O Estado de São Paulo, n. 45272, 29/09/2017. Política, p.A6

 

 

Das cuecas aos contêineres

Por: Eliane Cantanhêde

Ao estourar o apartamento com os R$ 51 milhões do ex-ministro e agora presidiário Geddel Vieira Lima, a Lava Jato chegou a uma outra frente de investigações: essa nova forma de guardar dinheiro sujo está longe de ser exclusividade de Geddel e tende a produzir escândalos e fotos espetaculares desde já e principalmente nas eleições de 2018. Nem doleiros, nem laranjas, nem contas no exterior, nem paraísos fiscais. A moda agora é esconder dinheiro vivo em apartamentos, casas, depósitos e... contêineres.

Os investigadores esfregam as mãos diante da delação do ex-poderoso Antonio Palocci, ansiosos para ele entregar onde estaria, afinal, a dinheirama que delatores atribuem ao ex-presidente Lula. A expectativa é de que esteja não em um contêiner só, mas em contêineres, no plural, nos países em que Lula atuava com as empreiteiras – por exemplo, na África e na América Latina. Lembram dos dólares bolivarianos dando sopa por aí? Sem contar o que pode estar em solo nacional, muito além das aplicações de R$ 9 milhões do ex-presidente que têm origem clara e legal.

Segundo Marcelo Odebrecht e o próprio Palocci, era o ex-ministro, e só o ex-ministro, quem gerenciava os milhões da conta pessoal do “Amigo” Lula, cuidando da contabilidade de entradas e saídas, das retiradas em dinheiro vivo, dos envios até Lula. Quando os também ex-ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo tentaram entrar na operação, Marcelo rechaçou. Quem metia a mão no dinheiro de Lula era Palocci, hoje o principal algoz do chefe.

A primeira impressão, quando surgiu o inacreditável bunker de Geddel, foi a de que se tratava de uma mania individual e patológica de roubar e amontoar dinheiro num apartamento usado especificamente para esse fim. Depois, foi ficando claro que a fortuna não era só de Geddel, como a prática não ficava restrita a ele, sua família e o PMDB.

Os corruptos e corruptores começaram a se sentir encurralados pelos vários e efetivos acordos entre a PF e o MP com seus correspondentes na Suíça, no Uruguai, nos EUA... e isso piorou com as novas regras de transparência na Europa para depósitos de estrangeiros. O dinheiro sujo ficou facilmente rastreável, não é, Eduardo Cunha? Ele dizia que nunca teve conta no exterior. A Suíça dizia que tinha e comprovou com contas e extratos. A mentira ruiu, a carreira política de Cunha também.

Além disso, os principais operadores estão presos, a começar por Marcos Valério, Alberto Youssef e Lúcio Funaro, e os outros andam de barbas de molho. Quem vai lavar o dinheiro? Enviá-lo para o exterior? Servir de laranja? Daí porque a PF acha que a descoberta dos R$ 51 milhões de Geddel é um veio de ouro. Basta procurar para achar outros apartamentos, depósitos e contêineres que seus donos julgam mais seguros do que operações obsoletas, malas e cuecas. Só questão de tempo.

A maior festa de novos “apartamentos do Geddel”, porém, deverá ser em 2018. As campanhas continuam pela hora da morte, mas as fontes tradicionais (empreiteiras, JBS...) secam, as regras estão mais rígidas e a PF e o MP estão na espreita. Sem falar que os vizinhos, como no caso de Geddel, estão na onda de denunciar movimentos suspeitos. Coitados dos corruptos. A vida deles está cada dia mais difícil.

 

Dobradinhas. Gilmar e Marco Aurélio, PT e PSDB... São curiosas as alianças contra a decisão do STF de prender Aécio Neves sem prender, inventando a figura da prisão preventiva domiciliar, como diz Marco Aurélio. Além das dúvidas jurídicas, há o sentido de autopreservação no Congresso: hoje é Aécio, amanhã pode ser qualquer um. Os senadores deram um tempo ao STF: ou o plenário da Corte derruba a decisão, ou o plenário do Senado vai fazê-lo.

(...)

