização e novo pacto federativo, traz soluções propostas por especialistas da área – Fucs fez mais de 50 entrevistas. A lista reúne nomes de peso, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – autor do prefácio –; o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura; os juristas Célio Borja e Nelson Jobim, ambos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); e o cientista político Luiz Felipe d’Avila, presidente do Centro de Liderança Política.

Seguindo a mesma ordem das publicações no jornal, a obra exibe no primeiro capítulo a apresentação geral da série. Hora de Mudar serve como uma espécie de resumo dos principais desafios a serem enfrentados pelo País e pelo mandato de Michel Temer, na travessia até 2019. Da realização da reforma política à adoção de um novo pacto federativo e do equilíbrio das contas públicas e das reformas tributária e trabalhista à melhoria do ambiente de negócios, a série, e consequentemente o livro, engloba as principais questões que travam o desenvolvimento do País na visão de especialistas e do Estado. O jornal volta a publicar um livro após nove anos – a última obra que recebeu o selo do jornal foi Mordaça no Estadão, de José Maria Mayrink.

Já na página 13, Fucs traduz a situação em maio de 2016, quando teve início o governo Temer: “Na essência, o que está em jogo é a escolha entre dois Brasis. Um, que ganhou uma força descomunal nos últimos anos e agora está na berlinda, é o Brasil da ilha de fantasias de Brasília, do Estado obeso e perdulário, que drena a produção e o trabalho dos brasileiros para sustentar seu apetite insaciável. É o Brasil dos pequenos e grandes privilégios obtidos com dinheiro dos pagadores de impostos; dos burocratas que criam dificuldades para vender facilidades; e dos funcionários públicos, que não precisam se preocupar com a crise, porque têm estabilidade no emprego”.

E continua: “O outro Brasil, massacrado pelo peso da carruagem que tem de puxar, é o Brasil real, o Brasil dos mortais, que paga impostos de primeiro mundo e recebe serviços de terceiro mundo. É o Brasil dos brasileiros que têm de trabalhar duro para pagar suas contas em dia e garantir o mínimo de qualidade de vida para si mesmos e para suas famílias; dos que sofrem com a recessão prolongada e com o desemprego. É o Brasil que valoriza a meritocracia, o esforço individual e o sucesso alcançado sem pixulecos nem favores oficiais”.

Hoje, segundo Fucs, essa escolha ainda se faz necessária, de olho já em 2018, quando a população será convocada para escolher um novo presidente, apesar de alguns temas terem avançado, como a reforma trabalhista e a PEC do Teto de Gastos. “Mas a agenda das reformas se mantém oito meses após o fim da série. E certamente vai permear todo o debate político e eleitoral do ano que vem. Me sinto confortável em afirmar que o livro dá uma contribuição considerável para essa discussão, não apenas apontando os problemas a serem enfrentados, mas apresentando propostas para solucioná-los”, disse. “É um ponto de partida.”

Detalhes do funcionamento da máquina pública são revelados ao leitor ao longo de 150 páginas. Nelas, informações atualizadas e reveladoras comprovam a necessidade de modernização do Estado, corte de gastos públicos e mudança no atual sistema eleitoral, em busca de uma maior representatividade e menor distanciamento entre o eleito e o eleitor. Na página 27, Fucs cita uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, sobre as instituições no País, para mostrar que o envolvimento de dezenas de parlamentares e governantes em escândalos de corrupção colocou a classe política em último lugar no ranking da credibilidade nacional. Dos entrevistados, 78% afirmaram não confiar nos políticos e 19% disseram confiar pouco.

Outros dados pincelados em todo o livro ajudam a explicar parte do nosso atraso e da urgente necessidade de reformas complexas para um melhor funcionamento do País. No capítulo 5, intitulado A Batalha contra os Privilégios, o leitor é informado de que no período de 2001 a 2014 o total de funcionários públicos na ativa nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) passou de 5,8 milhões para quase 9 milhões. “O rombo existente hoje nos orçamentos do governo federal e de vários Estados e municípios é decorrente, em boa medida, do inchaço da folha de pagamento.” Desde 2001, as despesas com pessoal tiveram um crescimento de 127% – são R$ 218,6 milhões a mais, o suficiente para pagar o Bolsa Família a 13 milhões de brasileiros por sete anos.

