O Estado de São Paulo, n. 45270, 27/09/2017. Política, p.A9

 

 

Senado cria fundo eleitoral de R$ 1,7 bi

Maioria dos senadores decide, em votação simbólica, por destinar recursos públicos para a campanha de 2018; Câmara vai apreciar projeto

Por: Renan Truffi / Thiago Faria / Isadora Peron

 

Renan Truffi

Thiago Faria

Isadora Peron / BRASÍLIA

 

O Senado aprovou ontem um projeto que cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, destinado a custear campanhas eleitorais. Em votação simbólica, a maioria dos senadores decidiu pela destinação de ao menos R$ 1,7 bilhão em recursos públicos para o processo eleitoral em 2018. A medida é vista como alternativa ao financiamento empresarial de campanha, proibido pelo Supremo Tribunal Federal.

O projeto deve ser votado pela Câmara dos Deputados ainda hoje. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a prioridade será concluir a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com as coligações em 2020 e cria uma cláusula de desempenho para os partidos.

Depois disso, os deputados devem discutir o projeto do fundo. Para Maia, a redução do valor destinado às campanhas tornou o projeto mais “palatável” porque o valor inicial, de R$ 3,6 bilhões, estava “muito fora da realidade”. Para que as novas regras tenham validade na próxima eleição, precisam ser aprovadas nas duas Casas antes de 7 de outubro.

A proposta do fundo aprovada ontem no Senado é de autoria do senador Armando Monteiro (PTB-PE), mas teve a colaboração do líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDBRR). Pela proposta, a principal fonte de recursos do fundo será emenda impositiva de bancada, um instrumento partidário usado para destinar dinheiro do Orçamento para redutos eleitorais em diversas áreas.

A proposta de Monteiro garante ao menos 30% do valor dessas emendas para as campanhas eleitorais. Para 2018, por exemplo, o Orçamento garante R$ 4,4 bilhões em recursos desse tipo. Isso quer dizer que, desse total, R$ 1,3 bilhão será destinado ao fundo, se a proposta for aprovada também na Câmara no prazo previsto.

Outra fonte de recursos do fundo será o programa partidário exibido em cadeia de rádio e TV em anos não eleitorais. Isso porque o texto sugere a transferência dos valores de compensação fiscal cedidos às emissoras de rádio e televisão que transmitem esses programas. Ou seja, eles deixam de existir e os recursos são destinados para as campanhas. Fica mantido, porém, o horário eleitoral durante o período de campanha.

Juntas, essas duas fontes vão garantir cerca de R$ 1,7 bilhão para as eleições. Quando elaborada por Jucá, a proposta original do fundo tinha como objetivo reunir aproximadamente R$ 3,6 bilhões. Ainda assim, a proposta provocou reação de senadores contrários. Para o senador Ronaldo Caiado (DEM-RJ), autor de proposta que serviu como base para a discussão, o texto abre precedentes para que o valor seja superior ao previsto neste momento.

“É um cheque em branco, eu desafio o relator a dizer qual é o teto do fundo para financiamento de campanha”, reagiu Caiado ao mencionar Monteiro. “A do Romero Jucá ainda tinha teto, esta não tem nem teto”, disse. O senador argumenta que o texto abre brechas para que créditos adicionais sejam editados com o objetivo de aumentar o valor do fundo.

“O Congresso está brincando de criar recursos públicos para financiar campanha eleitoral. Do ponto de vista das contas públicas é um horror, é um faz de conta. O relator mudou hoje o relatório, nós precisamos conhecer o relatório”, criticou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

 

Argumento. Já o relator Armando Monteiro argumentou que a medida é uma saída para a “criminalização da política”. “Há que se ter neste momento coragem para enfrentar esta questão. Os países mais desenvolvidos usam recursos públicos para gastos de campanhas”, disse o senador. “Ou aprovamos o projeto ou vamos para uma espécie de vale-tudo em que a atividade política será criminalizada mais uma vez.”

