O Estado de São Paulo, n. 45268, 25/09/2017. Política, p. A6.

 

Planilhas reforçam delação sobre MPs, diz PF

Beatriz Bulla / Fabio Serapião

25/09/2017

 

 

Movimentações de Funaro foram cruzadas com informações prestadas pelo corretor

 

 

A Polícia Federal cruzou informações prestadas pelo corretor Lúcio Funaro em delação com movimentações financeiras de empresas do setor de saúde e constatou que doações a políticos e pagamentos a Funaro coincidem com o período em que o Congresso discutia medidas provisórias para a área.

O levantamento consta nas investigações do “quadrilhão” do PMDB da Câmara, denunciado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Os investigadores analisaram dados de três HDs apreendidos na casa da irmã do delator, Roberta Funaro, e cruzaram com informações do corretor e de outro colaborador, Nelson Mello, exdiretor do grupo Hypermarcas.

Em um dos casos analisados pela PF, os investigadores encontraram indícios de que o peemedebista Manoel Júnior, viceprefeito de João Pessoa, atuou em favor das redes Amil e D’Or na MP 656 de 2014. A medida tratava da abertura de capital estrangeiro para hospitais e planos de saúde. Júnior propôs três emendas que previam permissão de capital estrangeiro. O texto original, segundo a PF, não abordava o tema.

Nas planilhas de Funaro, Júnior aparece com o codinome “bob-paraíba”. Em 2 de outubro de 2014, conforme a PF, há pagamento de R$ 150 mil em benefício dele – R$ 50 mil foram pagos no escritório de Funaro e o restante por meio de transferências para “bob-paraíba”.

“Pela coincidência de datas, tais pagamentos se deram no mesmo período da proposta da emenda. A abertura para capital estrangeiro trouxe margem de lucro bilionária a Rede D’Or”, disse a PF. O relatório também aponta doações da Amil a campanhas de candidatos do PMDB em 2014, no valor de R$ 12 milhões, entre eles o deputado cassado Eduardo Cunha (RJ).

 

Emendas. O documento mostra ainda a movimentação de parlamentares em favor da Hypermarcas, como a emenda que incluiu a permissão de comercialização de remédios que não precisam de prescrição médica em supermercados. A emenda foi incluída pelo ex-deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) em MP que tinha objetivo de isentar a cobrança de PIS e Cofins de produtos a pessoas com deficiência. Cunha também teria atuado em favor da empresa.

No entanto, a então presidente Dilma Rousseff vetou parcialmente a MP sob alegação de que a mudança poderia “estimular a automedicação”. Funaro disse que houve o veto porque Mello não conseguiu acerto com a Anvisa.

Em nota, a Rede D’Or afirmou que não foi beneficiada com a MP. A aprovação, segundo a empresa, “possibilitou a entrada no mercado de fundos estrangeiros, impactando negativamente a estratégia” da companhia. A Amil disse que “cumpriu as regras que orientam as doações para campanhas”.

Por meio de nota, a Hypermarcas disse que já se “manifestou publicamente em diversas ocasiões para prestar esclarecimentos relacionados à atuação de seu ex-diretor de Relações Institucionais Nelson Mello”. O advogado Délio Lins e Silva Júnior disse que a atuação parlamentar de Cunha “sempre se deu dentro dos limites legais”. Sandro Mabel não foi localizado. Manoel Júnior não respondeu aos contatos do Estado.

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Os olhos, ouvidos e punhos de Raquel Dodge na Lava Jato

Beatriz Bulla / Fabio Serapião

25/09/2017

 

 

A sucessora de Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, Raquel Dodge, colocou na chefia da área criminal uma procuradora conhecida por estar sempre do lado oposto de políticos e empresários encrencados com a Justiça. Nova titular da Secretaria Penal da Procuradoria-Geral da República, à qual o grupo de trabalho da Lava Jato será subordinado, Raquel Branquinho tem histórico de atuação em grandes casos de combate a desvios de dinheiro público e é vista como uma das melhores investigadoras criminais do Ministério Público.

Com 46 anos, Raquel Branquinho dedicou 20 ao Ministério Público Federal. Foi no Rio que ela se especializou na área criminal e atuou em casos como o Marka-Fonte-Cindam, que investigou presidente e diretores do Banco Central e levou o banqueiro Salvatore Cacciola à cadeia.

No Ministério Público Federal no Rio, ex-colegas contam uma história. Em 2004, ela investigava Waldomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil no governo Lula e ex-presidente da Loterj. Ao fim de um depoimento, ele teria entregue à procuradora uma cartela de “raspadinha”, ao que Raquel Branquinho teria respondido: “Eu vou raspar. Mas se houver um prêmio o senhor sairá preso por tentativa de corrupção”. “É exatamente o que se pode esperar dela”, disse um ex-colega.

Do Rio foi para Brasília, onde já teve passagem pela Procuradoria-Geral da República quando ajudou na elaboração da denúncia do mensalão.

 

‘Fora do padrão’. “Fiquei muito impressionado com a capacidade de trabalho dela”, disse o procurador Artur Gueiros. Segundo ele, a procuradora digitava enquanto discutia com os colegas a estratégia que seria usada. Ao fim de uma hora de reunião, relatou o colega, Raquel Branquinho imprimia a peça jurídica pronta para dar andamento ao caso. “Ela foge um pouco do padrão. De uma reunião que era para discutir, saíamos com uma petição de 50 páginas digitada”, disse Gueiros, que já era procurador criminal quando ela chegou ao Rio. “A gente estudava muito, não tínhamos grandes recursos. Líamos e destrinchávamos relatórios do Banco Central, da Receita, para cruzar os dados que podíamos”, afirmou o procurador.

“Ela é uma das pessoas mais combativas que eu conheço, é incansável, sempre disposta. Ela não vai se intimidar”, disse a procuradora regional Luciana Guarnieri. As duas entraram na carreira no mesmo concurso, em 1997, tomaram posse no mesmo dia e foram atuar em Campinas (SP).

 

Interior. Raquel Branquinho é de Franca (SP) e fez faculdade de Direito na Unesp. No interior paulista, os procuradores não tinham área de especialização e faziam desde ações criminais até questões de tutela coletiva, como defesa do direito ambiental. Na época, Luciana e Raquel trabalharam juntas ao desvendar fraudes em um consórcio que lesou habitantes de uma cidade próxima. Çogo cedo, contou Luciana, a colega – e hoje amiga – ligava perguntando se os demais já estavam a caminho do Ministério Público. “Ela é talhada para a função.”

Já em Brasília, ao lado da procuradora Valquíria Quixadá, Raquel Branquinho atuou no caso Banestado – mapeou os destinatários das movimentações financeiras via contas CC5 da agência do banco brasileiro em Nova York.

Raquel Branquinho, disseram colegas próximos, não é de perfil acadêmico, mas operacional. Não optou pelo mestrado. Segundo colegas que dividiram com ela o trabalho em Brasília, a procuradora não espera um despacho escrito chegar à sua mesa. Se depende de que uma diligência seja feita pela polícia, vai pessoalmente conversar com o delegado e procura integrar os órgãos envolvidos na produção de provas – polícia, Receita e Ministério Público. 

 

Histórico. Procuradora Raquel Branquinho participou de casos como Banestado, mensalão e Marka-FonteCindam