Correio braziliense, n. 19860, 07/10/2017. Política, p. 2.

 

Um veto à controvérsia

Natália Lambert

07/10/2017

 

 

Diante da controvérsia e da possibilidade de diferentes interpretações do artigo aprovado na reforma eleitoral que previa a suspensão sem autorização judicial de conteúdo de sites e redes sociais considerado difamatório, o presidente Michel Temer sancionou a lei sem o trecho. A intenção foi referendar o restante sem alterações em edição extra do Diário Oficial da União. Apesar das decisões de última hora, cumpre-se o prazo para que a maioria das mudanças seja feita nas eleições do ano que vem. A partir de agora, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passa a elaborar as resoluções baseadas na nova lei, sem qualquer garantia que restrições a notícias falsas sejam criadas.

O pedido de veto ao texto que tratava de conteúdo eleitoral na internet partiu do próprio autor da emenda, o deputado Áureo (Solidariedade-RJ), que afirma ter sido “mal interpretado”. “Minha intenção foi de impedir que os ataques de perfis falsos de criminosos pudessem prejudicar o resultado das eleições. Para isso, propus que as plataformas verificassem se os perfis utilizados para disseminar as informações eram verdadeiros ou eram os chamados ‘fakes’. O assunto é tão sério que pessoas inocentes já foram assassinadas por causa de notícias mentirosas que foram espalhadas por todo o Brasil vindas de quem se escondia atrás do anonimato”, afirmou o deputado, por meio de nota.

Em relação às críticas sobre o texto ter sido apresentado de última hora, o parlamentar esclarece que a emenda foi feita uma semana antes de ser votada em plenário e que o parágrafo contou com o apoio da maioria dos líderes partidários. O texto determinava que aplicativos ou redes sociais na internet teriam de suspender, em até 24 horas, conteúdo denunciado como “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato”. A publicação ficaria suspensa até que o provedor se certificasse da identificação pessoal do usuário que a publicou. A não ser que o TSE trate do tema por meio de resolução, a regra que valerá nas eleições é a definida pelo Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, que determina a análise de um juiz eleitoral do material antes da suspensão.

De acordo com o coordenador do curso de direito digital do Insper, Renato Opice Blum, há, de fato, um problema mundial em relação aos perfis falsos e notícias inverídicas disseminadas na internet, em especial, nas redes sociais. Entretanto, segundo o especialista, para resolver a questão, soluções erradas são tomadas. “O nosso sistema judiciário eleitoral é preparado para decidir em horas situações como essas. O processo eleitoral foi pensado desta forma. Hoje, quando se pede uma liminar, juízes, que estão de plantão 24 horas, decidem rapidamente sobre um conteúdo a ser retirado ou não”, afirma.

O advogado pondera, entretanto, que o problema está na falta de um canal mais rápido para a retirada da ofensa do ar. “A parte de entregar a decisão do juiz e a aplicação dela pelos provedores é que demora. Isso que deveria ter sido regulamentado. Tudo daria certo se as duas pontas conversassem”, diz Opice Blum. O especialista comenta que a intenção do artigo pode até ter sido boa, mas como em tempos eleitorais é mais complicado separar o que é ofensa, é melhor que um juiz decida. “Momento eleitoral é mais dinâmico, as críticas são mais diretas, contundentes e ácidas. É mais difícil identificar o que é ofensa, o que é mentira ou não”, pondera Blum.

Liberdade

O relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), Edison Lanza, reconhece que a disseminação de notícias falsas é um problema inegável, que tem potencial para prejudicar pessoas, mas a resposta que o Brasil buscou foi contraproducente. Segundo ele, o debate deveria ter sido levado à população. “Esse tipo de mudança tem de ser feita de maneira multiparticipativa, com jornalistas, empresas, entidades da sociedade civil, políticos e não da forma como foi feita”, afirma.

Lanza conta que, em março deste ano, a OEA, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) publicaram uma declaração na qual expressavam a preocupação com a propagação das mentiras na internet e a contribuição delas para o descrédito da profissão do jornalista. “Como signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o país não poderia aceitar um texto tão amplo e vago. Não se pode abrir brechas para a restrição da liberdade de expressão baseado em conceitos ambíguos e incompatíveis com decisões internacionais”, comenta.

Liberdade definida
O artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos define os critérios para a liberdade de pensamento e expressão e lista situações em que ela pode ser cerzida. De acordo com o segundo parágrafo, o exercício “não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”.