Correio braziliense, n. 19860, 07/10/2017. Política, p. 03.

 

 

Sem freio à autodoação

Natália Lambert

07/10/2017

 

 

Apesar de a reforma política ter passado meses em discussão no Congresso, o texto da nova lei eleitoral foi enviado cheio de arestas para o presidente Michel Temer aparar. Além de vetar o polêmico trecho que abria a possibilidade para censura à liberdade de expressão na internet, o chefe do Executivo consertou uma incoerência jurídica em relação à autodoação. Com a alteração, fica permitido que um candidato financie até 100% da campanha com recursos próprios. Especialistas afirmam que a medida favorece os mais ricos e estimula a desigualdade entre os candidatos.

O texto que saiu da Câmara dos Deputados pretendia criar um teto para a autodoação, definindo que os candidatos a deputado poderiam usar recursos próprios até 7% do limite de gastos estabelecido para o cargo respectivo. Já os postulantes a vagas majoritárias — como presidente, senador e governador — teriam de respeitar o limite de R$ 200 mil. Para que o trecho tivesse validade, os deputados revogaram o 1º-A, do artigo 23, da lei 9.504 (veja quadro), que dizia que os candidatos poderiam usar recursos próprios até o limite de gasto estabelecido, ou seja, financiar a campanha na totalidade.

Entretanto, no Senado, os parlamentares retiraram o trecho que definia um teto para o autofinanciamento, mas mantiveram o parágrafo do artigo 23, revogado. “A medida criou um conflito jurídico, já que tirava a regra anterior e a nova. Com isso, o autofinanciamento ficaria em um limbo, que teria de ser resolvido por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral”, comenta um assessor palaciano. Com o veto ao artigo que revogava a legislação anterior, permanece o que determina a Lei nº 9.504.

A ausência de um teto para o autofinanciamento beneficia políticos como o pré-candidato à Presidência da República e atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Nas eleições de 2016, o tucano doou para a própria campanha mais de R$ 2,9 milhões, segundo dados do TSE. A reforma política limitou os valores que podem ser investidos em cada cargo. No caso da disputa à Presidência, o teto é de R$ 70 milhões. Caso o tucano tenha tal quantia para gastar nas eleições, a escolha é dele.

Pessoas físicas

A sugestão sobre o teto de um autofinanciamento foi feita pelo PT. “O texto pretendia igualar as condições de concorrência entre os candidatos. Limitar a influência da riqueza de cada um no pleito, mas, infelizmente, foi derrubada”, comenta o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP). O partido ainda estuda a possibilidade de normatizar um teto por meio de resolução no Tribunal Superior Eleitoral, mas a chance é pequena, já que a Justiça eleitoral “só regulamenta, não modifica a legislação”, segundo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que preferiu não opinar sobre o mérito da autodoação.

Em relação ao limite para doação de pessoas físicas aos candidatos, o teto permanece em 10% da renda bruta declarada. De acordo com um especialista em legislação eleitoral do TSE, que prefere não se identificar, o ideal seria que a regra geral de doação de pessoa física fosse estendida ao autofinanciamento, acrescentando o limite real de até 10 salários mínimos. “Uma decisão nesse sentido traria mais paridade entre os candidatos.”

Entenda a confusão

» A nova lei criada pelo Congresso para alterar regras eleitorais mexeu em trechos de três legislações anteriores: a
nº 9.504/97 (Lei das Eleições), a nº 9.909/95 (Código Eleitoral) e a nº 13.165/15 (Minirreforma eleitoral). As alterações feitas na Câmara e no Senado sobre o autofinanciamento nas campanhas eleitorais fez com que o texto ficasse sem critérios para o assunto, o que levou à interferência do presidente Michel Temer.

» Confira o que dizia o artigo 9º da proposta da Câmara retirado pelo Senado: “Nas eleições de 2018, o candidato ao cargo de deputado federal, deputado estadual ou deputado distrital poderá usar recursos próprios em sua campanha, até o montante de 7% (sete por cento) do limite de gastos estabelecido nesta lei para o respectivo cargo. Parágrafo único. O candidato a cargo majoritário poderá utilizar recursos próprios em sua campanha até o limite de R$ 200 mil.”

» Confira o que dizia o 1º-A, do artigo 23 revogado pelos parlamentares, mas devolvido ao texto por meio do veto presidencial:“§ 1º-A O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido nesta lei para o cargo ao qual concorre.”