O Estado de São Paulo, n. 45255, 12/09/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

Procurador atuou pela J&F, diz Janot

COLABORAÇÃO SOB SUSPEITA / Ao pedir a prisão de Marcelo Miller, na sexta, PGR afirmou possuir troca de e-mails que indica prática do crime de exploração de prestígio

Por: Rafael Moraes e Moura / Breno Pires

 

 

Rafael Moraes e Moura

Breno Pires / BRASÍLIA

 

Documentos internos encaminhados pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe à Procuradoria-Geral da República sugerem que o ex-procurador da República Marcello Miller atuou para o Grupo J&F antes de se desligar do cargo. A informação consta no pedido de prisão de Miller, do empresário Joesley Batista, dono da J&F, e do executivo do grupo Ricardo Saud feito pelo procuradorgeral da República, Rodrigo Janot na sexta-feira passada.

No mesmo dia, o ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ao pedido de prisão temporária de Joesley e Saud, mas não de Miller.

Segundo Janot, os documentos são resultado de uma investigação interna do Trench Rossi Watanabe sobre a atuação de Miller no escritório. No material encaminhado na quarta-feira passada atendendo a um pedido feito pela PGR constam elementos de que “antes de março do corrente ano, Marcello Miller já auxiliava o grupo J&F no que toca o acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Publico Federal”.

Segundo Janot, há trocas de e-mails entre o ainda procurador Miller e uma advogada do escritório “com marcações de voos para reuniões, referências a orientações à empresa J&F e inícios de tratativas em benefícios à mencionada empresa”. Entre eles está um e-mail de 14 de fevereiro de 2017, com o assunto “sobre o caso que discutimos ontem”. Na mensagem, Miller dá esclarecimentos sobre improbidade administrativa, envolvendo financiamento do BNDES, e comenta até o perfil de três membros do MPF.

Ao tratar da composição dos Ofícios de Ordem Econômica da Procuradoria da República em São Paulo, Miller diz que “nenhum deles tem reputação conspícua, seja por trabalhar demais, seja por querer aparecer demais”. E conclui: “Espero que isso possa te ajudar”.

Segundo a PGR, a exoneração de Miller foi efetivada em portaria publicada em 5 de março, com efeitos a contar a partir de 5 de abril, já que ele tinha direito a 30 dias de férias. No dia 11 de abril, Miller se apresentou à PGR como advogado do escritório responsável pelas tratativas do acordo de leniência da JBS.

O envolvimento de Miller com a J&F é um dos principais pontos questionados pela defesa do presidente Michel Temer, que tenta afastar Janot do caso.

No pedido de prisão, Janot afirmou que as evidências colhidas demonstram que “é absolutamente plausível” a suspeita de que Miller tenha, na sua atuação junto ao grupo J&F, cometido o crime de exploração de prestigio. “Há possibilidade, outrossim, de ter sido cooptado pela organização criminosa da qual fazem parte Joesley Batista e Ricardo Saud, passando, em princípio, a integrá-la”.

Para Janot, há indicativo de que, ainda na condição de procurador, Miller tenha “em princípio, ajudado os colaboradores a filtrar informações, escamotear fatos e provas e ajustar depoimentos e declarações, em benefício de terceiros que poderiam estar inseridos no grupo criminoso”. Ontem, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão na casa de Miller, no Rio de Janeiro. Também foram alvos da Operação Bocca as residências de Joesley Batista, Ricardo Saud e do advogado Francisco de Assis, também delator da JBS.

 

Defesas. Procurado pela reportagem, o escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe informou que “está auxiliando e continua à disposição para auxiliar as autoridades”. O escritório comunicou ainda que todos os documentos solicitados pela PGR foram entregues e reiterou que Miller não faz mais parte do quadro de advogados.

A defesa de Miller informou à reportagem que só teve acesso ao pedido de prisão da PGR nesta segunda-feira e “está preparando as medidas cabíveis”.

Em nota enviada no último domingo, Miller disse que não tinha contato com Janot “nem atuação na Lava Jato desde, pelo menos, outubro de 2016”. O texto diz que ele “pediu exoneração em 23/2/2017, tendo essa informação circulado imediatamente no MPF”. Miller disse que em 20 anos de carreira teve “total retidão e compromisso com o interesse público e as instituições nas quais trabalhou” e que continua à disposição para prestar esclarecimentos.

 

Investigação. Polícia Federal cumpre mandado de busca e apreensão na casa de Marcello Miller na região da Lagoa, no Rio

 

Pedido de prisão

“Miller teria, em princípio, ajudado os colaboradores a filtrar informações, escamotear fatos e provas e ajustar depoimentos e declarações, em benefício de terceiros que poderiam estar inseridos no grupo criminoso.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

 

 

 

 

Áudio que cita Cardozo foi omitido

Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura

No documento em que pediu a prisão do empresário Joesley Batista, do executivo Ricardo Saud, e do ex-procurador Marcello Miller, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aponta a omissão de outras gravações feitas por delatores do grupo J&F. Uma delas citaria o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

Em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da República na última quinta-feira, Saud admitiu que Cardozo foi gravado em um encontro na casa de Joesley. Essa gravação teria gerado uma “briga” entre Miller e os delatores porque o ex-procurador não teria aprovado a atitude. Segundo Saud, Miller teria dito que a gravação daria cadeia e que “iriam para cima dele, depoente (Saud), e José Eduardo Cardozo”. O diretor da J&F disse também ter estranhado que Marcello Miller tenha saído da sala após essa conversa e ficasse mandando mensagens no celular. O conteúdo da conversa com Cardozo não teria sido revelado a Miller.

