O globo, n.30759 , 24/10/2017. ECONOMIA, p.17

ARSENAL CONTRA ESTIAGEM

 RAMONA ORDOÑEZ

MANOEL VENTURA

 

 

Com pouca chuva, governo antecipa entrada de mais energia de Belo Monte e importa da Argentina

Com o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas em patamar inferior ao de 2001, ano do racionamento, o governo precisou lançar mão de um arsenal de medidas para garantir o fornecimento de energia durante a estiagem. Nesta semana, o país começará a importar energia da Argentina.

As usinas termelétricas, que têm custo de geração maior, operam a plena carga, e a entrada, no sistema, de mais energia gerada pela usina de Belo Monte foi antecipada de março de 2018 para janeiro. Além do reforço na produção, as distribuidoras pretendem lançar, em novembro, uma campanha para estimular o consumo racional. Com esse esforço concentrado, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Fernando Barata, garantiu ao GLOBO que não há risco de desabastecimento de energia.

Confirmadas as expectativas do órgão, 2017 terá o outubro com menor nível nas barragens desde o início da série histórica do órgão, em 2000. Segundo Barata, como o período de chuvas só deve começar em meados de novembro, a expectativa é que o país chegue ao próximo mês a um nível de 15% nos reservatórios do Sudeste.

— Não está em risco o abastecimento, mas a gestão tem de ser feita dia a dia. Vamos chegar ao fim de novembro em níveis realmente baixos dos reservatórios no Sudeste, onde se concentra a nossa “caixa d’água”, o nosso grande estoque de energia. E, por causa disso, é que estão sendo adotadas uma série de providências — explicou.

 

CAMPANHA DE CONSUMO CONSCIENTE

O Ministério de Minas e Energia (MME) também reforça que não há risco de racionamento:

— A previsão é de baixo nível de armazenamento para os subsistemas do Sistema Interligado Nacional (SIN) e para os principais reservatórios. Apesar desse cenário, não há risco de desabastecimento de energia no país — garantiu o secretário de Energia Elétrica do MME, Fábio Lopes.

O governo precisou acionar o parque termelétrico, que inclui usinas a gás, óleo e carvão, para garantir o suprimento. O problema é que, além de mais poluentes, essas usinas são mais caras. Se o uso destas fontes e o aumento da produção de energia eólica, principalmente no Nordeste, evitaram o risco de faltar luz, a conta da estiagem já chegou ao consumidor. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precisou acionar, pela primeira vez, em outubro, a bandeira vermelha no patamar 2 — a taxa extra máxima, que significa um adicional de R$ 3,50 a cada cem quilowatts-hora (kWh) de energia consumidos. A expectativa é que, em novembro, a bandeira continue no nível máximo.

— Deixamos claro que há um aumento do custo da operação no sistema. Isso se reflete no custo da energia e das tarifas — resumiu Barata, do ONS.

O diretor-geral do ONS explicou que o Brasil pretende iniciar nesta semana a importação de mil megawatts (MW) da Argentina. O país já vinha comprando energia do Uruguai, num volume entre 450 e 500 megawatts (MW), a preços compatíveis aos da geração de energia termelétrica, por um preço médio que varia entre R$ 585 a R$ 620 o megawatt-hora (MWh). Além disso, há planos para retomar a geração da usina termelétrica de Araucária, de 373 MW, no Paraná, e da usina de Cuiabá.

Segundo a consultoria Thymos Energia, no último dia 17, o nível médio dos reservatórios era de 20% contra 34% no mesmo dia em 2015 e 26,5% em 2014, anos em que o país enfrentou forte estiagem. Mesmo em 2001, ano do racionamento, os reservatórios estavam em patamar superior: 23%.

— A situação está crítica. Não vai se tomar qualquer decisão sobre um racionamento até o fim do período de chuvas, em abril, mas diria que estamos mais perto do que ontem. Por isso, estão adotando ações como campanha para redução do consumo. Teria que chover muito mesmo para recuperar o nível dos reservatórios — destacou João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia.

A capacidade de geração de energia foi aumentada em 3.989 megawatts este ano. Junto com as distribuidoras, a Aneel prepara uma campanha publicitária, que começará a ser veiculada em novembro, para incentivar o consumo consciente. A última medida do tipo foi tomada em 2015.