“Embora a expressão ‘choque de gestão’ esteja meio desgastada hoje em dia, ela reflete com perfeição a profunda reforma pela qual o Estado brasileiro tem de passar, com a adoção de ferramentas de administração da iniciativa privada, para deixar de sugar recursos cada vez maiores da sociedade e entregar serviços cada vez melhores aos cidadãos e às empresas. A ideia, cultivada desde sempre no País, de que, para melhorar a situação do governo e os serviços públicos, é só gastar mais terá de ceder espaço, enfim, à busca por mais eficiência, à otimização das despesas e às parcerias com o setor privado e as organizações sociais. Ao final desse processo, quem sabe, talvez possa emergir um Estado mais enxuto, mais ágil e com menos corrupção”, resumiu Fucs, que se dedicou por sete meses à produção da série.

A repercussão positiva do trabalho se refletiu também nos editoriais do Estado. Durante a publicação da série, o jornal publicou dez editoriais com base nos temas abordados em A Reconstrução do Brasil – todos esses textos também compõem o livro tanto na versão impressa como na digital. “Para mim, participar desse projeto foi um privilégio. Começamos logo depois do impeachment. O Brasil, naquela época, estava detonado. A ideia foi mesmo tentar mostrar caminhos para voltarmos aos trilhos e numa época em que o jornalismo do dia a dia nos deixa pouca margem para discutir ideias, aprofundar o debate. E sem ficar em cima do muro.”

 

Autor. Repórter especial do ‘Estado’, o jornalista José Fucs ouviu mais de 50 pessoas para produzir o livro, ao longo de sete meses

 

QUEM É

JOSÉ FUCS

REPÓRTER ESPECIAL DO ‘ESTADO’

✱ Jornalista desde 1983, é repórter especial do Estado. Foi repórter especial da Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios e editor executivo da Exame. Trabalhou também como repórter na Gazeta Mercantil e na Folha de S.Paulo.

 

Repercussão

“Li as reportagens que deram origem a este excelente livro de José Fucs. Cada uma abordou temas de suma importância para o futuro do Brasil, incluindo diagnósticos e propostas. Agora que se aproxima um ano de eleições, na esteira de uma imensa crise, a publicação vem em boa hora para iluminar um caminho melhor para o País.”

ARMÍNIO FRAGA EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

 

“Me impressionou vivamente o brilhante levantamento do cipoal de problemas a ser enfrentado para a reconstrução do Brasil. Li toda a série, no Estadão. Em boa hora, é veiculada, agora, em forma de livro. ‘Bem haja’, no velho estilo Coimbrão.”

IVES GANDRA MARTINS JURISTA E PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE MACKENZIE

 

“Este é um trabalho louvável. Cumpre o papel do jornalismo ao aprofundar o debate sobre os problemas estruturantes do Brasil e apontar as soluções.”

LUIZ FELIPE D’AVILA CIENTISTA POLÍTICO E PRESIDENTE DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA

 

“A edição de um livro com base na série A Reconstrução do Brasil representa uma contribuição valiosa para encontrarmos o caminho que nos leve a retirar do cenário político figuras nefastas que impedem o funcionamento legítimo de nossas instituições.”

MODESTO CARVALHOSA JURISTA E AUTOR DE ‘O LIVRO NEGRO DA CORRUPÇÃO’

 

“A crise é uma oportunidade para a mudança. Em duas direções: uma revisão do sistema político, que demanda maior transparência e representatividade; e do modelo de Estado, que demanda maior eficiência e a migração para modelos de parcerias público-privadas. No fundo, é o questionamento da nossa velha tradição patrimonialista. Acho que essa é a maior contribuição do livro.”

FERNANDO SCHÜLER CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

 

“O trabalho do Fucs é da melhor qualidade. Sua investigação empírica tem um poder de lançar luz sobre a complexidade brasileira.”

ANTONIO DELFIM NETTO ECONOMISTA E EX-MINISTRO DA FAZENDA, DO PLANEJAMENTO E DA AGRICULTURA

 

 

 

 

 

Em prefácio, FHC diz que livro é ‘estrada a percorrer’

Por: Fernando Henrique Cardoso

 

Fernando Henrique Cardoso

 

