O Estado de São Paulo, n. 45255, 12/09/2017. Política, p.A6

 

 

 

Joesley diz que tentou barrar Lava Jato com políticos

Em depoimento à Procuradoria-Geral da República, empresário afirma que discutiu como parar operação; para Planalto, ele mente

Por: Beatriz Bulla / Breno Pires / Fábio Serapião

 

Beatriz Bulla

Breno Pires

Fábio Serapião / BRASÍLIA

 

Em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, disse que antes de se tornar um delator “tratou com vários políticos sobre como parar” a Operação Lava Jato. O depoimento, ao qual o Estado teve acesso, foi prestado no feriado de 7 de Setembro, no procedimento de revisão do acordo de delação premiada firmado com a PGR.

Joesley Batista afirmou que os políticos com quem “mais falou sobre tudo o que acontecia com a empresa no âmbito da Operação Lava Jato durante os últimos três anos foram Ciro Nogueira, Eduardo Cunha e Michel Temer”. Consta no termo de depoimento assinado pelo empresário que ele, “até decidir por colaborar, tratou com vários políticos sobre como parar a ‘Operação’; que por isso ficou em paz consigo mesmo porque salvou a empresa com a colaboração depois de três anos de tentativa com políticos”.

No dia seguinte ao depoimento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão de Joesley, do executivo da J&F, Ricardo Saud e do ex-procurador da República Marcello Miller. No mesmo dia, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, decretou a prisão dos dois primeiros.

 

Delação. No depoimento, Joesley disse que conheceu Miller no início de março deste ano, quando o então procurador da República foi até a sua casa apresentado por Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico do grupo J&F. O empresário disse que encontrou o ex-procurador pelo menos outras duas vezes no mesmo mês, na sede da JBS. Miller ainda não havia sido exonerado do Ministério Público Federal naquele momento.

Joesley, no entanto, afirmou que “nunca recebeu orientação de Marcello Miller sobre elaboração dos anexos nem sobre a produção de uma prova específica”. Apesar disso, disse que os contatos com Miller foram importantes para ele acreditar que deveria fazer o acordo de colaboração premiada.

Sobre um dos encontros com Miller em março, Joesley afirmou, segundo termo de depoimento assinado por ele próprio, “que conversou com Marcello Miller sobre colaboração premiada, como se faz, o procedimento, se funciona ou não; que Marcello Miller dava orientações abstratas sobre colaboração e crimes, tendo servido para entender o processo de colaboração premiada; que isso serviu para o depoente acreditar que a colaboração era o caminho correto, o melhor e talvez o único”.

Em outro momento, o empresário disse não ter certeza se Miller esteve em contato com os anexos de Ricardo Saud. Joesley também afirmou “não houve nenhuma indução ou orientação de Marcello Miller a nenhum dos colaboradores”. Joesley também disse que a menção aos “cinco ministros do Supremo na mão dele foi elucubração de dois bêbados em casa e sozinhos”. Segundo ele, foi algo da “imaginação de Ricardo Saud”, bem como o fato de ter dito que Janot iria advogar com Marcello Miller.

O Planalto afirmou que “o depoimento do senhor Joesley Batista mostra que ele mente mais uma vez”. A defesa de Cunha nega as acusações e afirma que prestará os devidos esclarecimentos oportunamente, quando convocado pelas autoridades. A assessoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi contatada e não respondeu sobre as citações até a conclusão desta edição. A defesa do advogado Marcello Miller informou que só teve acesso ao pedido de prisão da PGR ontem e está preparando as medidas cabíveis.

 

Reza. Joesley Batista fez o trajeto da Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo, para o aeroporto, de onde foi para Brasília, com um terço na mão

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Entenda os últimos dias

1. Como foi o depoimento do empresário Joesley Batista na quinta-feira?

Joesley prestou depoimento de cerca de três horas, na Procuradoria-Geral da República. O empresário afirmou que não recebeu orientação do ex-procurador Marcello Miller (foto) para gravar o presidente Michel Temer e disse que o áudio de quatro horas que provocou reviravolta no caso “é uma conversa de bêbados”.

 

2. Por que o procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo, na sexta-feira, a prisão de Joesley, do executivo Ricardo Saud e de Miller?

Os pedidos foram motivados pelo conteúdo de uma gravação entregue pela própria defesa do Grupo J&F, na qual Saud e Joesley falam de suposta interferência de Miller para ajudar nas tratativas de delação.

 

3. Como foi o depoimento do ex-procurador?

O depoimento de Miller começou às 15h30 de sexta-feira e terminou por volta de 0h30 do sábado, no Rio. Após o depoimento, seu advogado, André Perecmanis, disse que o pedido de prisão de Miller “causa espécie e indignação”. O advogado negou que ele tenha desrespeitado qualquer regra de quarentena, após se desligar do Ministério Público Federal.

