O globo, n.30850 , 23/01/2018. PAÍS, p.5

Morte de Teori: piloto insistiu no pouso

ANDRÉ DE SOUZA

 

 

Segundo relatório do Cenipa, visibilidade estava muito abaixo da recomendada

Relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) sugere que o piloto Osmar Rodrigues insistiu em pousar na pista de Paraty (RJ), na tarde de 19 de janeiro de 2017, mesmo com condições meteorológicas ruins e baixa visibilidade. Naquele dia, ele conduzia o avião que levava o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), e outras quatro pessoas. A aeronave caiu no mar, matando todos a bordo.

O relatório final do Cenipa, órgão ligado à Aeronáutica, foi divulgado ontem e também aponta a possível ocorrência de ilusões visuais que podem ter desorientado o piloto.

Teori era o relator dos processos da Operação Lava-Jato no STF, o que levou à especulação sobre uma possível sabotagem. Mas o relatório não encontrou elementos que sustentassem tal hipótese. Também não foram encontrados indícios de pane ou falhas no avião, nem problemas de saúde ou consumo de álcool e drogas pelo piloto.

De acordo com as investigações, os pilotos que operavam na região formaram um grupo informal no qual era comum tentar pousos em Paraty mesmo em condições meteorológicas ruins. Em casos assim, o correto seria escolher outro local de pouso. O avião que levava Teori, por exemplo, tinha combustível suficiente para ir até São José dos Campos (SP) ou voltar para São Paulo.

A recomendação para pistas como a de Paraty, em que o pouso é visual e feito sem auxílio de instrumentos ou torre de controle, é que haja visibilidade de 5 mil metros ou mais. O Cenipa estimou que, no momento do acidente, a visibilidade era de 1,5 mil metros. A aeronave partiu às 13h01m de São Paulo. Naquele momento, a visibilidade era boa em Paraty. Mas começou a chover e a neblina aumentou, chegando a níveis ruins na aproximação do avião.

— Naquele momento, não havia as condições mínimas de visibilidade requeridas para as operações de pouso e decolagem. Da mesma forma, o campo visual do piloto estava restrito e com poucas referências visuais no solo para sua orientação — afirmou o investigador do Cenipa, coronel aviador Marcelo Moreno.

Os dados extraídos da aeronave mostraram duas tentativas de pouso, sem êxito. Em seguida, o avião fez uma curva à direita, quando recolheu o trem de pouso e, em alguns segundos, caiu no mar.

— O curto intervalo de tempo transcorrido entre a verbalização do piloto de que iria aguardar e o início da segunda tentativa de aproximação denotou que ele desistiu de aguardar a melhoria das condições meteorológicas — afirmou Moreno.

O fato de o piloto ser experiente não impede que ele também se desoriente. Os 30 anos de trabalho na área e as constantes viagens para Paraty — foram 33 voos nos 12 meses anteriores — podem, pelo contrário, ter elevado sua autoconfiança.

O relatório também mostrou que a causa preponderante da morte do Teori e das demais pessoas a bordo foi o impacto com o mar. Afogamento, se houve, foi causa acessória.

 

FATORES PARA O ACIDENTE

 

TEMPO RUIM. A visibilidade no momento do acidente era de 1,5 mil metros. A condição mínima recomendada para pouso visual é de 5 mil metros.

ILUSÕES VISUAIS. Condições favoreciam a desorientação espacial do piloto.

EXCESSO DE AUTOCONFIANÇA. A experiência do piloto no aeródromo de Paraty pode ter levado-o a operar mesmo em condições climáticas ruins.

DESAFIO. Costume entre os pilotos da região de pousar mesmo em condições ruins. O piloto deveria ter escolhido outro local de pouso, como São José dos Campos (SP).

HIPÓTESES DESCARTADAS. Sabotagem, falhas no avião e problemas de saúde do piloto.

RECOMENDAÇÕES À ANAC. Fomentar uma cultura na aviação executiva que valorize os requisitos mínimos de segurança; enfatizar, durante a formação do piloto civil, os riscos decorrentes das ilusões e da desorientação espacial.