O Estado de São Paulo, n. 45255, 12/09/2017. Política, p.A10

 

 

 

Lula agora é denunciado por venda de MP

Zelotes apura favorecimento ao setor automotivo em troca de propina quando petista era presidente; ex-ministro e mais 5 também são acusados

Por: Fábio Fabrini

 

Fábio Fabrini / BRASÍLIA

 

O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília denunciou, ontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Gilberto Carvalho e mais cinco pessoas por “venda” de uma medida provisória de 2009 ao setor automotivo. Os envolvidos são acusados de corrupção na elaboração e edição da MP 471, que prorrogou incentivos fiscais a montadoras instaladas no Norte, Nordeste e CentroOeste. O caso foi revelado pelo Estado em outubro de 2015 e investigado na Operação Zelotes.

Na denúncia, enviada à 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília, os procuradores da República Frederico Paiva e Hebert Mesquita sustentam que representantes das montadoras prometeram o pagamento de “vantagens indevidas” a intermediários do esquema e a agentes políticos, entre eles Lula e Carvalho.

A Marcondes e Mautoni Empreendimentos – empresa do lobista Mauro Marcondes Machado, que representava a Caoa (Hyundai) e a MMC Automotores (Mitsubishi do Brasil) – teria ofertado R$ 6 milhões a Lula e Carvalho. O destino do dinheiro, segundo o MPF, seria o custeio de campanhas do PT.

“Diante de tal promessa, os agentes públicos, infringindo dever funcional, favoreceram as montadoras de veículo MMC e Caoa ao editarem, em celeridade e procedimento atípicos, a Medida Provisória n.º 471, em 23/11/2009, exatamente nos termos encomendados, franqueando aos corruptores, inclusive, conhecimento do texto dela antes de ser publicada e sequer numerada, depois de feitos os ajustes encomendados”, pontuou um dos trechos da denúncia.

Também estão entre os denunciados Mauro Marcondes, o lobista Alexandre Paes dos Santos, o ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) José Ricardo da Silva e os executivos de montadoras Carlos Alberto de Oliveira Andrade e Paulo Arantes Ferraz. O MPF pediu que os acusados paguem R$ 12 milhões a título de ressarcimento ao erário e multa por danos morais coletivos.

Além de garantir a edição e aprovação da MP no Congresso, os procuradores alegam que as propinas foram pagas também para comprar o cancelamento de um débito de R$ 265 milhões que era objeto de um recurso no Carf. Esse caso, no entanto, é objeto de outra ação penal em tramitação na 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília.

 

Investida no governo. De acordo com os procuradores, a investida do grupo no governo começou em junho de 2009, quando José Ricardo Silva recebeu do diretor jurídico da Marcondes e Mautoni duas cartas endereçadas ao então presidente da República com os pedidos de alteração legislativa.

Os documentos foram elaborados pelo diretor jurídico da empresa, Ricardo Rett, e chegaram a sugerir que a mudança fosse efetivada por meio de MP, o que acabou ocorrendo.

Os procuradores destacaram uma mensagem em que Alexandre Paes dos Santos afirma que “colaboradores” de Mauro Marcondes teriam exigido R $10 milhões eque o valor foi reduzido para R$ 6 milhões após “esforço de sensibilização de Mauro (Marcondes)”. Para o MPF, “colaboradores” seriam Lula e Gilberto Carvalho.

Segundo o MPF, a mensagem endereçada aos responsáveis pela empresa SGR Assessoria, de propriedade de José Ricardo, foi elaborada após a empresa Caoa ter desistido de pagar a sua parte no combinado. A negociação inicial previa o pagamento de R$ 33 milhões. No entanto, recebeu só a metade, o que teria dificultado o pagamento das propinas.

Na denúncia, os procuradores enfatizaram que documentos e depoimentos mostram que a MP teve um andamento atípico, passando por três ministérios em um único dia: 19 de novembro, quatro antes da publicação da norma no Diário Oficial. As negociações para a MP teriam sido feitas diretamente entre o Ministério da Fazenda e a Presidência da República, tendo as demais pastas apenas referendado as tratativas.

