O globo, n.30759 , 24/10/2017. PAÍS, p.3

MUDANÇA DE ENDEREÇO

JULIANA CASTRO

MARCO GRILLO

 

 

Juiz discute com Cabral, enxerga ameaça e determina transferência para presídio federal

 

Após uma audiência marcada por embates entre o juiz Marcelo Bretas e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), o magistrado determinou a transferência do peemedebista para uma penitenciária federal. Em meio a uma das discussões, Cabral afirmou que a família de Bretas mantinha negócios no ramo de bijuterias — o juiz interpretou a citação como ameaça. Ao final do depoimento, o procurador Sérgio Pinel usou a declaração do ex-governador como argumento para solicitar a mudança do local em que ele cumpre a prisão, o que foi aceito pelo magistrado.

Preso preventivamente desde novembro do ano passado, quando foi deflagrada a Operação Calicute, Cabral está detido atualmente no presídio José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte do Rio. O sistema penitenciário federal conta com quatro unidades, todas de segurança máxima: Catanduvas (PR), Porto Velho (RO), Mossoró (RN) e Campo Grande (MS) — uma cadeia em Brasília está em fase final de construção. Caberá ao Ministério da Justiça informar qual presídio tem condições de receber o ex-governador, que recorreu ontem da decisão.

Cabral respondia a um questionamento feito por Bretas e negava ter comprado joias da H. Stern para lavar dinheiro quando fez a referência que provocou a decisão do juiz. O ex-governador foi ouvido ontem em um dos 16 processos em que é réu — neste, ele é acusado de comprar os itens para lavar dinheiro recebido como propina. Ele reconhece a compra de algumas joias com dinheiro de caixa dois, mas nega ter recebido propina e ter usado o mecanismo para ocultar patrimônio.

— Não se lava dinheiro comprando joias. Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto, porque sua família mexe com bijuterias. Se eu não me engano, é a maior empresa de bijuterias do estado — afirmou Cabral.

Bretas não se estendeu no assunto imediatamente, mas, depois, no momento mais tenso da audiência, retomou o tema ao se irritar com Cabral. O bate-boca fez com que o depoimento fosse suspenso por cinco minutos.

— O senhor está querendo criar mais uma vez o discurso de injustiçado — disse Bretas, quando o ex-governador afirmou que “trabalhou pelo Estado do Rio”.

— É meu direito dizer que sou injustiçado. O senhor está encontrando em mim uma possibilidade de gerar uma projeção pessoal e me fazendo um calvário. Claramente — respondeu Cabral.

O magistrado, então, citou a referência que Cabral havia feito minutos antes.

— Não recebi com bons olhos o interesse manifestado do acusado de informar que minha família trabalha com bijuteria. Esse é o tipo de coisa que pode subliminarmente ser entendida como algum tipo de ameaça.

— Ameaça? Eu estou preso — disse Cabral.

A informação sobre a ligação da família de Bretas com o ramo de bijuterias foi publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” em setembro. A reportagem informava que o pai do juiz é dono de uma “grande loja” de bijuterias na Saara, no Centro do Rio. Cabral não citou a reportagem, mas disse que as informações haviam chegado até ele.

 

‘MUITO INUSITADO’

Ao determinar a transferência, Bretas chamou o comportamento de Cabral de “suspeito”.

— É muito inusitado que venha trazer ao juízo informação de que acompanha, talvez, a rotina da família do magistrado. Além de causar espécie, apesar de toda a rigidez que o advogado falou (do presídio em Benfica), tem acesso privilegiado a informações que talvez não devesse ter — disse Bretas.

Para o procurador Sérgio Pinel, “a prisão não tem sido suficiente para afastar o réu de informações de fora da cadeia”. O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, disse que a decisão é “arbitrária”.

— Evidente que ele (Bretas) esticou muito o conceito de que pode ser entendido como ameaça. Não teve nenhuma ameaça. E, se tivesse tido, o juízo teria tido uma outra atitude que não essa. O presídio é vigiado 24 horas — afirmou o advogado, para quem o comentário de Cabral foi “desnecessário”.

No início da audiência, Bretas já havia repreendido Cabral por ter afirmado que o magistrado era o “porta-voz” das acusações do MPF. Em outro momento, o juiz se irritou quando o ex-governador usou o termo “teatro” para se referir às ações a que responde. Cabral ainda se queixou por, segundo ele, não ser ouvido pelo juiz:

— Fiz isso (comprar joias) com dinheiro de caixa dois de campanha. Quero deixar isso bem claro, porque às vezes eu saio daqui e tenho a sensação de que o senhor não me ouviu, não me compreendeu ou não concordou.

— Eu tenho direito de não concordar — respondeu o juiz.

— E eu também tenho o direito de me defender — retrucou Cabral.