O Estado de São Paulo, n. 45249, 06/09/2017. Política, p. A8.

 

Gilmar afirma que acordo é ‘a maior tragédia na PGR’

Andrei Netto / Rafael Moraes Moura

06/09/2017

 

 

COLABORAÇÃO SOB SUSPEITA / Citado nos novos áudios, ministro diz que trabalho de procuradores foi ‘malfeito’; para corregedor nacional de Justiça, STF fica ‘arranhado’

 

 

O procedimento interno da Procuradoria-Geral da República (PGR) para analisar a revisão do acordo de colaboração do Grupo J&F provocou reação entre membros do Judiciário. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou ontem, em Paris, o acordo fechado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como “a maior tragédia que já aconteceu na PGR”. Em Brasília, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, disse que “certamente” a imagem do STF já está arranhada por causa de menções de delatores a integrantes da Corte.

Para Gilmar, o acordo de delação negociado por Janot, que incluía o primeiro áudio da conversa gravada por Joesley Batista, dono da JBS, mas ignorava a existência do segundo áudio, revelado anteontem, “é um desastre”. “É a maior tragédia que já ocorreu na Procuradoria-Geral em todos os tempos. Não tem nada igual”, disse Gilmar, na embaixada do Brasil em Paris, onde cumpriu agenda oficial.

Contudo, na avaliação do ministro do STF, é uma “sorte do Brasil” que a denúncia de Janot tenha ocorrido porque, segundo ele, revelaria a “desinstitucionalização” da PGR e o trabalho “malfeito” dos procuradores na investigação.

Questionado pelo Estado se via uma relação promíscua entre delatores, como Joesley, e a Procuradoria – o ex-procurador da República Marcelo Miller é suspeito de ter auxiliado o empresário a preparar as gravações –, Gilmar foi taxativo: “Com certeza. É fato gravíssimo”, disse, estimando que o acordo de delação firmado entre a PGR e Joesley “terá de ser completamente revisto”.

 

Singular. Questionado sobre se a eventual revisão da delação resultaria na anulação das provas que constam da denúncia – Janot afirma que não seriam passíveis de anulação –, Gilmar disse que a questão “terá de ser examinada em cada tópico”. “O caso do presidente (Michel Temer) é um caso muito singular. Desde o início ele vem batendo nessa tecla de que pode ter havido uma ação controlada sem ordem judicial”, disse. “Tudo indica que os delatores receberam treinamento da Procuradoria muito antes de fazer aquela primeira investida. Sobre isso, eles (PGR) vão ter de responder. E aí vai surgir a questão de se a prova é lícita ou não.”

Gilmar disse ainda que estima que o procurador-geral violou o Código Penal durante a investigação. “Você não pode cometer crime para combater crime. Do contrário a gente aceitaria a tortura. É essa a questão”, argumentou, afirmando que “os limites do Estado de Direito” foram ultrapassados.

Sobre os trechos do áudio que mencionam seu nome, Gilmar ironizou, chamando a ação da PGR de “operação Tabajara”. “Já me falaram que é qualquer coisa ligada à aprovação da delação no Supremo Tribunal Federal e coisa do tipo”, disse o ministro, explicando, segundo ele, a razão pela qual seu nome teria sido citado. “Eu tenho a impressão de que o procurador-geral tentou trazer o Supremo para auxiliá-lo nessa operação Tabajara. É uma coisa muito malsucedida. O Supremo não tem nada com isso.”

 

Imagem. “Certamente (isso) já arranhou (a imagem do Supremo)”, disse ontem o ministro João Otávio de Noronha, que atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao lado da ministra Cármen Lúcia, que preside o conselho e o STF.

Noronha, no entanto, ressaltou que não acredita que qualquer ministro do STF esteja envolvido em irregularidades no caso. “Nossa Corte é composta dos homens e mulheres mais dignos deste País”, afirmou.

Para o corregedor nacional de Justiça, o gerenciamento da delação premiada é “muito importante”. “Por exemplo, não é razoável você pressionar alguém a delatar. Não é razoável prender para delatar. Não sei se isso aconteceu, acontece. Não tenho caso concreto que alguém foi pressionado”, disse Noronha.

 

‘Operação Tabajara’

“Tenho a impressão de que o procurador-geral tentou trazer o Supremo para auxiliá-lo nessa operação Tabajara.”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

EM XEQUE

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, determinou a abertura de investigação que pode levar à rescisão do acordo de delação premiada do Grupo J&F

 

Os delatores

Joesley Batista

Ricardo Saud

Francisco de Assis e Silva

(ESTÃO NA MIRA DE JANOT)

 

Wesley Batista

Florisvaldo Caetano de Oliveira

Valdir Aparecido Boni

Demilton Antonio de Castro

 

Termo

O que diz o acordo de colaboração premiada do empresário Joesley Batista, dono da JBS, sobre omissões

Rescisão

O acordo perde efeito se o colaborador mentir ou omitir fatos; se sonegar, destruir ouadulterar provas; se vier a praticar qualquer outro crime “da mesma natureza dos fatos em apuração após homologação judicial desse acordo”

 

Áudios

A decisão de Janot foi tomada com base em áudio de uma conversa entre Joesley e Saud, entregue à Procuradoria Geral da República (PGR), no dia 31 de agosto

 