 

Defesas. Em nota, a defesa do ex-presidente afirmou que Lula “jamais praticou atos de corrupção ou qualquer ilícito”. Segundo o advogado Cristiano Zanin Martins, a denúncia do MPF é “injusta” e tem como finalidade a “perseguição política” ao petista. O Estado não obteve resposta de Gilberto Carvalho até a conclusão desta edição.

O advogado Paulo Emilio Catta Preta, que defende o grupo Caoa, afirmou, em nota, que a empresa não “celebrou contrato nem realizou pagamentos em favor de pessoas investigadas relacionados à aprovação da MP”. O advogado Roberto Podval, que defende Mauro Marcondes Machado, disse que a denúncia repete imputações já feitas pelo MPF em outra ação contra seu cliente. “Há um excesso de acusação.”

Já a defesa de José Ricardo da Silva afirmou, em nota, que só vai se pronunciar depois de citada, caso a denúncia seja aceita pela Justiça e aberta uma ação penal. A advogada Carla Domênico, de Paulo Arantes Ferraz, disse que ainda não pode comentar a acusação do MPF, pois não teve tempo de examiná-la integralmente.

O advogado Daniel Gerber, que representa Alexandre Paes dos Santos, afirmou ter “a mais absoluta convicção” de que a denúncia é fruto de um “Estado acusatório”, e não do efetivo envolvimento de seu cliente em ilícitos.

 

Denúncia. Ex-presidente teria negociado R$ 6 milhões para ‘acelerar’ MP; petista nega acusação da Procuradoria

 

Recurso

A defesa de Lula protocolou ontem recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) contra a condenação do ex-presidente por corrupção passiva pelo juiz federal Sérgio Moro.

 

PONTOS-CHAVE

As frentes contra o ex-presidente

Operação Janus

Lula é réu por corrupção, lavagem, organização criminosa e tráfico de influência, sob acusação de atuar no BNDES por interesses da Odebrecht em Angola.

 

Operação Zelotes

Petista também é réu acusado de receber R$ 2,5 milhões de lobistas em caso relativo à prorrogação de incentivos a montadoras e à compra de caças suecos.

 

Operação Lava Jato

Ex-presidente é réu nos casos do sítio em Atibaia e de recebimento de propina da Odebrecht. Na ação do triplex foi condenado pelo juiz Sérgio Moro.

 

 

 

 

 

 

Advogado deixa defesa de petista

Por: Luiz Vassallo / Julia Affonso

O advogado José Roberto Batochio deixou a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em casos que envolvem o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil nos governos Lula e Dilma Rousseff). O criminalista defendeu Palocci na Lava Jato.

Em maio, Batochio deixou a defesa do ex-ministro, que negocia uma delação premiada. Na quarta-feira passada, Palocci, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, acusou Lula. Batochio defende Palocci em processos fora da Lava Jato./ LUIZ VASSALLO e JULIA AFFONSO

 

 

 

 

 

 

Janot pede arquivamento de inquérito contra peemedebistas

Investigação apurava tentativa de obstrução à Lava Jato e tinha como base gravações feitas por Sérgio Machado

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, atendeu à recomendação da Polícia Federal e pediu arquivamento de inquérito que apurava obstrução à Lava Jato pelos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR) e pelo ex-presidente José Sarney (PMDB-MA). A investigação tinha como base áudios gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em conversa com os peemedebistas.

Em um dos diálogos, Jucá afirma ser necessário “mudar o governo para estancar essa sangria”. A declaração foi interpretada como uma referência ao avanço da Operação Lava Jato. As gravações vieram a público em maio do ano passado e Jucá, então ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, deixou o cargo.

Em outra gravação feita por Machado, Renan, então presidente do Senado, fala sobre a necessidade de regulamentar a delação premiada. Já Sarney diz prever que uma delação da Odebrecht teria o efeito de uma “metralhadora ponto 100”.

Em relatório ao Supremo Tribunal Federal sobre os áudios entregues pelo ex-presidente da Transpetro, a PF sustentou que não há como comprovar o cometimento de crimes por parte do ex-presidente e dos senadores. A delegada Graziela Machado da Costa e Silva afirmou ainda que Machado não “merecia” os benefícios da delação porque “a colaboração mostrou-se ineficaz”.

