O Estado de São Paulo, n. 45272, 29/09/2017. Política, p.A8

 

 

Glaucos quer provar visitas em hospítal

Dono de imóvel usado por Lula diz ter assinado de uma só vez recibos retroativos de aluguéis levados por advogado no Sírio-Libanês, em SP

Por: Julia Affonso / Luiz Vassallo / Ricardo Brandt / Gilberto Amendola

 

Julia Affonso

Luiz Vassallo

Ricardo Brandt

Gilberto Amendola

 

A defesa do engenheiro Glaucos da Costamarques quer pedir ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o registro de entrada do advogado de Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, e do contador João Muniz Leite. Costamarques diz ter assinado no hospital, em novembro de 2015, recibos retroativos referentes ao aluguel de apartamento utilizado por Lula.

A defesa do engenheiro Glaucos da Costamarques pediu ontem ao juiz Sérgio Moro que o hospital Sírio-Libanês seja intimado a entregar registros das visitas feitas pelo advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, e pelo contador João Muniz Leite em novembro de 2015. O objetivo é comprovar que os dois estiveram no local na ocasião em que o engenheiro disse ter recebido deles, e assinado, recibos retroativos a 2011 referentes ao aluguel de um apartamento duplex em São Bernardo do Campo usado por Lula.

A tentativa, no entanto, ficará restrita aos registros escritos de entrada e saída de visitantes. Ontem, o hospital informou em nota que as imagens geradas pelo sistema interno de vigilância “são apagadas automaticamente após 15 dias, salvo solicitação oficial para arquivamento no decorrer desse período”.

O apartamento, usado pelo ex-presidente, é um dos alicerces de uma das sete denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal no Paraná contra o petista, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Segundo os procuradores, o imóvel teria sido adquirido pela Odebrecht em 2010, por meio de Costamarques – apontado como “laranja” no negócio – como forma de pagamento de propina a Lula. A força-tarefa da Lava Jato afirma que não houve pagamento de aluguel a Costamarques entre fevereiro de 2011 e novembro de 2015.

Em depoimento a Moro, o engenheiro disse que comprou o imóvel em agosto de 2010 a pedido de seu primo, José Carlos Bumlai, pecuarista que é amigo pessoal de Lula. O objetivo, segundo ele, era fazer com que o apartamento continuasse sendo utilizado pela família do petista. O imóvel, vizinho à unidade onde Lula mora, é ocupado por ele desde antes de assumir a Presidência. O aluguel, no início, era pago pelo PT e, enquanto Lula foi presidente, pela Presidência da República, de acordo com o engenheiro.

 

Pagamentos. No depoimento, Costamarques disse que entre 2011 e 2015 não recebeu pelos aluguéis, informação que confirmou ao Estado. O engenheiro afirmou que passou a receber os pagamentos após a visita de Teixeira no hospital.

“O Roberto Teixeira esteve lá no hospital me falando: ‘Olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel pra você’. Começaram a pagar”, relatou Costamarques. Os pagamentos, segundo ele, foram feitos em depósitos não identificados em sua conta no banco Santander.

Moro quis saber se Teixeira deu alguma explicação para o pagamento começar a ser feito mais de quatro anos depois do início da vigência do contrato. Costamarques disse que não, mas, segundo ele, a visita do advogado ocorreu logo após a prisão de Bumlai.

“Eu entrei no dia 22 de novembro no hospital. Dia 24 ele foi preso. Eu lembro da data por causa do hospital. E ele esteve lá no hospital no fim do mês de novembro”, disse o engenheiro. Ele sustenta que os comprovantes retroativos foram assinados de uma só vez naquele dia.

Em março de 2016, quando Lula foi alvo da 24.ª fase da Lava Jato, a Polícia Federal encontrou em seu apartamento um manuscrito sobre o aluguel do apartamento. A anotação foi feita em um papel timbrado do escritório de Teixeira, Teixeira & Martins Advogados, responsável pela defesa do petista. Nele, há o nome Glaucos da Costamarques, o número de seu CPF e abaixo: “Aluguel R$ 12X3.500,00 R$ 42.000,00”.