Joesley Batista

Nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot. É o que eu acho, falei pra Fernanda, que nós nunca podemos ser o primeiro, temos que ser o último, temos que fechar a tampa do caixão. Eu falei “Fernanda, nós não podemos ser nunca quem vai dar o primeiro tiro, nós temos que ser quem vai dar o último tiro. Nós temos que bater o prego da tampa”. Nós, em tudo que a gente faz, e eu sou muito assim também, nós somos intensos. Nós fomos intensos em fazer, nós vamos ter que ser intensos em delatar. Nós não fomos quem mais fizemos lá? É o mesmo comportamento

 

Ricardo Saud

Trecho inaudível

 

 

Joesley Batista


Não é que não tem. Nós vamos, eu já falei pro Francisco: “Tem que resolver isso, nós vamos ajeitar. Fernandinha, você vai ajeitar o Marcelo, que nós já estamos ajeitando. Nós vamos conhecer o Janot, nós vamos conhecer não sei quem, e quem precisa do que? (...)

(...) O Janot sabe tudo. A turma já falou pro Janot

 

Ricardo Saud

Você acha que o Marcelo já falou pro Janot?

 

Joesley Batista

Não. Não é o Marcelo. O...

 

Ricardo Saud

Anselmo

 

Joesley Batista

Anselmo e o Anselmo falou pro Pellela, falou pro não sei o que lá, que falou pro Janot. O Janot tá sabendo... Aí o Janot, espertão, que que o Janot falou? Bota pra f..., bota pra f... . Põe pressão neles, para eles entregarem tudo, mas não mexe com eles. Não vamo f..., dá pânico neles, mas não mexe com eles (...)

 

Joesley Batista

(...) Vamo lá. Vamo dar um passo atrás. Na minha cabeça. O Marcelo é do MPF. Ponto. O Marcelo tem linha direta com o Janot. Quando eu falo o Janot, é Janot, Pellela... Tudo a mesma coisa

 

Ricardo Saud

Eu não te falei? Olha a mensagem?

 

Joesley Batista

E o outro lá. Ricardo, nós somos jóia da coroa deles. O Marcelo já descobriu e já falou com o Janot: Ô Janot, nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos e ele já entendeu isso. A Fernanda surtou por quê? Porque a Fernanda entendeu que nós somos muito mais e nós podemos muito mais... Aí até a Fernanda perdeu o controle. Aí até a Fernanda falou, calma. Supremo, não. Calma. Vai f... meus amigos, vai... Só para, Ricardinho, eu não vou conseguir te explicar... Ricardinho, confia nimim. É o seguinte, vamo conversando tudo. Nós vamos tocar esse negócio. Nós vamos sair lá na frente. Nós vamos sair amigos de todo mundo. E nós não vamos ser presos. Pronto. E nós vamos salvar a empresa

 

Ricardo Saud

Eu falei: “Você passa tudo pro Janot, né? Do que está acontecendo aqui”. Ele (Marcelo Miller) disse: “Não, não. Não vou te mentir não. Não passou não. É um amigo meu comum. É um amigo meu comum”

 

Joesley Batista

Um amigo?

 

Ricardo Saud

Comum do Janot. Eu falei: “Você passa tudo pro Janot?” Ele falou: “Não. É um amigo meu comum”

 

Joesley Batista

C..., mas então você tá me confirmando que tudo que nós estamos falando ele corre no banheiro e manda pro Janot. Ou para alguém que fala com o Janot (...)

 

Joesley Batista

(...) Eles vão dissolver o Supremo... eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé, o Zé vai entregar um....(não fala)...vou ligar e chamar ele e falar...o Zé seguinte você precisa trabalhar com a gente, nós precisamos organizar o Supremo, a única chance que a gente tem de sobreviver...você tem quem? Como é cada um? Qual a influência que você nesse? Como é que a gente grampeia? O Zé vai entregar tudo... a gente vai falar de dois só, nós só vai entregar o Judiciário e o Executivo, a Odebrecht moeu o Legislativo, nós vamos moer...

 

Marcelo Miller

Ex-procurador da República que foi auxiliar Janot e atuou no grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília de maio de 2015 a julho de 2016. Miller deixou a equipe de Janot pouco antes de o acordo da J&F ser firmado. Em seguida, foi trabalhar no escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, contratado pelo grupo J&F para negociar o acordo de leniência na área cível – Miller deixou o escritório em julho

 

 

Rodrigo Janot

Joesley sugere que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sabia sobre a delação premiada do grupo. A suposta data da gravação é 17 de março, quando as tratativas da Procuradoria com a J&F, oficialmente, não tinham iniciado – o que teria ocorrido em 27 de março

 

 

Acordo de delação

Pela proposta do Ministério Público Federal, cumpridas as condições do acordo, não será apresentada acusação formal contra o empresário; em caso de denúncias já oferecidas, será comunicado que houve acordo por perdão judicial

 

 

Perdão

A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista lhes valeram o perdão de crimes cujas penas somadas individualmente poderiam alcançar de 400 a até 2 mil anos de prisão

 

Conversa

Joesley e Saud mencionam conversa que tiveram com Marcelo Miller. De acordo com o diretor da J&F, o ex-procurador repassava informações a Janot por meio de um ‘amigo em comum’

 

 

Supremo

Os delatores falam ainda sobre “dissolver o Supremo” e citam o “Zé”, o ex-ministro da Justiça do governo Dilma José Eduardo Cardozo