Correio braziliense, n. 19856, 03/10/2017. Política, p. 2.

 

Senado ensaia passar a bola ao Supremo

Paulo de Tarso Lyra e Renato Souza

03/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Com a decisão da bancada do PMDB de aguardar o STF julgar o caso Aécio, o destino do tucano deverá ficar nas mãos da Corte. Defesa do político pediu a redistribuição da relatoria dos pedidos para suspender punições da 1º turma

 

 

O destino do mandato de Aécio Neves (PSDB-MG) está, cada vez mais, nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). A bancada do PMDB no Senado decidiu que o melhor é aguardar a análise que o pleno da Corte fará, no próximo dia 11, para definir se sanções impostas aos parlamentares devem ser chanceladas pelo Congresso. A decisão do PMDB pode puxar outras posições semelhantes no Senado. Parlamentares de diversas bancadas confirmaram, ao longo dos últimos dias, que arrefeceu o ímpeto dos senadores de rever a decisão da 1ª turma do STF.

“Eu consultei os integrantes da minha bancada ao longo do final de semana e levei a decisão ao presidente Eunício”, afirmou ao Correio o líder do PMDB no Senado, Raimundo Lira (PB). “Se o ministro Edson Fachin conceder a liminar favorável a Aécio, esse é um assunto que cabe ao PSDB. Caso contrário, nossa posição é de aguardar o parecer do plenário do STF no próximo dia 11”, completou.

Coube ao ministro Edson Fachin a relatoria de dois pedidos de liminares apresentados pelo PSDB e pela defesa de Aécio para suspender o afastamento do mandato e a restrição de deixar a residência à noite. O advogado de defesa de Aécio, Alberto Toron, pediu que as ações fossem redistribuídas. Em seu pedido, Toron justificou que Fachin, anteriormente, já havia definido que o tucano mineiro teria de ser afastado do mandato. Ele só retornou ao Senado após uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio de Melo, no dia 30 de junho. No último dia 26 de setembro, por 3 votos a 2, a primeira turma do STF impôs as novas sanções a Aécio.

 

Impasse

Após conversa informal, no fim da semana passada, na tentativa de superar o impasse político gerado pela decisão da primeira turma do STF, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), foi ontem pessoalmente ao Supremo encontrar-se com a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que marcara a sessão do pleno para o dia 11.

Na saída do encontro, Eunício afirmou que não caberia a ele a decisão de suspender a votação, prevista para hoje no Senado, para tentar reverter a punição imposta pelo STF ao tucano mineiro. “Não tenho como adiar uma votação (no Senado) que foi feita através de um regime de urgência assinado por quase a totalidade dos líderes e aprovado em votação nominal, e não simbólica. Agora vamos aguardar até amanhã (hoje)”, disse Eunício, acrescentando que não estava presente à reunião como advogado do mineiro, como presidente do Poder Legislativo.

Para os advogados de defesa, não há justificativa para a imposição de medidas cautelares. “É absolutamente temerário aplicar a um senador da República medida dessa gravidade e violência, que lhe retira do cargo para o qual — insista-se — foi eleito pelo povo, especialmente porque, rememoremos, não há expressa autorização legal e constitucional para medida dessa natureza que, ao fim e ao cabo, revolve princípios básicos de separação de poderes”, sustenta o advogado do tucano.

O Correio apurou que, pouco depois do encontro com Eunício, Cármen Lúcia chamou Fachin para uma conversa reservada no gabinete. O nome dele ainda não havia sido escolhido como relator e interlocutores da Suprema Corte negaram de maneira enfática que uma decisão, para um lado ou para outro, tenha sido debatida explicitamente. A justificativa é de que, como Fachin fora o primeiro relator do caso, era importante a análise de cenários que poderiam surgir daqui por diante.

Juristas experientes alertavam, ao longo da tarde, a situação inusitada que envolvera o Supremo e o Senado. Lembravam ser quase improvável que um ministro, de maneira monocrática e liminar, tenha disposição de reverter uma decisão tomada por um colegiado. Isso só aconteceu em duas oportunidades. A primeira, quando Gilmar Mendes mudou uma decisão de Marco Aurélio Melo no caso do menino Sean Goldman. Mais recentemente, Marco Aurélio devolveu o mandato a Aécio, anulando uma decisão de Fachin.

Quando o nome de Fachin foi anunciado como relator das ações, o cenário ficou ainda mais confuso. Fachin sequer é da Primeira Turma, o que tornaria ainda mais delicada a decisão de reverter uma sentença de um colegiado do qual ele não faz parte. Além disso, o ministro, em um primeiro momento, concordou com o afastamento de Aécio do mandato, decisão ratificada posteriormente pelos ministros da Primeira Turma.

 

A novela

O passo a passo da crise envolvendo o presidente licenciado do PSDB

 

» Em  18 de maio, o ministro Edson Fachin afastou Aécio Neves do mandato de Senador, atendendo a um pedido do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Fachin, no entanto, negou o pedido de prisão do parlamentar mineiro. Aécio havia aparecido em uma gravação feita pelos executivos da J&F solicitando R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista  para custear a defesa na Operação Lava-Jato.

» Em 2 de junho, Aécio Neves (PSDB-MG) foi denunciado por Janot. Era acusado pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça. Janot pediu que Aécio e a irmã Andrea Neves fossem condenados a pagar R$ 6 milhões a título de reparação por danos morais decorrentes de corrupção (R$ 4 milhões) e reparação por danos materiais (R$ 2 milhões) causados pelas condutas deles. Fachin dividiu o inquérito e a parte ligada ao senador Aécio foi repassada para o ministro Marco Aurélio de Melo, da primeira turma do STF.

» Em  30 de junho, Marco Aurélio devolveu o mandato a Aécio, alegando que era preciso respeitar o mandato concedido pelo voto popular.

» Em  26 de setembro, por 3 votos (Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber) a 2 (Marco Aurélio e Alexandre de Moraes), a primeira turma do STF definiu que Aécio deveria ser afastado do mandato, além de ser obrigado a permanecer na residência durante a noite.

» Em  29 de setembro, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, marcou para o dia 11 de outubro uma sessão do plenário para definir se as sanções impostas a parlamentares, como pedidos de prisão preventiva, por exemplo, podem ser decididas exclusivamente pelo Congresso.