Segundo Janot, o fato de Joesley e Saud terem não apenas ocultado a gravação do ex-ministro como também a levado para o exterior mostra a intenção de omitir os fatos, após orientação de Miller.

Por meio de nota, Cardozo disse que soube “com indignação” que o executivos tentaram criam uma “armadilha” na reunião em que discutiram contratação do seu escritório, o CM Advogados. Seu sócio teria feito um contrato com Joesley, mas, na ocasião, atuava em um outro escritório./ B.P e R.M.M.

 

 

 

 

 

 

Para PT e PSDB, gravação enfraquece delação de Joesley

Segundo dirigentes dos dois partidos, atuação de Janot também pode ser questionada após revelação de novo áudio
Por: Ricardo Galhardo / Pedro Venceslau

 

Ricardo Galhardo

Pedro Venceslau

 

A direção nacional do PT e a cúpula do PSDB convergiram na avaliação de que as últimas revelações envolvendo o Grupo J&F enfraqueceram a delação premiada do empresário Joesley Batista. Segundo dirigentes dos dois partidos, que têm políticos investigados com base em delações, a atuação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também pode ser questionada.

“Os últimos acontecimentos mostram que atitudes do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário colocam em questionamento toda a prática da delação, de como está se utilizando de forma errada o instrumento da delação, que é correto e foi criado no governo do PT”, disse o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, um dos vice-presidentes do PT.

Na semana passada, Janot pediu investigação sobre um áudio, supostamente gravado por acidente, com conversas entre Joesley e o executivo Ricardo Saud, na qual eles mencionam que o advogado Marcello Miller, quando era procurador, teria atuado para garantir facilidades aos delatores junto à Procuradoria-Geral da República.

Reservadamente, dirigentes petistas admitem que, em tese, os novos fatos em torno da delação da J&F podem beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo estes petistas, a sentença do juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP), tem como peça fundamental a delação do empresário José Adelmário Pinheiro, o Leo Pinheiro, expresidente da OAS, e que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que vai julgar o recurso do ex-presidente, já absolveu outros réus da Lava Jato alegando que a delação precisa ser acompanhada de provas.

Para os petistas, o caso da J&F pode reverter a pressão de parte da opinião pública sobre os desembargadores do TRF-4 por uma segunda condenação de Lula, que tiraria o petista da disputa presidencial de 2018.

 

‘Armação’. Em caráter reservado, lideranças tucanas próximas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) avaliam que a “gravação acidental” de Joesley Batista reforça a narrativa que houve uma “armação” no diálogo entre ele e o empresário, na qual se falou sobre um empréstimo de R$ 2 milhões.

O ex-senador José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, braço teórico do PSDB, prefere não opinar diretamente sobre uma eventual anulação da delação, mas questiona Janot. “A delação do Joesley está sob forte suspeita e questionamento”, disse ele.

Para Aníbal, houve “açodamento” da Procuradoria-Geral da República e o procurador agiu para “desestabilizar o governo e inviabilizar as reformas estruturais”.

 

Indícios. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem o instituto da delação premiada. “O fato de que a pessoa (Joesley Batista) foi um pouco fanfarrona –e é, bastante – não é suficiente para anular (a delação) se os indícios levarem a alguma coisa mais concreta que a palavra dele.” Em entrevista concedida após um almoço com empresários em São Paulo, FHC disse que a delação “funciona nos Estados Unidos e funciona bem”.

 

Palocci

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que a delação do ex-ministro Antonio Palocci “vai ter peso” na compreensão das acusações da Lava Jato.

 

Suspeita

“A delação do Joesley está sob forte suspeita e questionamento.”

José Aníbal

PRESIDENTE DO INSTITUTO TEOTÔNIO VILELA, DO PSDB

 

 

 

A autonomia das provas no STF

Por: Vera Magalhães

 

ANÁLISE : Vera Magalhães

 

A reviravolta no acordo de delação premiada do Grupo J&F abriu um corredor para que aqueles que são investigados pela Lava Jato passem a questionar de forma menos tímida o instituto da colaboração judicial.

A cantilena é capaz de unir petistas, peemedebistas e tucanos no mesmo diapasão, e caberá ao Ministério Público Federal, na gestão de Raquel Dodge, e ao Supremo Tribunal Federal (STF) atuar para definir as balizas legais para preservação de um importante instrumento judicial, que foi determinante para mudar a realidade de impunidade no Brasil.

Uma discussão que será um importante antídoto jurídico a mais uma tentativa de mitigar a Lava Jato, desta vez ofertada de bandeja pelas lambanças de Rodrigo Janot, será a da autonomia das provas obtidas a partir do agora questionado acordo da J&F. Ministros do STF, que serão instados a se manifestar sobre a rescisão ou não dos benefícios aos delatores do grupo, e consequentemente sobre o destino das provas obtidas a partir dele, defendem que aquelas provas produzidas sem vício de origem e que tenham sido validadas por procedimentos legais são válidas e não podem ser descartadas.

Um exemplo dessa prova com autonomia seria o flagrante da propina recebida por Rodrigo Rocha Loures. Foi obtido em uma ação controlada autorizada pelo STF, monitorada pelo MPF e pela PF e cumpriu todos os requisitos para ser válido ainda que pairem dúvidas sobre as circunstâncias em que Joesley Batista e agregados negociaram os termos do acordo com Janot e seus subordinados.

Cabe ao STF, que há poucos meses se debruçou longamente sobre os limites e a extensão do instituto da delação, reforçar essas balizas e não deixar que um acordo irregular macule o instituto legal. Algo que seria o mesmo que procurar anular qualquer lei porque uma organização criminosa agiu para burlá-la.