 

 

 

 

Escolha de relator de nova denúncia reabre crise tucana

Contrariando pedido do PSDB, que queria evitar nova divisão no partido, presidente da CCJ nomeia o aecista Bonifácio de Andrada

Por: Daiene Cardoso / Igor Gadelha

 

Daiene Cardoso

Igor Gadelha / BRASÍLIA

 

Em um movimento que agradou à base governista, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Rodri g o Pacheco (PMDB-MG), escolheu um aliado do senador Aécio Neves (PSDB-MG), o tucano Bonifácio de Andrada (MG), para relatar a denúncia contra o presidente Michel Temer e seus ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil). A escolha reabriu a crise no PSDB.

Pacheco ignorou os apelos do líder do PSDB, Ricardo Trípoli (SP), para que, desta vez, não escolhesse um tucano para a missão. Na primeira denúncia, o relatório que livrou o presidente foi produzido pelo de- putado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e a bancada ficou dividida no plenário. Dos 47 deputados, 22 foram contra o prosseguimento da denúncia, 21 a favor e quatro se ausentaram.

Nos bastidores, parlamentares avaliam que a indicação de Bonifácio faz parte de uma operação casada para salvar o mandato de Aécio e segurar a nova denúncia. O parlamentar mineiro, que pertence à família do patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, foi um dos deputados que ajudaram a segurar a primeira denúncia contra Temer por corrupção passiva, rejeitada em agosto pela Câmara dos Deputados.

A crise no PSDB volta à tona especialmente entre a ala paulista e a mineira. Enquanto os paulistas não fizeram esforço para preservar Temer, os mineiros ajudaram a barrar a primeira denúncia. Trípoli não descarta a possibilidade de tirar Bonifácio da CCJ, o que obrigaria Pacheco a redistribuir a relatoria para outro membro da comissão.

 

Experiência. No anúncio, Pacheco disse que Bonifácio está “acima” das questões internas do PSDB. “Tenho certeza de que o PSDB haverá de ficar contente com a decisão”, afirmou.

O peemedebista também minimizou o fato de Bonifácio ter votado a favor de Temer na primeira denúncia. “É uma nova realidade e confio muito na decência e na experiência do deputado Bonifácio”, declarou o presidente da CCJ.

Ontem, o Palácio do Planalto evitou manifestações a respeito da escolha de Bonifácio. O discurso oficial segue a linha da primeira denúncia, de que espera que seja apresentado um relatório “técnico”, favorável a Temer, com pedido de arquivamento de denúncia.

Interlocutores do presidente, no entanto, avisam que, caso a opção seja por relatório “político”, contrário a Temer, um dos aliados governistas na CCJ será convocado a apresentar um relatório paralelo, repetindo o trâmite anterior.

 

Perfil. Suplente na CCJ, Bonifácio não votou no colegiado, mas fez questão de se posicionar contra a primeira denúncia por corrupção passiva durante a fase de debates. Na ocasião, o tucano criticou o uso das gravações do empresário Joesley Batista como peça-chave da acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Não sou a favor da admissibilidade. Não por razões políticas, mas puramente por razões de ordem jurídica. Não há base para andamento do processo”, disse na comissão. Em 2 de agosto, dia da votação da denúncia no plenário, o deputado tucano votou com o governo “em favor das instituições e do progresso do Brasil”.

O tucano tem 87 anos, é jornalista, advogado, professor de Direito Constitucional e cientista político. Ligado ao grupo de Aécio, o parlamentar está no seu décimo mandato, tem atuação discreta na Casa, mas é visto como uma espécie de “reserva moral” da bancada. Embora não tenha a intenção de disputar a reeleição, Bonifácio prepara seus filhos para a próxima eleição. A avaliação é de que qualquer deslize no relatório sobre a segunda denúncia poderia respingar sobre as candidaturas de Lafayette e Antonio Andrada.

“Temos muita convicção de que é um nome que preserva a comissão, que dá o tom necessário que nós precisávamos para a seriedade e necessidade de demonstração de imparcialidade na condução desse trabalho”, justificou o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), ao anunciar seu escolhido.

