O Estado de São Paulo, n. 45263, 20/09/2017. Internacional, p. A12.

 

Trump fala em destruir Coreia do Norte

Cláudia Trevisan

20/09/2017

 

 

Além de ameaçar Pyongyang, presidente americano critica Cuba, Venezuela e Irã

 

 

Donald Trump fez sua estreia na ONU com um discurso nacionalista e belicoso, no qual ameaçou “destruir totalmente” a Coreia do Norte, atacou os governos do Irã, Venezuela e Cuba e fez uma defesa enfática de Estados soberanos fortes. “A Coreia do Norte tem de reconhecer que a desnuclearização é seu único futuro aceitável”, disse Trump, que se referiu ao ditador Kim Jong-un como “homem-foguete em missão suicida”.

As palavras “multilateralismo” e “negociação” não foram mencionadas no pronunciamento de 40 minutos, que também ignorou o meio ambiente e o Acordo de Paris sobre mudança climática. “Soberania” ou “soberano” apareceram 21 vezes. Patriotismo ou patriota, cinco.

Entretanto, ao mesmo tempo em que promoveu o respeito às diferenças entre países e à soberania, ele defendeu mudanças políticas fundamentais nos países que atacou. “O flagelo de nosso planeta hoje é um pequeno número de regimes párias que violam cada princípio sobre o qual a ONU se baseia”, afirmou.

Seu principal alvo foi a Coreia do Norte, que acelerou nos últimos meses seus testes nucleares e de mísseis. “Os Estados Unidos tiveram muita força e paciência, mas se forem forçados a se defender ou defender seus aliados, não teremos outra a escolha que destruir totalmente a Coreia do Norte”, afirmou.

Trump afirmou que o acordo nuclear com o Irã é “embaraçoso” e indicou que poderá abandoná-lo. Fechado em 2015, durante a presidência de Barack Obama, o pacto suspendeu sanções contra Teerã em troca do congelamento ou reversão de elementos de seu programa nuclear.

“É passado o tempo de nações do mundo confrontarem outro regime imprudente, um que fala abertamente de assassinatos em massa, prega a morte da América, a destruição de Israel e a ruína de muitos líderes e nações nesta sala ”, disse Trump, em referência ao Irã.

 

Venezuela. Apesar de exaltar a soberania, o presidente americano defendeu uma mudança de regime na Venezuela. “O objetivo é ajudá-los a resgatar sua liberdade, recuperar seu país e restaurar sua democracia”, afirmou Trump. “O povo venezuelano está faminto e seu país está em colapso. Suas instituições democráticas estão sendo destruídas. Essa situação é completamente inaceitável e nós não podemos ficar indiferentes”, declarou.

Sobre Cuba, o presidente americano afirmou que o país é governado por um regime “corrupto e desestabilizador” e lembrou sua decisão de abandonar a política de reaproximação com a ilha, outra herança de Obama. “Nós não levantaremos sanções contra o governo de Cuba enquanto ele não implementar reformas fundamentais.”

Em sua estreia no plenário da ONU, Trump promoveu uma visão de mundo dominada pela primazia do Estado-nação, na qual o interesse nacional está acima de imperativos globais. Sua sugestão aos líderes que o escutavam foi a adoção dos mesmos princípios que orientam sua filosofia de “América em Primeiro Lugar”, que significa a rejeição de tratados e instituições multilaterais que afetam a soberania dos países. “Nós estamos propondo um grande despertar das nações, para reviver

seu espírito, seu orgulho, seu povo e seu patriotismo.” No discurso de ontem, Trump abandonou a posição tradicional de Washington de promover valores ocidentais, como democracia e respeito aos direitos humanos.

O presidente defendeu o respeito a diferentes formas de governo e culturas e, em contradição com sua atitude agressiva em relação a Coreia do Norte, Irã, Cuba e Venezuela, o presidente americano afirmou que os EUA não tentam “impor” seu modo de vida a ninguém, mas sim “brilhar” como exemplo a ser seguido pelos demais países.

