Título: Poucos amigos
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/02/2012, Mundo, p. 16

Países árabes e europeus retiram embaixadores de Damasco, onde o emissário russo é recebido com agradecimentos por vetar a condenação do regime pela ONU » Com a Síria caminhando para o isolamento diplomático, o presidente Bashar Al-Assad aproveitou a visita do chanceler russo, Serguei Lavrov, e fez novas promessas de mudanças democráticas, mas não conseguiu vencer as desconfianças de países árabes e potências ocidentais. Al-Assad acenou com um referendo sobre uma nova Constituição e convidou a oposição ao diálogo, mas forças leais a seu governo mantiveram o assalto à cidade de Homs, um dos focos de contestação. Em resposta, as monarquias do Golfo Pérsico seguiram o exemplo dos Estados Unidos e anunciaram o fechamento de suas embaixadas em Damasco, enquanto nações europeias chamaram seus embaixadores para consulta.

Lavrov foi recebido calorosamente, com centenas de partidários do regime nas ruas de Damasco agitando bandeiras dos dois países e exibindo cartazes agradecendo a Moscou pelo veto, imposto com aval também da China, a uma resolução pela qual o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenaria a violência e pediria a renúncia do presidente. Ativistas de oposição denunciaram a morte de mais 60 pessoas em Homs, apenas ontem. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ao menos 400 crianças já morreram no país desde o início da revolta, em março de 2011.

As seis monarquias árabes do Golfo — Arábia Saudita, Barein, Emirados Árabes Unidos, Omã, Catar e Kuweit — alegaram que as relações diplomáticas "se tornaram inúteis depois que o regime sírio rejeitou todas as tentativas e esforços árabes sinceros para solucionar a crise e deter o derramamento de sangue". O grupo, que forma o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), pediu a adoção de "medidas decisivas" na próxima reunião da Liga Árabe, domingo. A entidade suspendeu na semana passada uma missão de observadores na Síria, denunciando o aumento da violência. Ontem, porém, Lavrov afirmou que Damasco quer que a missão "prossiga seu trabalho e seja ampliada".

Os governos de França, Itália, Holanda e Espanha chamaram seus embaixadores na Síria para consultas, mas mantiveram as representações abertas. No sábado, a Tunísia anunciou que iniciara o processo para a expulsão do embaixador sírio em Túnis, em resposta ao massacre em Homs. Na segunda-feira, o Reino Unido convocou seu embaixador e os EUA decidiram fechar sua embaixada, por questões de segurança. O anúncio russo de que Al-Assad estaria comprometido com mudanças foi respondido com ceticismo por Washington. "Vocês compreendem por que a comunidade internacional em seu conjunto está muito cética quando vemos que ele, em vez de tentar pôr fim à violência, repete as mesmas propostas que faz há meses e meses", afirmou a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland.

Na conversa com Lavrov, segundo agências de notícias russas e a oficial síria Sana, Assad garantiu estar disposto a cooperar com esforços que visem a estabilizar seu país. O presidente se comprometeu com o chanceler a marcar data para um referendo sobre uma nova Constituição, elaborada por uma comissão designada pelo regime. A mesma promessa tinha sido feita em 10 de janeiro e a votação deveria ocorrer em março. "Tivemos um encontro muito útil. O presidente sírio garantiu, principalmente, que está inteiramente comprometido com o fim da violência, de onde quer que ela venha", declarou Lavrov. A China manifestou ontem intenção de também enviar um representante para se reunir com Al-Assad.

Bombardeios Enquanto líderes tentam dialogar, os bombardeios e confrontos continuavam nas cidades sírias. Em entrevista ao Correio, o estudante Omar Shaker (nome fictício), morador de Baba Amr, um dos bairros mais atingidos em Homs, afirmou que o local era atacado por foguetes e projéteis de tanques. "Mais de 500 obuses atingiram casas, locais de protestos e mesquitas" ,denunciou. A situação humanitária, segundo ele, beira o limite. "Não há pão, medicamentos ou qualquer suprimento alimentar", relatou, acrescentando que um hospital foi atingido pelos bombardeios e "perdemos um grande número do nosso pessoal médico".

As Nações Unidas estimam que a crise da Síria já tinha matado ao menos 5 mil pessoas. Organismos de direitos humanos e a oposição contabilizam 6 mil vítimas, inclusive 400 são crianças.

Brasil quer "firmeza" O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, voltou ontem a comentar a crise na Síria, apontou um "agravamento preocupante" da situação e sinalizou o apoio do país a alguma medida mais dura. "Não se pode passar mais tempo sem uma iniciativa firme", disse o chanceler, que aposta no envio de uma nova missão da Liga Árabe ao país, nos próximos dias, dessa vez em parceria com as Nações Unidas. Patriota conversou na última segunda-feira, por telefone, com o secretário-geral da liga, Nabil Al-Arabi.