Entre outros pontos, o texto sugere que o volume de recursos será gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Além disso, são as Executivas de cada partido que definirão como as legendas vão usar os recursos, ou seja, o controle ficará com caciques partidários.

 

Plenário. Senadores demonstram posição na votação simbólica que aprovou Fundo Especial de Financiamento de Campanha

 

Discordância

“É um cheque em branco, eu desafio o relator a dizer qual é o teto do fundo para financiamento de campanha.”

Ronaldo Caiado (DEM-RJ)

SENADOR

 

“Os países mais desenvolvidos usam recursos públicos para gastos de campanhas.”

Armando Monteiro (PTB-PE)

SENADOR E RELATOR DA PROPOSTA

 

PONTOS-CHAVE

Câmara rejeitou vincular valor a fundo público

Proposta

Em junho, o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), propõe fundo com recursos públicos para de cerca de R$ 3,6 bilhões.

 

Rejeição

Em agosto, a Câmara rejeita vincular 0,5% da receita corrente-líquida (RCL) da União ao fundo público para campanhas eleitorais.

 

Coligações

Proposta relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR) é alterada e Casa aprova proibição de coligações em eleições proporcionais só em 2020.

 

 

 

 

 

‘Governo de esquerda ou de direita vai ser instabilidade’

Aldo Rebelo ,  ex-ministro e ex-presidente da Câmara dos deputados

 

Depois de 40 anos no PC do B, o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo assinou ontem a ficha de filiação ao PSB. Com discurso de candidato a presidente, criticou “excessos de corporações iluminadas”, em referência à Lava Jato, e pregou uma aliança ampla com partidos de centro para a sucessão de Michel Temer. A seguir trechos da entrevista exclusiva ao Estado.

 

O senhor será o candidato do PSB a presidente?

Já falaram que posso ser candidato a presidente, a senador, a vice-presidente... Embora ninguém entre num campeonato já pensando em ser vice.

 

Uma ala do PSB defende aliança com o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que prega conciliação. O sr. ajudará no diálogo?

Estou chegando agora... Alckmin não é um homem que anda destilando ressentimento.

 

Temer elege sucessor?

Não creio. A sucessão em 2018 vai fugir da polarização entre PT e PSDB. Todo mundo será terceira via. A Lava Jato se encarregou de quebrar a polaridade. O PT e o PSDB passaram por processo de desconstrução.

 

O caminho é de centro?

Tem gente que acha que o centro desapareceu. Não é verdade. O centro no Brasil é muito grande para ser descartado na governabilidade, está em vários partidos e principalmente fora dos partidos, não é um conceito ideológico. É o eleitor que não se identifica com o “anti” nada e quer solução para os problemas. É isso que as pessoas vão procurar em 2018. Um governo de esquerda ou de direita no Brasil vai ser sinônimo de instabilidade. Quem achar que vai ser uma polarização entre golpista e antigolpista, petista e antipetista, não apontará solução.

 

O PSB pode voltar a apoiar o ex-presidente Lula em 2018?

Não vejo como partir de um nome se você busca um movimento de união mais amplo na política. O PSB não pode ficar subordinado ao PT nem a nenhum partido. Tem que construir alianças sem ser parte de outro projeto partidário.

 

Ao assinar a filiação, o sr. falou que “corporações iluminadas estão tomando o lugar da política”. A quem estava se referindo?

Ao Ministério Público, ao Judiciário, à Polícia Federal, que cumprem um papel importante na luta contra corrupção, mas muitas vezes alguns integrantes extrapolam para um domínio de atribuições que não são deles. E a corporações privadas também.

 

O sr. fala da Lava Jato?

Não só da Lava Jato. Acho um absurdo terem gravado e revelado uma gravação da presidente da República. Um escândalo. Agora mesmo esses procedimentos que resultaram na prisão de um procurador e no pedido de prisão de outro.

 

O que dá força a um governo tão impopular?

Temer governa muito próximo do Congresso. E não vejo nenhuma força política disposta e lutando para substituí-lo.

 

E por que não?

Porque ninguém vê uma solução imediata.