O globo, n.30854 , 27/01/2018. PAÍS, p.4

LULA JÁ ESTÁ SEM PASSAPORTE E NA LISTA DE IMPEDIDOS DE SAIR DO PAÍS

Dimitrius Dantas

Gustavo Schmitt

André de Souza

Daniel Gullino

 

 

 

Defesa recorre e sustenta que viagem à Etiópia tinha teor ‘humanitário’

Um dia depois de afirmar que não tem razão para respeitar a condenação em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ontem seu passaporte à Justiça. O documento foi levado à Superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo pelo advogado Cristiano Zanin Martins, atendendo à determinação do juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara do Distrito Federal. A defesa do petista apresentou recurso para reaver o passaporte, que é diplomático por se tratar de um ex-presidente da República.

Horas depois da entrega do documento e em outra instância judicial, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator dos casos da Lava-Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), negou um pedido feito por advogados de São Paulo e Paraná para que Lula fosse impedido de viajar para o exterior. Segundo Gebran, a ação era “despropositada” porque foi proposta por quatro advogados de São Paulo e Paraná, que não representam ninguém no processo em que Lula foi condenado.

A decisão de Gebran faz parte da ação do tríplex do Guarujá e não tem efeito sobre o despacho do juiz Leite, que determinou o sequestro do passaporte no processo que investiga, em Brasília, o ex-presidente por suposto tráfico de influência na compra dos caças suecos da Saab para a Força Aérea.

Segundo a PF de São Paulo, o documento seria enviado para Brasília, e o nome do expresidente foi incluído no sistema de cidadãos impedidos de deixar o país. Ao deixar o prédio da PF, o advogado Zanin disse que Lula discordava da decisão, mas sereno. Ele disse que havia tido um contato prévio com a PF para combinar como seria a entrega do passaporte do petista.

— O presidente está sereno, mas evidentemente existe a indignação de todo cidadão que passa por uma restrição indevida de seus direitos — disse o advogado de Lula, que continuou: — Nossa indignação vai se dar pela via recursal. Vamos definir qual será a estratégia e isso será apresentado no tribunal no momento oportuno.

 

DEFESA: VIAGEM “HUMANITÁRIA”

Ao pedir a devolução do passaporte de Lula, a defesa também pede para que o nome do petista seja retirado do Sistema de Procurados e Impedidos. No pedido de habeas corpus, os advogados fazem referência ao evento ao qual o petista pretendia comparecer hoje na Etiópia, para dizer que uma suspensão da medida contribuiria com a “causa humanitária de se combater a subnutrição e a fome de milhões de crianças espalhadas pelo globo”. Eles dizem que o magistrado “extrapolou sua competência funcional” ao tomar uma decisão “sem qualquer fundamento em fatos concretos”.

A proibição foi determinada atendendo a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que argumentou que havia risco de fuga, porque Lula responde a diversas ações penais e acaba de ter uma condenação em segunda instância. Os procuradores cogitaram até que ele poderia ser preso, mas preferiram solicitar apenas medidas cautelares. Registraram, no entanto, que se o juiz entendesse que isso não seria suficiente para evitar o risco de fuga, ele poderia de ofício, ou seja, por conta própria, decretar a prisão preventiva.

“A rigor, os fatos aqui mencionados justificariam a decretação de prisão preventiva para fins de garantia da aplicação da lei penal”, argumentaram os procuradores. Mas depois sustentaram que bastaria a apreensão do passaporte e a proibição de deixar São Bernardo do Campo (SP), onde o ex-presidente mora, sem autorização da justiça. Ricardo Leite concordou com o primeiro pedido, mas negou o segundo.

“Finalmente, caso Vossa Excelência entenda que as medidas cautelares aqui requeridas não são suficientes para a garantia da aplicação da lei penal e a supressão do risco de fuga do réu, registra o MPF que as medidas cautelares criminais, inclusive a prisão preventiva, podem ser decretadas de ofício pelo juízo, como permite, expressamente, o art. 311 do Código de Processo Penal. Dessa forma, deve Vossa Excelência avaliar qual medida cautelar é suficiente e mais adequada para os fins previstos na legislação, considerando os fatos narrados na presente petição”, escreveram os procuradores. (Dimitrius Dantas, Gustavo Schmitt, André de Souza e Daniel Gullino)