Recibos. O valor é semelhante aos que constam nos recibos entregues na segunda-feira passada pela defesa de Lula à Justiça Federal para comprovar o pagamento dos aluguéis. Foram apresentados 26 comprovantes referentes a pagamentos no período entre agosto de 2011 e novembro de 2015. Dois recibos, no entanto, têm datas que não existem no calendário: 31 de junho e 31 de novembro.

Ontem, o advogado de defesa do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, divulgou nota em que afirma que juntou aos autos o contrato de locação firmado entre Costamarques e a mulher de Lula, Marisa Letícia, que morreu em fevereiro, além de recibos de pagamento de aluguéis relativos a esse contrato. “Os recibos dão quitação em relação aos aluguéis até dezembro de 2015. Não há qualquer questionamento em relação às assinaturas que constam no documento. A quitação é a prova mais completa de pagamento, de acordo com a lei”, afirma o comunicado de Zanin.

Segundo o advogado, se houver qualquer dúvida em relação aos recibos, eles poderão ser submetidos a uma prova pericial. “A defesa do ex-presidente Lula tem absoluta tranquilidade de que os documentos guardados por dona Marisa revelam a expressão da verdade dos fatos”, afirmou na nota.

Ainda segundo Zanin, “em nenhum outro documento encaminhado pelo sr. Glaucos a dona Marisa consta o registro de débitos em relação a aluguéis, confirmando a quitação declarada nos recibos”. De acordo com o advogado, “a ação passou a ter como único foco uma relação privada de locação”.

A reportagem não conseguiu contato nem com o advogado Roberto Teixeira nem com o contador João Muniz Leite.

 

Perícia. No vídeo, Zanin também falou sobre dois recibos que têm datas inexistentes. “Pequenos erros em dois dos 26 recibos apresentados não retiram a força probatória dos documentos até porque são justificáveis. No recibo de agosto de 2014 é feita referência à data de 31 de junho de 2014 quando claramente buscou-se fazer referência à data de 31 de julho de 2014.” Segundo ele, “a responsabilidade pelo documento é de quem o assina”.

O advogado disse ainda que, “se houve qualquer dúvida sobre esses recibos, que seja feita uma perícia, avaliando de quem é a assinatura, de quando os documentos foram feitos, dentre outras coisas”.

 

‘Diligências’

“Foram realizadas diligências nos pertences de dona Marisa. Os recibos foram encontrados e, da mesma forma que chegaram até nós, foram apresentados.”

Cristiano Zanin Martins

ADVOGADO DE LULA

 

INVESTIGAÇÃO

O Ministério Público Federal acusa o ex-presidente Lula de receber propina da Odebrecht por meio do aluguel do apartamento vizinho ao do petista em São Bernardo do Campo

 

Aquisição

Segundo a denúncia, o proprietário do imóvel, Glaucos da Costamarques, comprou, com dinheiro da Odebrecht, o apartamento em 2010. Costamarques, que é primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, teria sido “laranja” na transação imobiliária

 

Aluguel Lula

alugava o imóvel desde que chegou à Presidência – o apartamento era utilizado para abrigar os seguranças do petista. Quando Lula deixou o cargo, em 2011, continuou a ocupar o imóvel

 

Sequestro

Ao ordenar o sequestro do imóvel, em dezembro de 2016, o juiz Sérgio Moro afirmou que “não há prova documental do pagamento de aluguéis entre 2011 a 2015 e que Costamarques apresentou versões contraditórias sobre o recebimento dos aluguéis”

 

O que diz Costamarques

Em 6 de setembro, afirmou a Moro que não recebeu pelo aluguel do apartamento. Disse, no entanto, que passou a receber em 2015 – ele afirmou ter sido procurado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, no hospital para assinar os recibos

 

Recibos

Nesta semana, a defesa de Lula entregou recibos a Moro que comprovariam o pagamento do aluguel; no entanto, dois deles têm datas que não existem, 31 de junho e 31 de novembro

 

O que diz Lula

O petista afirmou a Moro, no dia 13, que a ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro) era responsável pelo pagamento do aluguel do apartamento. Ontem, o advogado Cristiano Zanin Martins disse que os recibos foram encontrados nos “pertences” de Marisa

 

Perícia

A defesa de Lula afirmou que, “se houve qualquer dúvida sobre esses recibos, que seja feita perícia”

 

 

 

 

Recibos estavam nos ‘pertences’ de Marisa, diz defesa

Em vídeo publicado ontem em rede social, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que houve procura, “nos pertences de dona Marisa”, dos recibos de aluguel do apartamento em São Bernardo do Campo (SP). Por meio do aluguel do imóvel, segundo denúncia do Ministério Público Federal, a Odebrecht teria pago propina a Lula, que nega.