Para Janot, em decorrência das gravações e dos depoimentos de Machado, “sabe-se que os eventuais projetos de lei apresentados por vezes sob roupagem de aperfeiçoamento da legislação terão verdadeiramente por fim interromper as investigações de atos praticados por organização criminosa”. No entanto, segundo ele, “tais atos não são penalmente puníveis”. “Não houve prática de nenhum ato concreto além da exteriorização do plano delitivo. Assim, não há de falar em tentativa.”

A defesa de Machado afirmou que, no pedido de arquivamento, o próprio Janot “reafirma a validade das provas apresentadas pelo colaborador e a gravidade dos fatos; e que o plano de obstrução só não foi adiante porque veio a público”.

Renan disse que a decisão era esperada, “já que a PF não detectou qualquer ilícito” na conduta do senador. “Essa acusação foi uma irresponsabilidade. É evidente o constrangimento causado por denúncias políticas sem critérios legais, despidas de provas e indícios que justifiquem a sua instauração.”

As defesas de Jucá e Sarney não foram localizadas. / BRENO PIRES, RAFAEL MORAES MOURA e L.V.

 

Decisão

“Não houve prática de nenhum ato concreto além da exteriorização do plano delitivo. Assim, não há de falar em tentativa.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

 

 

 

 

Eike propõe pagar multa de R$ 55 milhões em acordo de delação

Colaboração está para ser homologada no STF; valor seria ‘ressarcimento’ por propinas pagas a agentes públicos pelo empresário
Por: Constança Rezende

 

Constança Rezende / RIO

 

O empresário Eike Batista ofereceu o pagamento de multa de cerca de R$ 55 milhões à Justiça no acordo de delação premiada que está para ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal nas próximas semanas. O valor seria uma espécie de “ressarcimento” por toda a propina que Eike teria pago a agentes públicos. A Lava Jato do Rio identificou, na Operação Eficiência, que Eike teria repassado US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), supostamente para obter vantagens indevidas nos negócios.

O valor do ressarcimento prometido por Eike será mais alto do que a fiança de R$ 52 milhões que pagou à 7.ª Vara Federal Criminal do Rio. O empresário tem ainda R$ 88 milhões em espécie, além de imóveis e carro, bloqueados em outros processos, que correm na 3.ª Vara Federal Criminal do Rio. O fundador do Grupo X cumpre prisão domiciliar e está afastado da administração direta de seus negócios. No seu interrogatório na Justiça no fim de julho, Eike não quis responder se havia pago propina ao ex-governador.

“Quero colaborar 100% com a Justiça. É o meu dever. Sobre essa questão (suposto pagamento de propina a Cabral), a recomendação dos meus advogados neste instante é ficar em silêncio”, disse ele na ocasião ao juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal. Já Cabral declarou a Bretas que a única vez em que pediu ao empresário recursos de seu “interesse pessoal” foi em 2010, supostamente para a campanha daquele ano. Segundo o peemedebista, ficou acertado em reunião na casa de Eike um pagamento entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões. Cabral negou, no entanto, ter recebido propina do empresário.

A delação de Eike está para ser homologada, nas próximas semanas, pelo STF. O processo corre do Tribunal por causa do foro privilegiado que alguns delatados por Eike têm.

O advogado de Eike, Fernando Martins, disse que só se pronunciará oficialmente após a homologação do acordo. Já a força-tarefa da Lava Jato no Rio afirmou que “não comenta delações”.

 

 

 

 

 

Procuradoria quer investigação contra Pezão

Por: Rafael Moraes Moura / Breno Pires

 

BRASÍLIA

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que abra um inquérito para investigar o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Caberá agora ao ministro Luis Felipe Salomão decidir se atende ou não ao pedido de Janot.

Segundo o Estadão/Broadcast apurou, o pedido de investigação formulado pelo procurador-geral da República tem como base delações premiadas de ex-executivos da Odebrecht.

No acordo de delação premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, o ex-executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa Júnior, o BJ, disse que o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) negociou com a empreiteira mais de R$ 20 milhões, via caixa 2, para a campanha de Pezão em 2014.

De acordo com BJ, o montante faz parte do total de R$ 120 milhões que a empresa teria repassado ilegalmente a Cabral e a Pezão desde 2006.

 

Defesa. A assessoria de Pezão reafirmou que o governador “nunca recebeu recursos ilícitos e jamais teve conta no exterior” e que as “doações de campanha foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral”. / R.M.M. e B.P.