O globo, n.30851 , 24/01/2018. ECONOMIA, p. 17

TENSÃO PRÉ-LULA NO MERCADO

RENNAN SETTI

JOÃO SORIMA NETO

 

 

Para traçar estratégias, analistas buscam consultorias políticas e trocam fluxogramas

Vai ter transmissão ao vivo e ansiedade pelo placar, mas não tem nada a ver com Copa do Mundo. O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje, em Porto Alegre, será acompanhado pelo mercado financeiro como se ocorresse na Rússia, tamanha é a expectativa com relação aos seus resultados. É a chamada Tensão Pré-Lula (TPL), que despertou cautela ontem entre investidores e fez o dólar subir 0,9%, encostando em R$ 3,24, e a Bolsa cair 1,22%, perdendo o patamar recorde da véspera. Bancos e corretoras, em sua maioria, apostam na condenação do petista e em sua inelegibilidade, mas sabem que minúcias judiciais podem levar a consequências inesperadas para seus bolsos. Para se preparar para o “evento”, os agentes recorreram a advogados, consultores políticos disponíveis em tempo real, fluxogramas e até bolões.

A consultoria política Arko Advice tem recebido 30 ligações por dia de investidores interessados em informações sobre o julgamento e montou operação especial para mantê-los informados hoje, em tempo real, via e-mail e WhatsApp.

— O mercado está mais habituado ao processo político do que ao judicial, então surgem muito mais dúvidas — diz o vicepresidente da Arko, Cristiano Noronha, que vê os agentes do mercado preocupados com filigranas. — Perguntam coisas superespecíficas, como, por exemplo, se cabe embargo infringente no caso de uma divergência de pena, mesmo em condenação unânime, e quantos dias depois do acórdão esses embargos serão publicados.

 

PARA ‘FÃS DE SÉRIES DE TRIBUNAL’

Outra consultoria, a Eurasia, fez ontem teleconferência com clientes, depois de distribuir, na véspera, nota ao mercado respondendo às principais dúvidas — o “Guia rápido para o julgamento de Lula”. Esse guia ainda ressalta que será possível acompanhar o julgamento pelo canal do TRF-4 no YouTube. Os requisitos são falar português e ser “fã de séries de tribunal”.

A Eurasia atribui projeções numéricas, mais palatáveis para investidores, aos possíveis desdobramentos do julgamento. Os analistas preveem que a condenação de Lula será confirmada hoje, “mas provavelmente com algum tipo de divergência, que permitirá a apresentação de embargos infringentes.” Ainda assim, acreditam que esses recursos não serão suficientes para permitir a candidatura: para a Eurasia, as chances de o nome de Lula estar nas urnas estão entre 30% e 40%. Caso o petista consiga se candidatar, a consultoria vê 30% de chances de vitória.

Já os operadores consideram que as minúcias jurídicas ficam mais claras na forma de fluxogramas, no estilo chaves da Copa, que mostram as “fases” de Lula, com dois resultados possíveis: elegível ou inelegível. Circula entre agentes de bancos e corretoras, via WhatsApp, um desses fluxogramas, elaborado pela Garde Asset.

Enquanto roem as unhas, os operadores se protegem com o que têm em mãos — quase sempre derivativos. Tem crescido a busca por contratos de opções de venda, que limitam eventuais prejuízos em caso de desvalorização intensa.

— É uma semana em que o cara que opera compra seguro para se proteger, o que sai mais barato do que vender a posição e esperar — diz Rodrigo Marcatti, da Veedha Investimentos.

Para aliviar a tensão, o mercado financeiro recorre aos bolões. No caso do julgamento de Lula, porém, observa Marcatti, cerca de 90% dos apostadores preveem que Lula será condenado, o que dificulta ganhos substanciais para os acertadores.

— Fizemos um bolão sobre o placar da derrota de Lula: 3x0 ou 2x1. O mercado acredita em 3x0, porque isso inviabilizaria a candidatura Lula. Já o placar de 2x1 abre espaço para contestações — conta o chefe de uma corretora.

Americana nascida no Brasil, a analista financeira Bianca Taylor tem penado no que chama de “missão impossível”: explicar para seus colegas em Boston o que está acontecendo com Lula e a corrida eleitoral. Ela coordena a unidade de investimentos para América Latina da Loomis Sayles, que administra US$ 268,1 bilhões. A tarefa tem exigido contato com analistas políticos, além de viagens a Brasília.

— Falei com muita gente, e o assunto do julgamento do Lula surgiu em todas essas conversas — conta Bianca. — Também falamos muito com advogados. Aliás, temos tido que falar mais com eles do que com os próprios políticos.

Mesmo para instituições que focam em investimentos de longo prazo, o julgamento domina as atenções.

— Temos de conversar com consultores políticos e advogados. Infelizmente, isso virou praxe para se investir na América Latina — explica William Landers, gestor dos fundos da BlackRock, gigante que gere US$ 6 trilhões globalmente.

A expectativa é que a Bolsa devolva um pouco dos ganhos das últimas semanas se o placar for 2x1 ou, em cenário totalmente inesperado, se Lula for absolvido. Este ano, o Ibovespa já bateu dez recordes, tendo ultrapassado os 81 mil pontos na esteira do bom humor internacional. Mas Landers observa que, a despeito do veredito de hoje, a perspectiva continua positiva para a Bolsa, devido à melhora da economia e à queda dos juros. Já o economistachefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, observa que, mesmo se a condenação não for unânime, não haverá grande efeito no mercado.

— Se o placar for de 2x1 e o mercado azedar, representará uma boa oportunidade de compra para os investidores. Mas, a verdade é que, ainda que eu ficasse chocado com uma absolvição, isso não significaria que o Lula teria mais chances de ganhar nas urnas — diz Landers.

O advogado Alberto Rollo, especializado em direito eleitoral, fez teleconferência esta semana com uma grande corretora sobre o julgamento:

— Mais do que qualquer resultado, é preciso demonstrar que as instituições brasileiras estão funcionando.