LETÍCIA FERNANDES
CAROLINA BRÍGIDO
Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a advogada-geral da União, Grace Mendonça, pede que o presidente Michel Temer dê a palavra final sobre o destino do ex-ativista italiano Cesare Battisti. Condenado à prisão perpétua na Itália, Battisti recebeu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 o direito de permanecer no Brasil. Agora, o governo Temer quer extraditá-lo. O caso será reaberto no tribunal hoje, com o julgamento de um habeas corpus em que a defesa do italiano pede que ele não seja expulso, deportado ou extraditado do Brasil.
“A par do ideário de soberania, relativamente à extradição, é assente — e inconteste — que o ato de entrega do extraditando é exclusivo, de competência indeclinável do presidente da República”, diz o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU). A defesa de Battisti alegou no processo que a decisão já foi tomada por Lula — e, agora, não poderia mais ser revista. Mas a AGU sustenta que o ato da Presidência da República pode ser revisto a qualquer momento.
As manifestações públicas do ministro da Justiça, Torquato Jardim, em prol da extradição de Battisti geraram mal-estar no Palácio do Planalto, que viu nas declarações uma tentativa de pressionar o presidente. O pedido para que ele bata o martelo sobre o caso seria, segundo interlocutores do presidente, uma reafirmação de que, em casos que envolvam a soberania nacional, Temer tem a última palavra.
A AGU também pediu, no documento, que o caso seja julgado no plenário, formado pelos 11 ministros da Corte. O julgamento do habeas corpus foi marcado para ocorrer hoje na Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros. No entanto, os ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes já declararam que o tema deve ser discutido em plenário, por se tratar de processo contra ato de presidente da República, como recomenda o Regimento Interno do tribunal.
No último dia 13, Fux concedeu liminar para garantir que Battisti permanecesse no Brasil. A liminar tem validade até o julgamento do mérito do habeas corpus.
EM 2010, PALAVRA FINAL FOI DE LULA
Em 2009, o STF decidiu que o governo brasileiro poderia extraditar Battisti. No entanto, a palavra final ficaria a cargo do presidente da República. No ano seguinte, Lula decidiu conceder permanência ao italiano no Brasil — o que, em tese, teria encerrado o caso.
Se essa discussão for levada de volta ao plenário, pode ser que o resultado seja diferente. Isso porque, nos últimos oito anos, a composição do STF mudou bastante. A decisão de 2009, que autorizou a extradição de Battisti, foi tomada por cinco votos a quatro. Daquela época, permanecem na Corte apenas quatro dos 11 ministros. Gilmar e Ricardo Lewandowski foram favoráveis à extradição. Cármen Lúcia e Marco Aurélio foram contrários. Dessa vez, ainda haveria um fato novo: a possibilidade de empate, já que serão apenas 10 julgadores, uma vez que Luís Roberto Barroso está impedido de participar do eventual julgamento.
Na decisão do dia 13, Fux destacou que o tribunal legitimou o ato do presidente Lula de dar a Battisti o direito de permanecer no Brasil. Agora, o tribunal teria que decidir se esse ato é passível de revisão. “Há que se verificar a possibilidade, ou não, de o atual presidente da República suplantar decisão presidencial anterior, no afã de atender ao pedido do Estado requerente”, escreveu.
Depois que uma reportagem do GLOBO revelou a intenção do governo brasileiro de mandar Battisti de volta para a Itália, a defesa do ex-ativista entrou com o pedido de habeas corpus no STF no dia 27 de setembro para impedir que ele seja expulso, extraditado ou deportado.
O italiano foi preso em Corumbá no último dia 4 tentando deixar o país rumo à Bolívia supostamente para evitar ser extraditado. Segundo a Justiça Federal, havia indícios “robustos” da prática dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região determinou a libertação do italiano. No entanto, foi imposta a ele a obrigação de comparecer mensalmente à Justiça para comprovar residência e justificar atividades. Ele também ficou impedido de deixar a cidade onde mora, no interior de São Paulo.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália e, em 2004, fugiu para o Brasil para não cumprir a pena. Em 2007, foi preso para responder ao processo de extradição movido pela Itália.