O globo, n.30759 , 24/10/2017. PAÍS, p.6

Temer quer dar palavra final sobre Battisti

LETÍCIA FERNANDES

CAROLINA BRÍGIDO

 

 

Governo pede ainda que caso seja julgado pelo plenário do STF, que discute hoje se extradição pode ocorrer

Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a advogada-geral da União, Grace Mendonça, pede que o presidente Michel Temer dê a palavra final sobre o destino do ex-ativista italiano Cesare Battisti. Condenado à prisão perpétua na Itália, Battisti recebeu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 o direito de permanecer no Brasil. Agora, o governo Temer quer extraditá-lo. O caso será reaberto no tribunal hoje, com o julgamento de um habeas corpus em que a defesa do italiano pede que ele não seja expulso, deportado ou extraditado do Brasil.

“A par do ideário de soberania, relativamente à extradição, é assente — e inconteste — que o ato de entrega do extraditando é exclusivo, de competência indeclinável do presidente da República”, diz o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU). A defesa de Battisti alegou no processo que a decisão já foi tomada por Lula — e, agora, não poderia mais ser revista. Mas a AGU sustenta que o ato da Presidência da República pode ser revisto a qualquer momento.

As manifestações públicas do ministro da Justiça, Torquato Jardim, em prol da extradição de Battisti geraram mal-estar no Palácio do Planalto, que viu nas declarações uma tentativa de pressionar o presidente. O pedido para que ele bata o martelo sobre o caso seria, segundo interlocutores do presidente, uma reafirmação de que, em casos que envolvam a soberania nacional, Temer tem a última palavra.

A AGU também pediu, no documento, que o caso seja julgado no plenário, formado pelos 11 ministros da Corte. O julgamento do habeas corpus foi marcado para ocorrer hoje na Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros. No entanto, os ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes já declararam que o tema deve ser discutido em plenário, por se tratar de processo contra ato de presidente da República, como recomenda o Regimento Interno do tribunal.

No último dia 13, Fux concedeu liminar para garantir que Battisti permanecesse no Brasil. A liminar tem validade até o julgamento do mérito do habeas corpus.

 

EM 2010, PALAVRA FINAL FOI DE LULA

Em 2009, o STF decidiu que o governo brasileiro poderia extraditar Battisti. No entanto, a palavra final ficaria a cargo do presidente da República. No ano seguinte, Lula decidiu conceder permanência ao italiano no Brasil — o que, em tese, teria encerrado o caso.

Se essa discussão for levada de volta ao plenário, pode ser que o resultado seja diferente. Isso porque, nos últimos oito anos, a composição do STF mudou bastante. A decisão de 2009, que autorizou a extradição de Battisti, foi tomada por cinco votos a quatro. Daquela época, permanecem na Corte apenas quatro dos 11 ministros. Gilmar e Ricardo Lewandowski foram favoráveis à extradição. Cármen Lúcia e Marco Aurélio foram contrários. Dessa vez, ainda haveria um fato novo: a possibilidade de empate, já que serão apenas 10 julgadores, uma vez que Luís Roberto Barroso está impedido de participar do eventual julgamento.

Na decisão do dia 13, Fux destacou que o tribunal legitimou o ato do presidente Lula de dar a Battisti o direito de permanecer no Brasil. Agora, o tribunal teria que decidir se esse ato é passível de revisão. “Há que se verificar a possibilidade, ou não, de o atual presidente da República suplantar decisão presidencial anterior, no afã de atender ao pedido do Estado requerente”, escreveu.

Depois que uma reportagem do GLOBO revelou a intenção do governo brasileiro de mandar Battisti de volta para a Itália, a defesa do ex-ativista entrou com o pedido de habeas corpus no STF no dia 27 de setembro para impedir que ele seja expulso, extraditado ou deportado.

O italiano foi preso em Corumbá no último dia 4 tentando deixar o país rumo à Bolívia supostamente para evitar ser extraditado. Segundo a Justiça Federal, havia indícios “robustos” da prática dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região determinou a libertação do italiano. No entanto, foi imposta a ele a obrigação de comparecer mensalmente à Justiça para comprovar residência e justificar atividades. Ele também ficou impedido de deixar a cidade onde mora, no interior de São Paulo.

Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália e, em 2004, fugiu para o Brasil para não cumprir a pena. Em 2007, foi preso para responder ao processo de extradição movido pela Itália.