— Além das medidas alternativas já anunciadas, o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) marcou reunião extraordinária nesta semana, quando as condições do atendimento serão avaliadas, de modo a acompanhar o andamento das medidas que contribuirão para o aumento da segurança do atendimento eletroenergético e avaliar a necessidade de medidas adicionais — disse o secretário de Energia Elétrica.

Outro reforço importante é a antecipação para janeiro do recebimento de mais energia gerada pela usina de Belo Monte. A previsão anterior era março do próximo ano. Isso será possível com a entrada em operação da primeira linha de transmissão (bipolo) de corrente contínua de 4 mil MW. Há expectativa ainda de receber 5 mil MW das usinas de Santo Antonio e Jirau.

De acordo com Barata, porém, apesar de todas as previsões de aumento da capacidade de geração por meio de hidrelétricas e importação de energia, ainda não dá para prever quando será possível desligar as usinas termelétricas, que hoje respondem por 23,5% da geração total de energia no país. Atualmente, a eólica representa quase 9%, e as hidrelétricas são responsáveis por 63% do abastecimento. No Nordeste, a eólica responde por 45% do total.

— As condições climáticas foram muito adversas este ano, então é possível que a gente continue com a geração termelétrica mesmo no período chuvoso. O consumo está crescendo porque alguns segmentos da economia já estão respondendo de fato. Outro elemento que contribui para aumentar o consumo é a previsão de elevação das temperaturas — disse Barata.

Os reservatórios têm baixas históricas em todo o país. Uma das maiores barragens em volume de água da América Latina, o lago da Serra da Mesa, vive a maior crise dos últimos 15 anos. Desde o início da obra, em 1998, é o pior momento da represa, que fica em Uruaçu, no norte de Goiás. De acordo com os registros do ONS, o nível da água chegou a 6,64% ontem.

O ritmo de esvaziamento do lago da Represa de Furnas, no sul de Minas Gerais, preocupa. A barragem da hidrelétrica está com 13,33%, pior desempenho para este período do ano registrado em toda a série histórica da Agência Nacional de Águas (ANA), iniciada em 1997. Nos caso dos dois reservatórios (Serra da Mesa e Furnas), o baixo volume armazenado afeta atividades de comércio e turismo nas regiões onde estão localizadas, além de prejudicar a geração de energia.

A situação é ainda mais crítica no Nordeste, onde a ANA diz que os reservatórios passam pela pior crise da história e devem fechar o mês com apenas 3,9% da capacidade. A previsão é que o lago de Sobradinho, na Bahia, chegará ao volume morto pela primeira vez desde a sua construção, na década de 1970, em dezembro.

— As chuvas estão atrasadas, e a hidrelétrica vai parar assim que chegar ao volume morto, o que estamos prevendo para acontecer em dezembro — afirmou Joaquim Gondim, superintendente de Operações e Eventos Críticos da ANA.

Maior lago artificial do Brasil, Sobradinho está com 3,49% da capacidade e é considerado fundamental para o abastecimento dos moradores da região. Apesar de chegar ao volume morto, o que obriga a parada total da hidrelétrica, as comportas continuam abertas para que os moradores sejam atendidos.

 

 

ANEEL DEVE REAJUSTAR BANDEIRAS

 

Diante do cenário crítico, a Aneel deve discutir novos valores para os patamares de preços das bandeiras. A conta desse sistema em 2017 está deficitária, informou o diretor da agência Tiago Correia. Ou seja, o valor arrecadado com o modelo, que aplica uma taxa extra nas contas de luz, não está sendo suficiente para cobrir a alta no custo da geração de energia provocada pelo uso mais intenso das termelétricas. A tendência é a Aneel revisar para cima os patamares das bandeiras. Hoje, o sistema conta com quatro patamares: verde, amarelo, vermelho 1 e vermelho 2, que aplicam nas contas de luz cobrança extra que varia de R$ 2 a R$ 3,50 a cada 100 kWh de energia consumidos.

A agência discute fazer uma mudança técnica na forma como as bandeiras são acionadas, conforme antecipou O GLOBO em fevereiro. Atualmente, o acionamento do sistema é muito sensível aos preços da energia cobrados no mercado de curto prazo e à previsão das chuvas para as semanas seguintes. A intenção é deixá-lo mais suscetível ao nível dos reservatórios — que levam o governo a acionar mais termelétricas — e, assim, dar um sinal mais claro ao consumidor sobre o real custo da bandeira. Correia, da Aneel, quer implementar a mudança já em novembro.