Correio braziliense, n. 19852, 29/09/2017. Política, p. 2.

 

Urgência para derrubar a decisão do Supremo

Natália Lambert

29/09/2017

 

 

Senadores aprovam requerimento para votar na próxima terça-feira as penas impostas pelo STF a Aécio Neves, que ontem voltou a afirmar que a 1ª Turma se baseou em provas falsas. Análise do mérito foi adiado por causa do quórum

 

 

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato e determinar o recolhimento noturno elevou a tensão no Congresso numa quinta-feira atípica. O clima no plenário do Senado durante a leitura do ofício, na manhã de ontem, era de raiva e de retaliação. Diante de um painel que já não mostrava mais o nome do senador tucano, parlamentares aprovaram um requerimento de urgência para analisar, na próxima terça-feira, as penas impostas pela Corte do STF. Alguns, como o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (PMDB-AL), clamavam para que a determinação fosse analisada ontem mesmo, mas o baixo quórum, de 53 presentes, fez com que o líder do PSDB, Paulo Bauer (PR), pedisse o adiamento da análise do mérito da questão.

“Cada dia são horas, e minutos, e dias de afirmação do processo democrático e da separação dos poderes (...) Nós não podemos dar, se tivermos uma correlação favorável, mais um minuto, um dia, dois dias, um mês, para afirmar o Legislativo no processo democrático e republicano e defender a Constituição. Se outros não defenderam a Constituição, não importa. O Legislativo não pode perder um minuto na defesa da Constituição”, alegava Renan, que teve o pedido negado pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

O requerimento apresentado pelo PSDB e assinado por parte dos líderes criticava a decisão do STF alegando não haver previsão constitucional para o Poder Judiciário, mesmo que por meio do STF, afastar um senador. “A decisão proferida, portanto, coloca em conflito o princípio da separação dos poderes, que devem ser harmônicos e independentes.” O requerimento de urgência teve 43 votos favoráveis, 8 contrários e uma abstenção. “Tínhamos uma margem muito pequena para arriscar. Imagina se a gente coloca para votar e não consegue maioria para derrubar a decisão? Seria uma total desmoralização”, comentou um cacique peemedebista que preferiu não se identificar.

Parte dos senadores, principalmente, de partidos como PSB, PSD e PPS, tentaram acalmar o clima pedindo para Eunício conversar com a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, para que a solução seja feita da maneira mais pacífica possível, inclusive, deixando a decisão para o plenário do STF. O senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) citou a existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.526 no STF, que pede à Corte que decida sobre a possibilidade ou não do afastamento de mandato parlamentar. O relator da ADI é o ministro Edson Fachin. “Devemos fazer o máximo para que as instituições permaneçam funcionando a contento e que uma Casa não queira se sobrepor à outra. É de bom alvitre esperarmos pela decisão plenária do Supremo antes de assumirmos uma decisão aqui”, afirmou Valadares.

Na opinião do ministro Marco Aurélio Mello, a análise em plenário da ADI poderia ser uma boa solução para pacificar mais esse conflito entre as instituições da República. “Poderíamos analisar em caráter liminar e pacificar a questão. Essa situação acentua ainda mais a crise institucional que estamos vivendo. Mas até esses incidentes tendem a robustecer a democracia e mostram que nenhum poder é absoluto. Cabe a cada qual perceber tudo isso e amar um pouco mais a lei maior do país, que é a Constituição Federal.” O magistrado ressaltou ainda a lei do “pode mais”. “Se o Senado pode barrar uma prisão, por que não poderia barrar uma medida cautelar? É a compreensão da independência e harmonia entre os poderes”, acrescentou.

Na análise de um consultor jurídico do Senado que prefere não se identificar, o “vácuo jurídico” deu brecha para o imbróglio. “O Supremo decidiu por um afastamento que não tem previsão constitucional e um recolhimento noturno determinado no Código de Processo Penal. O Senado não tem o direito legal de se manifestar sobre medida cautelar diversa à prisão nem de dizer ‘não’ a uma ordem judicial, mas o que foi feito foi um eufemismo para prisão em regime semiaberto. Virou guerra de titãs. E qual é o bem maior que a Constituição protege? Não é o exercício do mandato?”, questionou.

 

Defesa

Na noite de ontem, em mais uma nota divulgada à imprensa, a defesa do senador Aécio Neves afirmou que a decisão da Primeira Turma do STF foi baseada em um processo que contém provas falsas e criou uma “inconstitucional e perigosíssima presunção de culpa”. “Não há como reputar que os fatos estão provados quando sequer há denúncia recebida contra o senador Aécio, que, até agora, não teve o direito e a oportunidade de se defender e de demonstrar que os recursos recebidos eram um empréstimo pessoal, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, como restará provado.” Além disso, a defesa acrescentou que o afastamento do cargo de um parlamentar legitimamente eleito pelo povo é medida que não está autorizada pela Constituição, pois implica em “desequilíbrio entre os poderes e o agigantamento do Judiciário”.

 

O que diz a lei

Artigo 53 da Constituição Federal

“Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”

 

Artigo 319 do Código de Processo Penal

“São medidas cautelares diversas da prisão: V - Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).”