Entre setembro do ano passado e janeiro de 2017, o ‘Estadão’ publicou uma extensa série de matérias sobre a agenda de reformas que o Brasil tem de enfrentar para reconquistar um futuro coletivo melhor para os cidadãos e cidadãs que aqui vivem e trabalham. Ao reuni-las em um livro, o jornal oferece à sociedade um diagnóstico dos desafios nacionais e um mapa da estrada que o País terá de percorrer para superá-los neste e nos próximos mandatos presidenciais. O livro vem em boa hora. Quis a história que os 30 anos da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1988 coincidissem com a retomada do debate público e da iniciativa do governo em relação a mudanças institucionais marginalizadas nos três mandatos presidenciais anteriores ao atual. Postergadas a partir de 2003 e substituídas por políticas econômicas destruidoras do equilíbrio fiscal e da capacidade de crescimento da economia a partir de 2010, essas reformas se tornaram não apenas necessárias para assegurar um futuro melhor, mas também urgentes para resgatar o Brasil da profunda e prolongada crise econômica legada pelo ciclo petista. O presidente Michel Temer compreendeu que sua breve passagem pela Presidência deveria estar dedicada à missão histórica e reiniciar o processo de reformas, a começar por aquela que maior dificuldade política representa, a da Previdência. Merece crédito por isso.

A reconstrução do Estado e da economia brasileira será longa, exigirá perseverança e sentido de direção. Nenhuma sociedade se move se não souber aonde quer chegar. E se não tiver uma razoável noção dos processos que a levaram às dificuldades do tempo presente. O livro que o leitor tem em mãos contribui para a compreensão do passado dos últimos 30 anos, assim como para o debate a respeito do futuro previsível.

Da sua leitura, saltam aos olhos o peso e a complexidade crescentes do sistema tributário para financiar um Estado que se agiganta, mas não devolve à sociedade em qualidade de serviços públicos e melhor distribuição da renda aquilo que lhe retira sob a forma de tributos. Parte desproporcional do que é transferido aos cofres estatais acaba no bolso de setores privilegiados. Neles se incluem as corporações mais bem organizadas do funcionalismo público, como mostram com fatos e dados várias das matérias publicadas no livro. As desigualdades que se formam no mercado de trabalho se acentuam nos sistemas desiguais de Previdência, exemplo claro de como o desequilíbrio fiscal e a desigualdade de renda não raro são irmãos siameses no Brasil.

Igualmente elucidativas são as matérias que mostram o anacronismo cada vez maior da CLT frente às transformações do mundo real do trabalho e da produção. Devido à minudente rigidez da legislação e ao conservadorismo da hipertrofiada Justiça do Trabalho, o Brasil é provavelmente o campeão mundial em matéria de judicialização das relações de trabalho. É também pródigo quanto à proliferação de sindicatos, criados com a finalidade exclusiva de abocanhar uma fatia do Imposto Sindical compulsório.

Tal situação não favorece a representação autêntica e a composição dos interesses divergentes dos trabalhadores e das empresas. Inibe o emprego formal e prejudica a produtividade ao criar insegurança jurídica nas relações de trabalho e estimular a rotatividade da mão de obra.

O livro acerta na crítica que faz à Constituição de 1988 pelo que nela existe de proteção a benesses e privilégios de um país feito para poucas corporações, oligarquias e grupos sociais ligados ao Estado. Ela os ajuda a se perpetuar não apenas por lhes dar status constitucional, mas também por consagrar na Lei Maior estruturas de poder necessárias à sustentação dessas benesses e desses privilégios.

Não se deve esquecer, porém, que, se a Constituição de 1988 reflete alguns “ismos” de um passado que custa a morrer, ela expressa também a vontade de uma sociedade democrática, que ainda não se desenvolveu por completo. A Constituição de 1988 tem ajudado o País a usufruir do mais amplo e duradouro regime de liberdades da sua história, a navegar por graves crises políticas sem ruptura da democracia, a combater a corrupção e os abusos de poder dentro do estado de direito, a avançar na redução da pobreza e na proteção do meio ambiente. Não é pouco.

Reformar a Constituição, sim, como fiz com convicção e empenho quando fui presidente. Preservando, entretanto, o que nela há de fundamental para garantir e ampliar conquistas civilizatórias indispensáveis à construção contínua de um país não apenas mais desenvolvido, mas mais justo, decente e democrático.

 

Caminho. Para ex-presidente, reconstrução do Estado será longa e exigirá sentido de direção

 

A RECONSTRUÇÃO DO BRASIL

Autor José Fucs

Editora O Estado de S. Paulo

Número de páginas: 150

Versões R$ 39,90 (livro) e R$ 24,90 (e-book)

Lançamento 19 de setembro, às 19h, na Livraria Cultura (Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, São Paulo, SP