Correio braziliense, n. 19857, 04/10/2017. Política, p. 3.

 

O jogo para barrar a denúncia

Bernardo Bittar, Ezequiel Trancoso e Rodolfo Costa

04/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Enquanto deputados discutem a permanência de tucano como relator, Temer se reúne com a base no Planalto em busca de apoio

 

 

Em um dia marcado por reuniões com deputados da base aliada no Planalto, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara começaram a analisar e discutir a segunda denúncia contra o presidente da República. Michel Temer buscava o apoio para barrar a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas o colegiado passou a maior parte do tempo debatendo a permanência de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) como relator. Michel Temer e dois de seus ministros são acusados de obstrução da Justiça e participação em organização criminosa.

Bonifácio de Andrada é criticado por conta de seu posicionamento favorável ao presidente, fato já demonstrado durante a votação da primeira denúncia contra o peemedebista, em agosto. Durante a sessão de ontem, parlamentares tucanos do grupo conhecido como “cabeças pretas” — os mais jovens da legenda — justificaram a oposição à indicação de Andrada para o cargo porque isso, segundo eles, causa “constrangimento” na sigla.

“Todo mundo sabe que o partido está dividido. Qualquer lado que fosse escolhido constrangeria o outro lado”, argumenta o deputado Fábio Sousa (PSDB-GO). “Falta sensibilidade”, acrescenta. O que não faltou entre os opositores foi bom humor. “Vai ser um parecer Jota Quest: Fácil, extremamente Bonifácio”, brinca Silvio Costa (Avante-PE).

O presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), defendeu a escolha para a relatoria do parecer, mas alertou que a situação não é definitiva, porque o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), pode optar pela troca do parlamentar. Pacheco informou que “os líderes têm prerrogativa de substituir os integrantes de seus partidos nas comissões, então pode haver, eventualmente, qualquer substituição”. Ele acredita que a votação da denúncia contra Temer e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência da República) e Eliseu Padilha (Casa Civil) deve ser apreciada na CCJ em 22 e 23 de outubro. Na Câmara dos Deputados, a oposição pretende fatiar a denúncia em três partes, uma para cada autoridade, para “fortalecer” os votos de quem é contrário ao presidente.

 

Encontros

Para enterrar a segunda denúncia, o Planalto precisa evitar que a oposição consiga 342 votos. Se isso ocorrer, a Justiça fica impedida de investigar o presidente. O governo, no entanto, tem um histórico de promessas não cumpridas na Câmara. É que, na primeira vez que ele foi acusado pela PGR, ficou de conceder cargos públicos e liberar emendas parlamentares em troca de apoio, o que ainda não fez em alguns casos.

O líder do PR na Câmara, deputado José Rocha, negou que tenha vinculado o voto na primeira denúncia contra o presidente, mas afirma que ainda tem emenda pendente. “O presidente, de fato, precisa me pagar umas emendas. Note, emendas impositivas, obrigatórias. Isso não tem nada a ver com as acusações e muito menos com compra de voto”, afirma.

A sigla, no entanto, chegou a trocar integrantes da CCJ nesta segunda votação para apoiar o presidente. Procurada pelo Correio, a assessoria do PMDB afirmou que “não existem casos de compra e venda de votos envolvendo o presidente da República”.

Ontem, Michel Temer se encontrou com 50 parlamentares ao longo do dia. O “entra e sai” ocorreu no terceiro andar do Palácio do Planalto. Nas redes sociais, Temer deixou claro que os encontros compõem uma “rotina que sempre manteve”. O diálogo, segundo ele, “é fundamental para a harmonia entre os poderes”.

Citada na lista de presenças divulgada pelo Planalto, a deputada Shéridan (PSDB-RR) declarou em rede social que “não tinha nada para falar com o presidente”, negando ter encontro marcado com Temer. O Planalto enviou nota rebatendo a parlamentar, uma vez que a presença dela estaria confirmada para uma reunião com Temer, às 20h40.