“Foram realizadas diligências por familiares e colaboradores do ex-presidente Lula nos pertences de dona Marisa, que sempre foi a locadora do imóvel. Os recibos foram encontrados e, da mesma forma que chegaram até nós, foram apresentados no processo”, afirmou Zanin no vídeo. “Acreditamos que esses recibos expressam a verdade dos fatos, pois dona Marisa sempre foi uma mulher íntegra e honesta”, disse.

 

 

 

 

PSDB ‘se encolhe’ com ‘erros de seus líderes’, afirma Franco

Economista, que deixou sigla e se filiou ao Novo, diz em carta ao ITV que legenda ‘hesita’ diante de conceitos pró-mercado

 

O economista Gustavo Franco, um dos formuladores do Plano Real, disse, sem citar nomes, que o PSDB “se encolhe diante de ‘erros’ de seus líderes” em carta na qual explica seu desligamento da legenda e a filiação ao Novo. A carta foi enviada ao Instituto Teotônio Vilela (ITV), centro de estudos e formulação política da sigla. O texto de Franco, que vai presidir a Fundação Novo, ligada à agremiação, também foi publicado em sua página do Facebook.

Na terça-feira passada, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu afastar novamente o senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos principais líderes tucanos, do exercício das funções parlamentares e colocá-lo em recolhimento noturno.

A crítica aos “erros” de líderes tucanos vem logo em seguida ao comentário de que o partido “hesita” diante das ideias pró-mercado. “E o nosso partido, como organização, ou através de alguns de seus quadros, hesita diante dessas bandeiras ou mesmo as renega e, sobretudo e mais grave, se encolhe diante de ‘erros’ de seus líderes”, escreveu.

Segundo o economista, a decisão de sair do PSDB estava “praticamente tomada” desde 18 de junho, quando o também economista Paulo Faveret, integrante do conselho consultivo do ITV do Rio, anunciou sua desfiliação. “Deixar o PSDB é uma decisão que, no meu caso, interrompe um vínculo de 28 anos (filiei-me em agosto de 1989), talvez por isso tenha sido contaminado pela hesitação, condição já crônica entre nós, infelizmente”, afirmou Franco na carta.

O economista também disse que não pode deixar de compartilhar “o orgulho e a satisfação de ter participado de tudo o que participei como filiado e como servidor em cargo público em governos tucanos”. “Deixar o PSDB, contudo, de modo algum significa abdicar da paixão que me trouxe ao partido em 1989 – a prosperidade do País a partir de um ‘choque de capitalismo’ – e menos ainda a de afastar-me do legado do Plano Real, este extraordinário empreendimento de que resultou a reconstrução da moeda nacional e em devolver ao País o futuro que havia perdido.”

Com “saudações tucanas”, Franco terminou a carta dizendo esperar “que ainda possamos caminhar juntos no bom caminho no futuro”. “Despeçome, portanto, sem queixas, esperando manter os vínculos e o cuidado com o patrimônio comum, apenas olhando para o futuro diante do qual todos somos responsáveis. Seja qual for o partido, nosso dever é com o que é certo, para começar. Sem o imperativo ético não dá para sair de casa pela manhã, quanto mais promover o crescimento e as reformas econômicas.”

 

‘Apelo’. Em agosto, em carta endereçada ao presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), Franco e outros economistas tucanos fizeram um “apelo” para que a sigla desembarcasse do governo Michel Temer e renovasse sua direção.

Na carta, Franco também falou sobre seu novo partido e disse que não tem “ambição nem interesse em concorrer a cargo público”. Segundo ele, seu campo de atuação na sigla, na qual vai atuar como dirigente, será no “campo das ideias”.

 

Ex-tucano. Franco deixa PSDB depois de 28 anos

 

‘Grave’

“E o nosso partido, como organização, ou através de alguns de seus quadros, hesita diante dessas bandeiras ou mesmo as renega e, sobretudo e mais grave, se encolhe diante de ‘erros’ de seus líderes.”