Correio braziliense, n. 19854, 01/10/2017. Economia, p. 8.

 

China acelera ritmo de investimentos no Brasil

Simone Kafruni

01/10/2017

 

 

Programa de privatizações aguça apetite de chineses por ativos brasileiros. Gigante asiático, que comprou hidrelétrica por R$ 7,2 bilhões, na semana passada, planeja destinar mais US$ 20 bilhões ao setor de infraestrutura nos próximos 12 meses

 

 

Os chineses nunca investiram tanto no Brasil e, graças ao apetitoso — e barato — cardápio de privatizações do governo Michel Temer, é apenas o começo. Entre 2003 e 2017, foram US$ 47 bilhões em investimento direto no país, sem contar a Usina Hidrelétrica São Simão, que o grupo chinês State Power Investment Corporation (Spic), dono da Pacific Energy, arrematou por R$ 7,2 bilhões na semana passada. Equivalente a US$ 2,3 bilhões, o bônus de outorga, no entanto, é um aperitivo diante da previsão de injeção de US$ 20 bilhões nos próximos 12 meses.

Além dos preços de ocasião dos ativos brasileiros, os baixos juros praticados no mercado global e a gorda taxa de poupança da China, de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), explicam a fome do gigante asiático, que também pretende, com o avanço voraz em vários países emergentes, fortalecer-se como líder mundial.

O secretário adjunto de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Renato Baumann, diz que o aumento da intensidade e do ritmo dos investimentos chineses no Brasil é uma coisa nova. “É um aprendizado para eles e para nós”, afirma. Baumann faz um resgate histórico para explicar o fenômeno. “As reservas da China chegaram a US$ 4 trilhões. Hoje, são estimadas em US$ 3 trilhões. Grande parte estava aplicada em títulos do Tesouro americano, cujas taxas caíram muito”, conta.

O governo chinês estimulou o investimento em projetos específicos para melhorar a remuneração das suas reservas. Assim, o fluxo do capital para a América Latina, explica o secretário, começou há 10 anos, a partir de aportes nas cadeias dos produtos que a China mais consome. “Inicialmente, o foco foi em alimentos e minérios. Só recentemente, o país passou a apostar em projetos de infraestrutura”, diz.

Baumann destaca, no entanto, que é difícil explicar como os números do Banco Central sejam tão baixos. Conforme a última nota de setor externo da autoridade monetária, o ingresso de capital chinês em investimentos diretos no país foi de US$ 879 milhões em 2016 e de US$ 179 milhões de janeiro a agosto de 2017. “Uma dificuldade estatística é que parte disso deve passar por paraísos fiscais”, acredita.

As planilhas do Planejamento, contudo, contabilizam 180 projetos anunciados desde 2003, 87 confirmados, com injeção de US$ 47 bilhões até 2017, sem adicionar a mais recente aquisição. “O grosso está em energia e ingressa por meio de fusões e aquisições, com a compra total ou de participação em empresas já existentes”, diz Baumann.

Se o apetite chinês já enche os olhos, o melhor está por vir, garante o presidente da Câmara Brasil-China (CCIBC), Charles Tang. “Os investimentos no Brasil estão mal começando. Nos próximos 12 meses, vão entrar mais US$ 20 bilhões”, anuncia. A China está investindo maciçamente no mundo inteiro, mas o Brasil está no centro das atenções por duas razões, diz Tang. “Há alguns anos, todos os projetos estavam nas mãos das grandes empreiteiras no Brasil. Com a crise e a paralisação das obras, os ativos ficaram baratos”, afirma.

 

Domínio

O outro motivo, explica o presidente da CCIBC, passa pelas ambições geopolíticas do governo chinês. “O incentivo aos países do Brics busca formar um grupo forte o suficiente para superar o G7 (as sete economias mais ricas do mundo) e, assim, a China se consolidar como liderança mundial”, assinala.

Para Tang, o mundo desenvolvido nunca entendeu as prioridades dos países emergentes e a China quer tornar o Brics maior e mais forte politicamente. “Temos um quarto da população do mundo, 40% da economia e 40% do território mundial. Com a ampliação do Brics, a partir dos investimentos, a China terá mais voz no sistema financeiro mundial”, esclarece.

O modelo de investimento agressivo em países emergentes demonstra uma mudança significativa na arte de relações internacionais da China, avalia Tang. “Nações fortes sempre dominaram as mais fracas com armas. A China inventou uma nova maneira: envia seus empresários para comercializar e investir nos países. Não suas tropas. Assim, o rastro não é de sangue e destruição, e sim de desenvolvimento e prosperidade”, sentencia.

 

Frase

“O incentivo aos países do Brics busca formar um grupo forte para superar o G7 e, assim, a China se consolidar como liderança mundial”

Charles Tang, presidente da Câmara Brasil-China (CCIBC)