 

Força

“Os EUA têm grande força e paciência, mas, se for forçado a defender a si próprio ou a seus aliados, nós não teremos outra escolha a não ser destruir totalmente a Coreia do Norte”

Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA

 

 

RAIO X

Os principais temas abordados por Trump em seu primeiro discurso na ONU

 

Tempo dedicado ao tema

Coreia do Norte

3’15. Trump se ocupou da crise nuclear na Península Coreana na parte mais dura de seu pronunciamento. Com um tom belicoso, ele ameaçou o regime de Kim Jong-un.

 

Irã

3’40. Pouco depois de falar sobre a Coreia do Norte, Trump emendou seu discurso no Irã. Ele criticou o regime de Teerã e colocou em dúvida a eficácia do acordo nuclear

 

Cuba

24”. Cuba foi brevemente citada por Trump no discurso. O presidente criticou o país, que retomou no governo Obama as relações diplomáticas com a ilha caribenha em seu segundo mandato

 

Venezuela

3’34. A crise na Venezuela foi alvo de críticas de Trump, que chamou o regime chavista de ditadura e vinculou a atual situação do país ao fracasso do modelo socialista adotado por Nicolás Maduro

 

Multilateralismo

4’38. Trump também falou de multilateralismo e soberania das nações no discurso à ONU. O presidente voltou a dizer que sempre colocará seu país em primeiro lugar, apesar de pedir colaboração de outros países para sua agenda

 

Frases mais marcantes

Coreia do Norte

“Se os Estados Unidos forem forçados a defender a si e seus aliados, não terão escolha a não ser destruir totalmente a Coreia do Norte”

 

Irã

 

“O acordo com o Irã é um dos piores e mais desiguais já feitos pelos Estados Unidos. Francamente, é uma vergonha para o país”

 

Cuba

“Os Estados Unidos se colocam contra o regime desestabilizador e corrupto de Cuba e apoiam o sonho do povo cubano de viver em liberdade”

 

Venezuela

“O problema na Venezuela não é que o socialismo foi mal implementado, mas que foi fielmente implementado. Estamos preparados para tomar novas atitudes”

 

Multilateralismo

“Não esperamos que diversos países dividam a mesma cultura, tradição e tipos de governo. Mas esperamos que todas as nações respeitem os interesses de seu povo e os direitos de outras nações”

 

 

Pedro Costa Júnior, Faculdades Integradas Rio Branco

Coreia do Norte

“Discurso que engrossa o tom de maneira temerária, em vez de buscar o diálogo. Poderia ter usado uma aproximação com aliados, como a China, para amenizar a tensão”

 

Irã

“Crítica não parece uma medida acertada, porque é um caminho que já foi percorrido, apesar de ele não cravar a desistência do acordo”

 

Cuba

“Obsessão por destruir o legado do presidente Obama, tanto interna quanto externamente. Tanto Cuba quanto Irã se inserem nesse contexto”

 

Venezuela

“Ele teve uma reunião com latino-americanos e fala de avançar nas sanções. Não descarta uma possível intervenção. O Brasil, como líder regional, deve trabalhar contra isso”

 

Multilateralismo

“Trump joga um pouco para a torcida, para ter repercussão interna. Ele fala para a base dele, trazendo um elemento da exaltação à ‘supremacia americana’”

 

 

Gunther Rudzit, da ESPM

Coreia do Norte

“Foi uma aposta muito alta, com a qual ele tentou passar uma mensagem dura para a Coreia do Norte, mas que pode não ser vista assim”

 

Irã

“Trump segue a mesma linha da estratégia de aumentar o tom para negociar em uma posição de vantagem, mas não deve funcionar com o Irã”

 

Cuba

“Não é de se estranhar o tamanho curto do comentário sobre Cuba – algo que ele já vinha fazendo desde a campanha eleitoral, no ano passado

 

Venezuela

“A credito que o tema Venezuela entrou por último nas preocupações recentes da presidência americana, não é uma das preocupações centrais de Trump”

 

Multilateralismo

“É uma certa contradição dizer que coloca os Estados Unidos em primeiro e pedir cooperação de outros países da comunidade internacional para seus projetos geopolíticos”