O globo, n.30850 , 23/01/2018. ECONOMIA, p.15

ROMBO HISTÓRICO NA PREVIDÊNCIA

GERALDA DOCA

DEBORA BERGAMASCO

 

 

Déficit chega a R$ 268,7 bilhões, e freio a indicações políticas ameaça aprovação da reforma

Faltando um mês para a votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, marcada para o dia 20 de fevereiro, o governo informou, ontem, que as contas dos regimes de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado (INSS) e dos servidores públicos federais fecharam 2017 com um rombo histórico de R$ 268,7 bilhões. O déficit teve um salto de R$ 42 bilhões em relação ao ano anterior. Segundo fontes ligadas à Presidência da República, a missão de aprovar a reforma em fevereiro não é impossível, mas foi dificultada pelo surgimento de dois fatores recentes: o freio nas indicações políticas, com a adoção de critérios técnicos na nomeação de vice-presidentes da Caixa Econômica, e a vacância no Ministério do Trabalho, causada pela disputa judicial que impede a posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ). São cargos que precisariam ser preenchidos nas negociações entre o Executivo e o Congresso. Outro problema é o temor de parlamentares aprovarem uma medida impopular em um ano eleitoral.

O desequilíbrio dos regimes previdenciários, anunciado com destaque ontem pela manhã — esses números não costumam ser divulgados em entrevista coletiva, apenas pela internet — pelo secretário de Previdência, Marcelo Caetano, foi citado por vários integrantes do Executivo, no decorrer do dia, na tentativa de chamar a atenção sobre a necessidade da reforma. O Palácio do Planalto continua com dificuldade e ainda não tem os 308 votos exigidos para aprovar as mudanças. Pelas contas do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, ainda faltam 50 votos. Porém, o governo já decidiu que vai para o “tudo ou nada” em fevereiro. Colocará a matéria em votação, mesmo correndo o risco de perder.

Com os parlamentares em recesso, o governo trabalha com a contagem de votos realizada no fim de dezembro, que apontava para 267 votos favoráveis. Um novo mapa será montado nas próximas semanas. O entendimento do governo é que, se a reforma não for aprovada em fevereiro na Câmara dos Deputados, ficará para o próximo presidente.

Na tentativa de acertar o passo, o presidente Michel Temer se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, no domingo. Segundo interlocutores, nas conversas, Temer procurou fechar com Maia “um discurso otimista” em torno da proposta. É preciso uma integração entre o Planalto e a presidência da Câmara, destacou a fonte.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, disse que a reforma será votada no dia 20 de fevereiro e assegurou que o governo terá os votos necessários até lá.

— Os números estão aí. A reforma não será para este governo, mas para o próximo, e, se nada for feito, haverá corte dos benefícios, e os servidores públicos federais terão dificuldade para receber seus salários em dia — emendou o ministro.

Em 2017, o sistema de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado registrou déficit de R$ 183,9 bilhões (considerando a inflação). Isso representou alta de 18,7% em relação a 2016, quando o rombo foi de R$ 155 bilhões. Já o regime próprio (dos funcionários públicos federais e militares) apresentou déficit de R$ 86,3 bilhões — elevação de 11,9% na comparação com o rombo de 2016.

Somando os dois regimes, o rombo chegou a R$ 268,7 bilhões em 2017 (em valores nominais). No ano anterior, o déficit foi de R$ 226,8 bilhões. Ou seja, o buraco aumentou quase R$ 42 bilhões em um ano. Só para se ter uma ideia, este valor seria suficiente para manter todos os ministérios, com exceção da própria Previdência, Saúde e Educação.

 

REDUÇÃO NO VALOR DAS APOSENTADORIAS

Ao detalhar os números, Caetano disse que os resultados reforçam a necessidade de aprovação da reforma da Previdência. Ele destacou que, se a proposta não for votada este ano, será necessário fazer uma mudança mais drástica e revendo, inclusive, o conceito de direito adquirido, o que pode levar à redução no valor das aposentadorias:

— A gente observa que o déficit da Previdência vem crescendo num ritmo muito acentuado e num sistema muito desigual. É necessário fazer uma reforma para quebrar privilégios, para dar tratamento mais igualitário e obter as economias por meio das pessoas de renda mais alta, preservando os benefícios das de renda mais baixa.

Ele alertou que as despesas com benefícios vêm crescendo em ritmo superior às receitas e que a tendência é que os déficits aumentem por causa do envelhecimento da população. Os déficits crescem tanto em termos nominais quanto em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB), observou. Só no caso do INSS, o rombo, que era equivalente a 1% do PIB em 2014, passou a 2,8% no ano passado.

O vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP) recebeu de Temer a missão de reiniciar a contagem dos votos assim que desembarcar no Brasil com a comitiva presidencial, em viagem à Suíça para o Fórum Econômico Mundial em Davos, já na noite de quinta-feira 25. Ainda durante o recesso parlamentar, Temer quer que sua tropa de choque entre em campo para angariar votos favoráveis antes do retorno dos congressistas a Brasília, no início de fevereiro. A ideia é preparar o terreno para que, já no dia 6 de fevereiro, a Câmara inicie as discussões.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, está encarregado de voltar a receber em seu gabinete parlamentares e continuar oferecendo argumentos — ou seja, emendas e cargos — na tentativa de convencê-los a aderir à pauta governista. Líderes como os deputados André Moura (PSC-SE) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) também devem ser incorporar à força-tarefa. O próprio Temer vai se empenhar em reuniões com presidentes dos partidos, líderes e ministros com cargo político para fazer o trabalho de convencimento.