O globo, n.30846 , 19/01/2018. PAÍS, p. 3

DE VOLTA A CURITIBA

CLEIDE CARVALHO

JULIANA CASTRO

MARCO GRILLO

RAFAEL SOARES

 

 

 

Cabral é transferido após regalias; para procurador, ‘chefe de estado não será chefe de cadeia’

O ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) passou a noite de ontem na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, longe dos privilégios que o Ministério Público diz que foram oferecidos a ele no sistema prisional do Rio. A expectativa é que hoje ele seja levado ao Complexo MédicoPenal de Pinhais, penitenciária na Região Metropolitana da cidade, onde estão outros presos da Operação Lava-Jato. Em dezembro de 2016, Cabral já ficara preso por poucos dias na capital paranaense, mas a decisão que o mantinha distante do estado que governou entre 2007 e 2014 logo foi revertida.

Em seu novo endereço, o peemedebista dividirá uma cela de 12 metros quadrados com mais dois presos. O espaço tem três camas, um vaso, um tanque e fica numa galeria com outros 54 detentos, que compartilham quatro chuveiros.

Em outra consequência das regalias, o juiz Eduardo Antônio Klausner, da 7ª Vara de Fazenda Pública, determinou o afastamento imediato do secretário de Administração Penitenciária, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, e de outros cinco dirigentes da secretaria: um subsecretário e os diretores e subdiretores dos presídios de Bangu 8 e Benfica.

A transferência do ex-governador foi determinada por dois despachos: um do juiz Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná, e outro da juíza Caroline Vieira, da Justiça Federal do Rio, substituta da Vara em que atua o juiz Marcelo Bretas. Os pedidos foram feitos por procuradores do Ministério Público Federal (MPF) em ambos os estados — como revelado ontem pelo GLOBO —, que, por sua vez, tomaram como base um relato do Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) sobre as regalias a que Cabral teve direito nos dois presídios pelos quais passou no Rio: Bangu 8 e a cadeia de Benfica.

— (Cabral) Foi chefe de estado, não será chefe de cadeia — afirmou o promotor Mateus Picanço Pinaud, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP-RJ.

 

BIBLIOTECA PARA CABRAL

Representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário foram taxativos sobre a influência que o ex-governador exercia sobre quem deveria controlar o sistema carcerário, conquistando benefícios irregulares. Para os promotores do Rio, a estrutura prisional foi “moldada” e “adaptada” ao gosto de Cabral. A avaliação é baseada na discrepância entre as condições oferecidas a ele e a realidade das outras prisões: visitas fora de hora, livre circulação, recebimento de encomendas sem análise prévia e escolta de agentes penitenciários são alguns dos exemplos. Houve também a tentativa de instalação de um home theater, cujo termo de doação os investigadores dizem que foi forjado por Cabral. O plano não foi concretizado porque o assunto foi publicado pela imprensa.

— Desde novembro de 2016 (quando Cabral foi preso), o sistema prisional do Rio passou a se moldar para atender às necessidades de um preso, criando privilégios que ferem a isonomia que se encontra na Lei de Execuções Penais e no Código de Processo Penal — acrescentou a promotora Andréa Amin.

Para a juíza Caroline Vieira Figueiredo, o ex-governador exerce “controle, quiçá comando” no presídio de Benfica. Já Moro destacou as “relevantes conexões” de Cabral com autoridades do Rio e o consequente “risco concreto” de que as conexões proporcionem as regalias.

Outro possível exemplo da influência foi o esvaziamento da biblioteca de Bangu 8 depois que Cabral saiu de lá — todo o material foi transferido, junto com ele, para Benfica. O ex-governador passa a maior parte do dia justamente na biblioteca, onde trabalhava para ter direito à remição de pena.

— Em Bangu 8, hoje existem presos idosos cumprindo pena e há possibilidade de remição por leitura. Se tiver que escolher uma unidade prisional para instalar biblioteca, por uma questão de lógica, (a Secretaria de Administração Penitenciária) teria que optar por uma unidade com presos cumprindo pena, não presos provisórios (caso de Benfica) — destacou Andréa Amin.

O procurador Leonardo Cardoso Freitas, da forçatarefa da Lava-Jato no Rio, enfatizou o poder que Cabral ainda mantém:

— A organização criminosa chefiada pelo senhor Sérgio Cabral segue viva e exercendo sua influência nas entranhas do Estado do Rio.

O advogado do ex-governador, Rodrigo Roca, negou possíveis privilégios em Bangu 8 ou Benfica. O defensor deve recorrer hoje das duas decisões que determinaram a transferência para Curitiba. Caso a discussão chegue ao Supremo Tribunal Federal (STF), é possível que haja um impasse: o ministro responsável pelos casos da Lava-Jato do Paraná é Edson Fachin, enquanto os recursos relativos ao braço da operação no Rio são analisados por Gilmar Mendes. (Colaborou Matheus Meyohas)