O Estado de São Paulo, n. 45260, 17/09/2017. Economia, p.B4

 

 

 

BNDES quer sobreviver longe do governo

Plano do banco é apostar em projetos de tecnologia e formação pessoal

Por: Idiana Tomazelli / Adriana Fernandes

 

Idiana Tomazelli

Adriana Fernandes / BRASÍLIA

 

Enquanto tenta resistir às investidas do governo para que reduza seu tamanho, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) busca traçar desde já ampla estratégia que garanta sua sobrevivência no futuro.

A instituição de fomento tenta ganhar tempo para se reciclar e conseguir permanecer relevante no plano nacional diante de medidas que devem atingir em cheio seu poder de fogo, como a pressão do Tesouro para obter mais dinheiro antecipado do banco e a iminente mudança nos juros de seus financiamentos para uma taxa mais alinhada à de mercado, a Taxa de Longo Prazo (TLP).

Sem abandonar o papel de provedor de crédito em grandes projetos de infraestrutura, a intenção é colocar recursos em projetos que possam alavancar o desenvolvimento do País por meio de outros canais, como tecnologia e formação de pessoas. O banco contratou a consultoria alemã Roland Berger para trabalhar no plano estratégico 2022-2030. Duas palavras devem virar norte de atuação: inovação e interiorização.

O banco também está de olho no mercado internacional para renovar sua fonte de recursos. O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, esteve em Londres para acertar detalhes da reabertura do escritório da instituição e estuda abrir outros postos no exterior. A ideia é que a presença internacional abra caminho para as futuras captações de recursos que darão vazão aos novos créditos.

Segundo Rabello, até o fim da transição, o BNDES já terá reformulado completamente suas principais fontes de financiamento. “Além disso, o governo nos solicitou uma colaboração financeira abrupta e, por outro lado, vem uma mensagem presidencial muito clara, do meu chefe, que está obcecado com a ideia de mais emprego e investimento em 2018”, acrescenta.

A TLP vai substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos financiamentos do BNDES a partir de 2018. Com a nova taxa, o subsídio dos juros vai cair, ou seja, o crédito para as empresas com recursos do BNDES vai ficar mais caro. Hoje, a TJLP está em 7%, abaixo dos 8,25% da Selic. O subsídio menor contribui para o equilíbrio fiscal, mas Rabello era contra a mudança no momento em que a economia inicia uma retomada porque o crédito mais caro pode inibir os investimentos.

Mesmo com a tentativa do BNDES de se reinventar, o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) José Roberto Afonso avalia que o banco terá menos recursos para emprestar e a um custo mais caro, uma vez que a TLP aprovada valerá para todos os empréstimos, não só os feitos com recursos do Tesouro. “Inevitavelmente será um banco para poucos. Vão crescer as operações diretas, às quais só grandes e melhores empresas têm acesso.”

 

Novo foco. Forçado a se reinventar, a ideia do novo BNDES é investir em projetos tecnológicos, até mesmo em mercados que ainda não existem no Brasil. “Não temos cientistas mandando foguete para a Lua, mas estamos muito interessados em saber se por acaso tem alguém fazendo um pequeno foguete. Isso pode ser uma ruptura futura”, diz o presidente do banco. Na interiorização, a prioridade será intensificar a oferta de crédito a pequenos empresários que hoje não têm acesso.

O novo plano estratégico do banco deve ser concluído no início de 2018, mas há áreas que desde já estão no radar como potenciais novas frentes de atuação, diz o diretor de Crédito, Planejamento e Pesquisa do BNDES, Carlos Da Costa. Entre esses focos estão o investimento em tecnologia; especialização do capital humano das empresas; modernização da gestão e da governança de empresas, cidades e governos; e adensamento de cadeias produtivas, com investimentos para integrar empresas que participam de um mesmo processo de produção.

Principal beneficiário da política de crédito subsidiado no BNDES nos últimos anos, o setor produtivo vê esse “novo banco” com ceticismo. Para o vicepresidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz Coelho, a redução de sua capacidade será fatal para o banco.

 

Reflexões

“O custo do funding nacional ‘telepou’, não hoje porque isso é assunto para 2022, mas ninguém vai esperar chegar 2022.”

Paulo Rabello de Castro

PRESIDENTE DO BNDES

 

“Inevitavelmente, será um banco para poucos.”

José Roberto Afonso

PESQUISADOR DA FGV

 

 

 

Banco vai admitir erros em CPIS no Congresso

Por: Renan Truffi

 

Renan Truffi / BRASÍLIA

 

Envolvido em apurações de duas CPIs no Congresso Nacional, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai mudar sua postura em relação às operações de empréstimo e investimento realizadas no passado e assumir uma autocrítica. A avaliação da direção, sob o comando de Paulo Rabello de Castro, é que o banco de fomento precisa admitir os erros e sair da condição de apenas se defender.

O caso JBS é a maior influência por trás dessa mudança. As informações que vieram à tona com a delação de ex-executivos da empresa aceleraram o processo.

O ponto de vista que deve nortear essa autocrítica é de que o banco precisa abandonar seu modo financista, para também se cercar de mecanismos e regras em relação ao que acontece com o capital investido pelo BNDES depois que o dinheiro chega aos beneficiados.

Esse discurso deve ficar mais evidente nas próximas semanas, quando supervisores do banco deverão prestar informações às comissões de inquérito abertas no Congresso. Tanto a CPI do BNDES, no Senado, quanto a CPI Mista da JBS, no Congresso, buscam investigar, entre outras coisas, os subsídios concedidos pela instituição à JBS, dos irmãos Batista.

Durante o governo Lula, o banco investiu cerca de R$ 10 bilhões na holding J&F – que controla a JBS, dona da Friboi. O próprio presidente do BNDES já começou a dar declarações nesse sentido.

O sub-relator da CPMI da JBS, o deputado Delegado Francischini (SolidariedadePR), prepara agora um requerimento que tem o objetivo de rastrear o “caminho do dinheiro” investido pelo banco na aquisição de empresas nos Estados Unidos, durante a chamada política dos “campeões nacionais”.

O pedido deve ser apresentado na próxima reunião da comissão, marcada para a próxima terça-feira.