 

4. Por que o ministro do STF Edson Fachin determinou a prisão temporária de Joesley e Saud no sábado?

Para Fachin, há “indícios suficientes” de que ambos violaram o acordo de colaboração premiada ao omitir a participação de Miller no processo de delação. O ministro, relator da Lava Jato no STF, afirmou ainda que há indícios de que as delações ocorreram de maneira “parcial e seletiva”.

 

5. Onde estão Joesley e Saud?

Após se entregarem na sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo no domingo, ontem, os delatores foram transferidos para Brasília, onde vão cumprir a custódia por cinco dias. Joesley e Saud foram levados para a capital federal por ordem do ministro do Supremo Edson Fachin.

 

 

 

 

Delatores estão em cela de 9 m² sem chuveiro

 

BRASÍLIA

 

O empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud chegaram ontem à sede da Polícia Federal em Brasília e ficarão presos em celas separadas na Superintendência da PF. Os delatores da J&F não terão conforto algum: cada um tem direito a uma cela de 9 m². O vaso sanitário fica no chão e o banho é frio (não há sequer chuveiro, apenas um cano na parede).

Ontem, às 10h35, Joesley e Saud deixaram a Superintendência da PF em São Paulo. O dono da JBS saiu da sede da PF na capital paulista com um terço nas mãos rumo ao Aeroporto de Congonhas, onde ele e Saud pegaram o voo para Brasília. Depois, eles passariam no Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo de delito antes de serem presos.

Em Brasília, houve protestos. Joesley e Saud eram aguardados por um pequeno grupo de manifestantes que comemorou com fogos de artifício a detenção dos executivos. Os delatores vão cumprir a custódia por cinco dias na capital federal.

Os executivos se entregaram anteontem, à PF, em São Paulo. Eles foram presos por ordem do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, por suspeita de violar a delação premiada. A decisão do ministro havia sido tomada na última sexta-feira, mas estava protegida sob sigilo.

 

‘Chance zero’. A prisão foi uma surpresa para Joesley. Durante um trecho da longa conversa de quatro horas com o executivo Ricardo Saud, o empresário repetia, quase como um mantra, que eles não iriam ser presos pela PF. “Não tem nenhuma chance de eu ser preso. Sabe qual a chance de eu ser preso? Qual? Nenhuma, zero.”

Por ironia, Joesley já havia programado uma viagem a Brasília ontem. Ele tinha depoimento agendado para as 9 horas, também na Superintendência da Polícia Federal de Brasília no âmbito da Operação Greenfield que investiga possíveis irregularidades no aporte de fundos de pensão em empresas do grupo J&F.

Como ele havia se entregado à PF de São Paulo no domingo, o empresário não compareceu à oitiva. /J.A., F.M., F.S. e B.B.

 

 

 

 

 

 

Sob ataque

Por: Celso Sanchez Vilardi

 

ANÁLISE: Celso Sanchez Vilardi

 

Os benefícios previstos no acordo de colaboração dos executivos da JBS poderão ser revogados. Essa anulação deverá ocorrer se uma investigação comprovar manipulação de dados e/ou a participação ilícita do ex-procurador da República na celebração do respectivo termo.

Quanto à primeira hipótese, o incrível diálogo entregue indica uma certa disposição de falsear temas, mas será necessário mais do que isso para confirmar que fatos criminosos foram propositalmente excluídos das informações reveladas. Surgiram ontem especulações de que outras fitas ainda não foram entregues. A ser verdade, é caso claro de rescisão.

No que toca ao ex-procurador, é necessário dizer que sua participação no acordo, ainda que só na leniência, não era recomendável. Contudo, a questão é saber se ele participou do caso, aconselhando os executivos colaboradores antes de sua saída do cargo público, o que levaria o ato ao campo criminal já que, nesse caso, no mínimo é possível cogitar de advocacia administrativa. De toda forma, é necessário comprovação e não mera especulação.

O acordo dos executivos da JBS está sob ataque porque a muitos acusados, em especial os do partido do governo, interessa colocar esse instrumento na berlinda. O golpe não deve dar certo, seja porque tais acordos descortinaram um incrível esquema de corrupção; seja porque, se o País tiver juízo, eles devem ser aprofundados, uma vez que constituem a única solução para criar alternativas à pena de prisão (atenuando, assim, o grave quadro do sistema prisional) e obter uma rápida forma de reparação ao dano; seja, enfim, porque, mesmo que anulados os benefícios, o Supremo Tribunal Federal deverá validar todas as provas já entregues conforme prevê cláusula do respectivo termo.

Não parece, portanto, o fim dos acordos, que, no entanto, sofreram um baque. Por conseguinte, a superação e a evolução do instituto dependem de investigações aprofundadas e transparentes, transmitindo-se à sociedade a verdade dos fatos.

 

ADVOGADO E PROFESSOR DE DIREITO PENAL ECONÔMICO DA ESCOLA DE DIREITO DA GVLAW