Na primeira denúncia, Pacheco indicou Sérgio Zveiter (exPMDB e hoje Podemos-RJ), de perfil mais alinhado com a oposição. Em seu relatório, Zveiter afirmou que a acusação da Procuradoria não era “fantasiosa”, como defende Temer, e deveria ser investigada. Agora, o peemedebista optou por um relator mais palatável ao Palácio do Planalto. “Nada melhor que alguém do PSDB, que vai convencer seus pares de que é importante votar contra a denúncia porque ela é inócua”, disse o vice-líder do governo, Beto Mansur (PRB-SP). / COLABORARAM TÂNIA MONTEIRO E CARLA ARAÚJO

 

PSDB. Bonifácio de Andrada é ligado a grupo de Aécio

 

 

Posição

“Não sou a favor da admissibilidade (...) por razões de ordem jurídica. Não há base para andamento do processo.”

Bonifácio de Andrada (PSDB-MG)

DEPUTADO, DURANTE DISCUSSÃO SOBRE A PRIMEIRA DENÚNCIA; BONIFÁCIO É O RELATOR DA SEGUNDA ACUSAÇÃO

 

 

 

 

 

Temer tem a pior aprovação desde Sarney

Avaliação do governo caiu de 5% para 3% entre julho e setembro; 89% dos entrevistados desaprovam o presidente
Por: Renan Truffi / Igor Gadelha

 

Renan Truffi

Igor Gadelha / BRASÍLIA

 

A popularidade do governo do presidente Michel Temer caiu, mais uma vez, entre julho e setembro deste ano e atingiu o nível mais baixo da série histórica, de acordo com pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada ontem. É a pior avaliação desde a redemocratização do País. De acordo com a pesquisa, a aprovação do gover- no caiu de 5% para 3% nos últimos dois meses. A pior marca registrada na série histórica até então havia sido do governo do ex-presidente José Sarney (PMDB) entre junho e julho de 1889, quando a popularidade de sua gestão foi de 7%.

Temer superou também o final do governo Collor, que registrou 12% em agosto de 1992, e o segundo mandato da presidente cassada Dilma Rousseff (PT), que teve 9% entre junho e dezembro de 2015.

A avaliação negativa do governo também aumentou, passando de 70% para 77%, entre julho e setembro. No pior período do governo Sarney, a avaliação negativa foi de 64%. Com Collor, 59% em agosto de 1992 e 70% no governo Dilma, no final de 2015.

A aprovação pessoal de Temer também piorou. Na pesquisa, 89% dos entrevistados disseram desaprovar a maneira dele governar. Em julho, esse porcentual era de 83%. Já os brasileiros que aprovam caíram de 11% para 7% de julho para setembro. Outros 4% não sabem ou não responderam essa questão.

 

Confiança. A confiança da população no presidente também diminuiu nesse levantamento. Agora, apenas 6% dos entrevistados disseram confiar em Temer. Em julho, este número era de 10%. Ao mesmo tempo, o porcentual dos que não confiam no presidente aumentou de 87% para 92%. Outros 2% não sabem ou não responderam.

Sobre as perspectivas em rela- ção ao restante do governo, a situação também piorou. Em julho, 65% pensavam que o governo permaneceria como ruim ou péssimo, agora este número chegou a 72%.

Os que acreditavam que o governo seria ótimo ou bom caiu de 9% para 6%. Já o número dos que classificam o governo de regular caiu de 22% para 17%. Outros 5% não souberam ou não responderam.

A pesquisa foi realizada de 15 a 20 de setembro. O levantamento ouviu 2 mil pessoas em 126 municípios. A margem de erro estimada é de 2 pontos porcentuais para mais ou menos sobre os resultados encontrados no total da amostra. O nível de confiança utilizado na pesquisa é de 95%.

 

Parâmetro

A parcela da população que considera que o governo Temer é pior do que o da petista aumentou de 52% para 59%.

 

 

 

 

A escalada da impopularidade

Por: Daniel Bramatti

 

Daniel Bramatti

 

Assim como países vivem bons e maus momentos, e o humor da população melhora e piora, as taxas de apoio e desaprovação aos governos têm altos e baixos. Foi assim com todos os presidentes desde a posse de José Sarney, em 1985, até a queda de Dilma Rousseff, em 2016, segundo a série histórica das pesquisas CNI/Ibope. A gestão Temer, porém, apresenta uma peculiaridade: seu gráfico de avaliação “ruim/péssimo” mostra uma linha contínua, que não para de subir. É difícil que a tendência se mantenha, mesmo que o governo não mude – pelo simples fato de que não há unanimidade em política.