Correio braziliense, n. 19852, 29/09/2017. Mundo, p. 13.

 

China pune economia vizinha

Rodrigo Craveiro

29/09/2017

 

 

Pequim ordena o fechamento de todas as empresas estabelecidas em seu território por entidades e cidadãos norte-coreanos em 120 dias. Medida também afeta joint ventures com companhias chinesas. EUA saúdam a mudança de posicionamento

 

 

Em 2015, a Coreia do Norte exportou US$ 4,15 bilhões em minérios, metalurgia, bens manufaturados, além de produtos agrícolas e de pesca. Atualmente, pelo menos 90% das transações comerciais são feitas com a China, principal parceiro comercial. Depois de proibir o comércio de têxteis e limitar a venda de petróleo, Pequim tomou uma decisão considerada simbólica, capaz de estrangular a economia de Pyongyang e debilitar o regime de Kim Jong-un. O Ministério do Comércio chinês estabeleceu um prazo de 120 dias para que todas as companhias norte-coreanas operando em seu território encerrem suas atividades. A medida também vale para joint ventures dos dois países vizinhos e foi tomada na antevéspera da visita do secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, à capital da China, onde se reunirá com o chanceler Wang Yi. Os dois chefes da diplomacia debaterão a tensão nuclear na Península Coreana e os preparativos para a viagem do presidente Donald Trump a Pequim, em novembro.

“Nós estamos trabalhando em estreita colaboração com a China para executar essa estratégia e existe progresso, a olhos vistos, da China nessa frente”, comentou Susan Thornton, subsecretária de Estado para Assuntos da Ásia Oriental, durante audiência no Senado. “Nós vemos uma mudança na política chinesa”, garantiu, ao confirmar que as medidas estão em “boa direção”. O anúncio do Ministério do Comércio chinês contempla a adoção da resolução 2.375, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em 11 de setembro passado. O texto ratifica o oitavo pacote de sanções da ONU contra o regime norte-coreano, principalmente com a proibição do abastecimento de petróleo. Por enquanto, estão livres do fechamento as organizações não comerciais ou envolvidas em infraestruturas de serviço público, as quais serão examinadas  “caso a caso”.

Para especialistas consultados pelo Correio, a manobra de Pequim evidencia o crescente mal-estar com Pyongyang após a realização do sexto teste nuclear, a explosão de uma suposta bomba de hidrogênio, em 3 de setembro. “É um sinal de que a China está ficando mais chateada e irritada com a Coreia do Norte, e de que pressão da comunidade internacional por uma atitude de Pequim aumentou”, afirmou Gi-wook Shin, diretor do Centro de Pesquisa Ásia-Pacífico Shorenstein e do Programa Coreia da Universidade de Stanford, na Califórnia. “A China insistia que o programa nuclear norte-coreano não representaria ameaça militar direta à região e o  entendia como uma reação à ameaça dos EUA”, disse.

Segundo ele, o governo do presidente Xi Jinping tem percebido que o desenvolvimento de armas atômicas é um risco para a própria segurança da China. “Pequim continuará a fazer o que puder para pressionar a Coreia do Norte a abandonar o programa nuclear”, acrescentou, ao alertar que os chineses têm implementado as sanções da ONU apenas parcialmente. No sábado, a China, responsável pelo suprimento de quase todo o petróleo consumido pela Coreia do Norte, confirmou que limitaria drasticamente as exportações de produtos petroleiros refinados ao país vizinho.

 

Desprezo

Stephen Haggard, diretor do Programa Coreia-Pacífico da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD), concorda com Gi-wook e cita a decisão de Pequim como reflexo de vários fatores. “Ela se deve ao crescente desprezo pela Coreia do Norte e aos problemas causados à China pelo regime. Também a vejo como um esforço para cooperar com os EUA e uma tentativa de evitar mais sanções secundárias  dramáticas, que poderiam ser lançadas pela Casa Branca”, explicou. “Não que a China veja Pyongyang como ameaça militar direta. No entanto, ela signficaria um perigo indireto se os EUA e aliados — Japão e Coreia do Sul — fossem empurrados para um conflito bélico.”

Por sua vez, Scott Snyder, especialista em Coreia do Norte e diretor do Programa sobre Política EUA-Coreia do Norte do Conselho de Relações Exteriores (CFR), em Washington, comenta que Pequim considera o regime de Kim um estorvo e uma entidade que põe em risco os interesses de segurança nacional do governo chinês. “A medida é consistente com a implementação das sanções da ONU.”

 

Trump, o “velho lunático”

A Coreia do Norte classificou o presidente Donald Trump de “velho lunático”, por afirmar que o americano Otto Warmbier (foto) foi torturado na prisão. “Trump e sua panelinha (...) estão explorando de novo a morte de Otto Warmbier”, afirmou a chancelaria de Pyongyang. Em 2016, o estudante esteve na Coreia para fazer turismo, mas foi detido e ficou preso por mais de um ano, após arrancar um cartaz. Em junho, depois de seu retorno aos EUA, faleceu aos 22 anos. “O fato de o velho lunático do Trump e sua gentalha caluniarem a dignidade da nossa liderança suprema (...) apenas serve para redobrar a maré de ódio do nosso Exército e do povo contra os Estados Unidos e seu desejo de adotar represálias multiplicadas por 100.”

 

Especialistas

“A decisão da China está alinhada com as sanções do Conselho de Segurança da ONU e com as medidas anunciadas pela Secretaria do Tesouro dos EUA para punir parceiros comerciais e financeiros da Coreia do Norte. Pequim tem sinalizado, há algum tempo, a indisposição para com o regime de Kim Jong-un.”

Scott Snyder, diretor do Programa sobre Política EUA-Coreia do Norte do Conselho sobre Relações Exteriores

 

“Eu vejo mais disposição por parte dos chineses em fazer mais, em termos de sancionar a Coreia do Norte. É um sinal positivo — mas, se o impacto será prejudicial para o governo de Pyongyang, não tenho muita certeza. A Coreia do Norte  aprendeu a viver sob duras sanções por mais de uma década, e sua economia tem melhorado ao longo dos anos.”

Gi-wook Shin, diretor do Centro de Pesquisa Ásia-Pacífico Shorenstein e do Programa Coreia da Universidade de Stanford

 

“A medida de fechar joint ventures da China com a Coreia do Norte é um resultado das sanções da ONU. No entanto, uma vez que Pequim detém poder de veto, como membro permanente do Conselho de Segurança, isso significa que  o governo chinês efetivamente aprovou tal ação.”

Stephan Haggard, diretor do Programa Coreia-Pacífico da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD)