O globo, n.30851 , 24/10/2018. PAÍS, p.6

Adversários dizem que Lula deve ser derrotado nas urnas

Martha Beck

 

 

Para Alckmin, Temer e Doria, revés eleitoral seria mais significativo

Nos dias que antecederam o julgamento que pode tornar o ex-presidente Lula inelegível — o que afetará fortemente a disputa eleitoral de 2018 —, possíveis adversários nas eleições de outubro e importantes lideranças políticas adotaram a cautela quanto ao futuro político do petista. Se nos bastidores há evidente torcida pela condenação, os pré-candidatos, em público, tentam engrossar o discurso de que seria mais importante derrotar o petista nas urnas.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que esteve ontem na inauguração de uma nova estação de metrô, afirmou, sem mencionar o nome de Lula, que está pronto para enfrentar o PT em outubro.

— Decisão judicial se respeita. Eu não tenho detalhes da questão jurídica nem sou da área do Direito. Eu aguardo a decisão da Justiça, qualquer que for. Agora, nós vamos enfrentar e derrotar o PT, seja quem for o candidato. Concorrente não se escolhe. Estamos preparados para enfrentá-los — afirmou o governador tucano.

Na chegada a Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, o presidente Michel Temer fez poucos comentários sobre o julgamento. E descartou a possibilidade de o caso impactar sua participação no evento.

— Não vai me causar mal-estar nenhum. É natural. Não creio (que haverá constrangimento), é um sinal de estabilidade — disse o presidente.

Para ele, o julgamento em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, não terá repercussões na imagem do Brasil para os possíveis investidores estrangeiros.

— Isso significa que as instituições brasileiras estão funcionando, funcionando com muita tranquilidade, o que dá segurança aos investimentos — completou.

O discurso de Temer no Fórum, que está previsto para 7h26 no horário de Brasília, acontece antes do início do julgamento de Lula. O resultado, porém, pode sair antes ou durante o jantar oferecido pelo fórum ao atual presidente da República.

Antes da viagem a Davos, porém, Temer afirmou em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo” que preferia ter Lula presente nas urnas. Na entrevista, afirmou: “Acho que, se Lula participar (da eleição), será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não. Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado porque foi vitimizado.

O prefeito de São Paulo, João Doria, que cogitou se lançar à Presidência, seguiu em linha parecida. Afirmou, também em Davos, esperar que o petista seja condenado. E disse que ele deve responder pelos seus crimes. Mas sustentou que o petista deveria ter o direito de concorrer para ser derrotado nas urnas.

— Eu espero que o Lula seja condenado e pague pelos crimes que cometeu. Mas também defendo que ele seja candidato e perca as eleições. Com o Lula derrotado nas urnas, acaba o mito. Acaba o mito Lula e começa a vida do Luiz Inácio cumprindo a pena na cadeia em Curitiba — afirmou Doria.

 

MEIRELLES SEGUE O TOM

Doria participou do almoço ao lado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que também se credencia para a disputa presidencial e foi presidente do Banco Central na gestão de Lula. Na segunda-feira, ministro afirmou, em Londres, numa entrevista à BBC Brasil, que o processo judicial é normal, mas que, politicamente, seria positivo que ele participasse.

— É um processo normal da Justiça, com consequências políticas. Mas eu não tenho olhado isso com foco. Do ponto de vista político, seria bom que ele, evidentemente, disputasse — afirmou Meirelles.

Já a Rede, da presidenciável Marina Silva, se pronunciou por meio de nota. O partido manifestou apreensão com o “clima de hostilidade” em torno do julgamento. O partido de Marina ressalta ainda que “o sistema judiciário possui seus próprios mecanismos de revisão de decisões que devem seguir critérios técnicos, independente da conjuntura política”.

Já o PSB, que já foi aliado histórico do PT e agora está dividido, criticou, por meio de nota, a celeridade da Justiça e declarou apoio ao petista. Em nota, assinada pelo presidente Márcio França, o partido defende “que o tribunal político mais adequado em uma democracia é o voto popular, em eleições livres”. (Martha Beck, enviada especial a Davos)