Correio braziliense, n. 19852, 29/09/2017. Política, p. 4.

 

Filhos de Jucá na mira da Justiça

Renato Souza

29/09/2017

 

 

Ação autorizada pela 4ª Vara Federal de Roraima investiga desvio de recursos no Minha Casa Minha Vida. Senador critica a juíza do caso e fala em “intimidação”

 

 

Uma ação da Polícia Federal deflagrada na manhã de ontem atingiu diretamente familiares do senador Romero Jucá (PMDB-RR). A Operação Anel de Giges foi autorizada pela juíza Ana Emilia Rodrigues Aires, da 4ª Vara Federal de Roraima, e teve como objetivo cumprir mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva contra filhos e enteados do parlamentar. Os envolvidos são acusados de desvio de recursos destinados ao Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.

De acordo com as investigações, a ação criminosa provocou perdas de R$ 32 milhões aos cofres públicos por meio de superfaturamento na compra da Fazenda Recreio, em Boa Vista. Além disso, foi identificado desvio de recursos da União destinados ao Residencial Vila Jardim, na capital de Roraima, que recebeu recursos do programa habitacional do governo.

Durante a operação, foi preso Frederico Macedo, marido de Luciana Surita da Motta Macedo, enteada do senador. Na casa dele, as equipes policiais encontraram uma pistola ponto 45 e um fuzil 762, sem registro. Foram alvos de mandados de busca e coerção coercitiva os filhos do senador, Rodrigo de Holanda Menezes Jucá e Marina de Holanda Menezes Jucá, e duas ex-enteadas dele: Luciana e Ana Paula Surita Motta Macedo — filhas da prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (PMDB), ex-mulher do senador.

De acordo com a PF, foram cumpridos 17 mandados judiciais em Boa Vista, Brasília e Belo Horizonte, sendo 9 de busca e apreensão e 8 de condução coercitiva, quando o alvo é obrigado a depor . Ao todo, sete pessoas estão sendo investigadas. Um superintendente da Caixa Econômica Federal também foi preso, acusado de facilitar as fraudes contra o programa habitacional. Os envolvidos são acusados dos crimes de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. Se condenados, podem pegar até 30 anos de prisão. Houve apreensão ainda de farta documentação, que resultou em 10 laudos policiais explicando como era a atuação do grupo criminoso.

Em entrevista coletiva, Jucá falou que era retaliação da juíza, sem dar mais detalhes. “Jamais ninguém vai intimidar-me. Isto é uma ação de uma juíza que está acionada no CNJ por conta de abuso de autoridade“, declarou o senador. O parlamentar chama a operação de “mais um espalhafatoso capítulo de um desmando que se desenrola nos últimos tempos”.

 

Provas

O delegado Alan Robson, superintendente regional em exercício da PF em Roraima, afirmou que as provas dos atos ilegais são robustas. “A investigação ocorreu em conjunto com a Receita Federal. Partiu de movimentações suspeitas, com muitos laudos periciais, trabalhos de análises dos blocos construídos na cidade. Os trabalhos começaram em 2015 e agora nós conseguimos reunir provas suficientes para deflagrar a operação”, argumentou.

Ontem à tarde, o senador Romero Jucá foi fotografado conversando por meio de mensagem de texto com o deputado Lúcio Vieira Lima, irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima. No diálogo, o deputado afirma que a operação é uma tentativa de “intimidação” por conta da votação sobre o afastamento do senador Aécio Neves. “Essa sacanagem é em função do caso do Aécio, para inibir o Senado. São indignos. Não tenho poder em ajudar em nada, mas ao menos quero retribuir o carinho paternal que você tem dedicado a mim e sou grato!”, diz a mensagem do deputado enviada ao senador.

 

Platão

O nome da operação é inspirado na citação existente no Livro II da obra A república, de Platão, que traz discussões sobre a Justiça. O Anel de Giges permite ao portador que fique invisível e cometa ilícitos sem consequências.

 

Frase

“A investigação ocorreu em conjunto com a Receita Federal. Partiu de movimentações suspeitas, com muitos laudos periciais, trabalhos de análises dos blocos construídos na cidade”

Alan Robson, delegado da Polícia Federal