O Estado de São Paulo, n. 45255, 12/09/2017. Política, p.A4

 

 

 

PF vê indício de crime de Temer em 'quadrilhão'

 

Lava Jato. Relatório diz que presidente recebeu R$ 31,5 milhões para grupo do PMDB da Câmara; Moreira, Padilha, Geddel e Cunha são apontados em organização criminosa

Por: Beatriz Bulla / Fabio Serapião / Andreza Matais

 

O relatório da Polícia Federal sobre o “quadrilhão” do PMDB na Câmara dos Deputados aponta indícios de que o presidente Michel Temer e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil) formaram uma organização criminosa para cometer crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro. O documento afirma também que Temer recebeu R$ 31,5 milhões em vantagens indevidas por participar de esquema de desvios na Petrobrás e no governo federal.

As conclusões da PF, às quais o Estado teve acesso, foram encaminhadas ontem ao Supremo Tribunal Federal. O relatório da investigação, iniciada em 2015 na Lava Jato, era aguardado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para finalizar uma eventual segunda denúncia contra Temer, por organização criminosa. Janot deixa o comando do órgão no dia 17 e já havia proposto ação contra o presidente por corrupção passiva, mas a Câmara barrou o pedido.

Além de Temer, Moreira e Padilha, o relatório da PF também aponta a participação na organização criminosa dos ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves e do ex-ministro Geddel Vieira Lima – presos atualmente por crimes investigados nas Operações Lava Jato e Cui Bono?. Os suspeitos negaram envolvimento em organização criminosa.

Temer tinha poder de decisão sobre o PMDB da Câmara, segundo a PF, para fazer indicações políticas a cargos estratégicos. De acordo com o relatório, ele articulava, com empresários beneficiados nos supostos esquemas de corrupção, o recebimento de doações eleitorais. Para os policiais, o presidente recorria a terceiros para atuar no controle do grupo – nesse cenário, Moreira, Padilha e Geddel seriam “longa manus” de Temer para obter recursos de empresas, como a JBS.

No montante atribuído a Temer, a PF considerou os R$ 500 mil recebidos da JBS pelo ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, R$ 10 milhões da Odebrecht, R$ 20 milhões do contrato PAC SMS da Diretoria Internacional da Petrobrás e R$ 1 milhão entregue ao coronel João Baptista Lima Filho, amigo de Temer.

Os suspeitos, segundo a PF, influenciavam os demais membros do grupo e repartiam o dinheiro obtido por meio de práticas ilícitas, como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, fraude em licitação e evasão de divisas. Para a polícia, Temer tinha função semelhante a de Cunha no “quadrilhão” do PMDB da Câmara. Segundo os investigadores, enquanto Cunha articulava negociações ilícitas, Temer oficializava os atos praticados pelo deputado cassado preso em Curitiba.

A PF destinou um capítulo para esmiuçar a participação de cada personagem, com identificação do nome, foto, histórico político e quais vantagens indevidas foram recebidas.

 

Desdobramento. No mês passado, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, havia rejeitado pedido de Janot para incluir o nome de Temer na investigação do “quadrilhão” do PMDB da Câmara.

O ministro, no entanto, permitiu que houvesse compartilhamento de informação desse inquérito com as investigações contra Temer com base na delação da J&F. Com essa medida, a PF aponta no relatório que foi possível ampliar o objeto do inquérito e que recebeu a autorização do ministro para incluir Temer na investigação.

Para Janot, a organização criminosa de políticos é composta por integrantes do PP, PT, PMDB do Senado e PMDB da Câmara. O procurador-geral já ofereceu denúncia, nos últimos dias, para todos os ramos da investigação – exceto para o PMDB da Câmara.

 

Repúdio. Temer, Moreira e Padilha rebateram as conclusões da PF. O presidente afirmou que “não participou nem participa de nenhuma quadrilha” e que “lamenta insinuações descabidas com intuito de tentar denegrir sua honra e imagem pública”. Moreira disse que “repudia a suspeita” e que “nunca participou de qualquer grupo para prática de ilícito”.

O advogado de Geddel, Gamil Föppel, informou que, “diante das reiteradas violações ao seu direito de defesa”, vai prestar os esclarecimentos em juízo. Já o advogado de Cunha, Délio Lins e Silva, disse que o ex-deputado nega “veementemente todas as acusações”. / COLABORARAM BRENO PIRES e FÁBIO FABRINI

 

Cúpula. Presidente Michel Temer se reuniu ontem com ministros da Fazenda e do Trabalho, além do presidente da UGT

 

 

 

 

 

 

Em delação, Funaro relata encontros com presidente

Colaboração de corretor ligado ao PMDB embasa parte do relatório sobre o ‘quadrilhão’; Temer nega relação de proximidade
Por: Beatriz Bulla / Fabio Serapião

 

BRASÍLIA

 

Em delação que embasou parte do relatório da Polícia Federal sobre o “quadrilhão do PMDB da Câmara”, o corretor Lúcio Funaro afirmou que esteve com o presidente Michel Temer em três ocasiões. Ele citou um encontro na base aérea de São Paulo, outro durante comício em Uberaba (MG) nas eleições municipais de 2012 e uma terceira numa reunião de apoio à candidatura de Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo, também em 2012. Na época, Temer era vice-presidente.

A delação de Funaro já foi homologada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, mas permanece em sigilo. O corretor, que está preso desde julho de 2016, disse que trabalhou na arrecadação de dinheiro para as campanhas do PMDB em 2010, 2012 e 2014 e estima ter conseguido R$ 100 milhões para o partido e outras siglas coligadas nesse período.

Até hoje, Temer só havia admitido um encontro com o corretor, na base aérea. Segundo Funaro, em dois dos encontros estava acompanhado do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), preso em Curitiba.

 

MP dos Portos. A relação entre Temer e Cunha foi outro tema abordado na delação. Conforme o corretor, ambos atuaram durante a tramitação da Medida Provisória dos Portos para defender interesses de grupos privados aliados. O delator afirmou que Temer articulou a indicação do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi para a presidência do Porto de Santos.

De acordo com a colaboração de Funaro, Temer também tinha conhecimento do pagamento de propina pela Odebrecht por contrato da Diretoria Internacional da Petrobrás. O corretor disse que quem lhe passou a informação foi Cunha.

Em nota, Temer afirmou que “não tem relação pessoal com Lúcio Funaro” e, “se esteve com ele, foi de maneira ocasional e, se o cumprimentou, foi como cumprimenta milhares de pessoas”. A Odebrecht diz colaborar com as investigações. Os outros citados por Funaro não foram localizados. / B.B. e F.S.