Correio braziliense, n. 19874, 21/10/2017. Política, p. 04.

 

"Crime não é cometido no céu"

21/10/2017

 

 

O juiz Sérgio Moro, da Operação Lava-Jato, disse que “crimes não são cometidos no céu”. Na sentença em que impôs 13 anos e oito meses de reclusão para o suposto operador de propinas do PMDB Jorge Luz, o juiz mandou um recado em defesa das delações premiadas: “Em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos. Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas, isso sim reprovável.”

As delações têm sido criticadas por advogados, juristas e também ministros desde o estouro da Lava-Jato. Eles falam em “excesso” de delação premiada na maior investigação já realizada no país. Moro reportou-se a Piercamilo Davigo, um dos membros da equipe de Milão que integrou a Operação Mãos Limpas, que inspirou a deflagração da Lava-Jato. “A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais.”

Além de Jorge, o juiz condenou Bruno Luz — filho do operador — a seis anos e oito meses. Outros cinco réus foram condenados na mesma ação por propinas de US$ 35 milhões sobre contratos da Petrobras. “É certo que a colaboração premiada não se faz sem regras e cautelas, sendo uma das principais a de que a palavra do criminoso colaborador deve ser sempre confirmada por provas independentes e, ademais, caso descoberto que faltou com a verdade, perde os benefícios do acordo.”

Acordos

Moro disse que, como condição dos acordos com delatores, o Ministério Público Federal “exigiu o pagamento pelos criminosos colaboradores de valores milionários na casa de dezenas de milhões de reais”. Ele citou o lobista Julio Gerin de Almeida Camargo, que se comprometeu com indenização de R$ 40 milhões, e Eduardo Costa Vaz Musa, ex-gerente da Petrobras, que acertou a devolução de US$ 3,2 milhões e multa de R$ 4,5 milhões.

O juiz apontou, ainda, para um ex-diretor de Internacional da Petrobras e o lobista do PMDB Fernando Falcão Soares. “A nenhum dos colaboradores foi ofertado perdão judicial, sendo que vários tiveram de cumprir tempo de prisão em regime fechado, como é o caso de Nestor Cuñat Cerveró e Fernando Antônio Falcão Soares. Certamente, por conta da colaboração, não recebem sanções adequadas a sua culpabilidade, mas o acordo de colaboração pressupõe necessariamente a concessão de benefícios.”

Moro anotou que “muitas das declarações prestadas por acusados colaboradores precisam ser profundamente checadas, a fim de verificar se encontram ou não prova de corroboração”.

Sem registros no hospital
Após novo pedido do juiz federal Sérgio Moro, o hospital Sírio-Libanês voltou a comunicar que não encontrou registros de entrada no local do compadre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, no segundo semestre de 2015. As provas do comparecimento do advogado à instituição de saúde haviam sido solicitadas pela defesa de Glaucos da Costamarques, apontado como suposto laranja do petista para o recebimento de propinas da Odebrecht por meio de dois imóveis. Segundo o empresário, que é primo de José Carlos Bumlai, ele foi visitado por Teixeira — enquanto esteve internado — um dia antes de receber o contador João Muniz Leite para assinar recibos de pagamento do aluguel de um dos imóveis referentes ao ano de 2015.

A Lava-Jato sustenta que o apartamento vizinho à residência do ex-presidente Lula, em São Bernardo do Campo, de número 121, no edifício Hill House, no valor de R$ 504 mil e o terreno onde seria sediado o Instituto Lula, em São Paulo — R$ 12 milhões — foram bancados pela Odebrecht como forma de propinas oriundas de contratos com a Petrobras. De acordo com os procuradores e os executivos da construtora, a empresa DAG Engenharia e Glaucos da Costamarques foram utilizados para maquiar a titularidade dos imóveis.

A defesa do ex-presidente alega que Lula pagou pelo aluguel do apartamento e que não aceitou o imóvel para a sede do instituto. Já a Lava-Jato afirma, em denúncia, que o presidente nunca pagou os aluguéis do imóvel vizinho à sua residência, no edifício Hill House. Lula entregou recibos ao juiz Sérgio Moro do pagamento dos aluguéis. Dois comprovantes apresentam datas que não existem. Parte dos documentos ainda apresenta os mesmos erros de ortografia. O Ministério Público Federal abriu investigação sobre a autenticidade dos recibos.