Correio braziliense, n. 19854, 01/10/2017. Economia, p. 9.

 

Visão estratégica e de longo prazo

Simone Kafruni

01/10/2017

 

 

A necessidade de aporte de capital, de modernização da infraestrutura e da geração de emprego e renda é muito maior do que os riscos de uma eventual dependência dos chineses por conta dos investimentos maciços da China no Brasil. A opinião é consensual entre especialistas do setor, que não temem pela desnacionalização de ativos essenciais para o desenvolvimento do país, mas analisam o interesse pontual do gigante asiático.

O diretor da Macroplan, Cláudio Porto, observa que a China já é o maior importador de produtos brasileiros, com cerca de 17%. “Na sua relação com o mundo, a China tem uma visão estratégica sofisticada e de longo prazo”, diz. Isso explicaria grande parte do interesse deles pelo Brasil. “Podemos ser grandes fornecedores de commodities agrícolas e minerais e de alguns produtos intermediários ou mesmo industrializados, e somos um grande mercado para manufaturados chineses, além de demandantes de capital físico (infraestrutura) e financeiro”, contextualiza.

Por esse ponto de vista, avalia Porto, o grande interesse da China em investir no Brasil tem como motivação principal a conquista de posições a longo prazo e também um certo oportunismo. “O Brasil está muito barato e oferece oportunidades valiosas, especialmente no setor elétrico”, assinala. Além disso, complementa, a China tem cacife para exercer opções de investimento de longo prazo no Brasil e correr o risco-Brasil. “Eles têm muito capital, e a um custo baixíssimo. Ou seja, nossas oportunidades de investimento são atrativas para os chineses, mesmo com taxas de retorno mais demoradas”, afirma.

Como o mercado consumidor chinês é gigante e cada vez mais demandante, garantir suprimentos a longo prazo é um bom negócio para a China. “Todas as evidências indicam que os chineses serão players com presença crescente nos investimentos e nos negócios no Brasil”, resume.

O risco de dependência, explica Porto, está nas mãos do Brasil. “Se o país estruturar uma boa regulação, reforçar sua capacidade diplomática e montar uma boa estratégia de abertura e relação comercial e de negócios com o mundo, os benefícios que teremos com a presença de capital estrangeiro aqui serão muito maiores do que os riscos.”

 

Soberania

Para Cláudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria, a China tem uma taxa de poupança fora da curva. “Com poupança de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), é normal que parte escape para fora do país. A Coreia do Sul tem 35%, e já é bom. No Brasil, temos 15%”, compara. O governo chinês tem uma política de estimular, mas controlar os investimentos fora da China, tanto que, no país, o grosso do aporte não é em projetos  greenfield (começando do zero), nos quais há risco ambiental. É em fusões e aquisições”, ressalta.

O especialista explica que o investimento estrangeiro melhor é aquele que vem constituir um novo ativo. “Mas, quando compram os já existentes, os chineses tendem a fazer um esforço de modernização. Isso é positivo”, avalia. Frischtak diz que não há risco de desnacionalização. “Um país com 15% do PIB de taxa de poupança não pode prescindir de investimentos estrangeiros. Ainda mais quando as estatais são capturadas por interesses políticos. Quem ameaça nossa soberania somos nós mesmos”, sentencia.