O globo, n.30839 , 12/01/2018. ECONOMIA, p.18

Decisão judicial ameaça planos de privatização da Eletrobras este ano

MANOEL VENTURA

 

 

Governo pretende arrecadar R$ 12,2 bi com leilão e vai recorrer

 

Juiz federal diz que medida ‘atinge, de forma direta, o patrimônio público nacional, permitindo a alienação de todas as empresas públicas do setor elétrico para a iniciativa privada’

-BRASÍLIA- Os planos do governo federal de concluir, ainda em 2018, a privatização da Eletrobras sofreram um revés, ontem, que pode colocar em risco o cronograma previsto para o processo e ameaçar uma arrecadação de R$ 12,2 bilhões. O juiz Cláudio Kitner, da 6ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, decidiu suspender os efeitos de um artigo da medida provisória (MP) 814 que autoriza a venda da estatal e de suas subsidiárias. O governo informou que vai recorrer.

A medida provisória foi publicada pelo presidente Michel Temer no fim de dezembro. Ela retira de uma lei que trata do setor elétrico a proibição de privatizar a Eletrobras e as suas controladas — Furnas, Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ), Eletronorte, Eletrosul e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).

O governo anunciou, em agosto de 2017, um plano para privatizar a Eletrobras até o fim deste ano. O modelo proposto pelo governo, que prevê a diluição da participação da União por meio de um aumento de capital, precisa passar pelo Congresso. Antes de enviar esse projeto, porém, o governo editou a MP 814 para permitir que a estatal contrate os estudos necessários para a privatização, com o objetivo de agilizar o processo e concluir a operação ainda em 2018.

A medida provisória, além de retirar da lei a proibição para privatizar a holding Eletrobras, trouxe mudanças legais para viabilizar a venda da seis distribuidoras de energia da empresa que operam no Norte e no Nordeste do país. O juiz de Pernambuco não suspendeu os demais artigos da MP, que tratam das distribuidoras.

 

EDIÇÃO ‘NO APAGAR DAS LUZES’

Na decisão, o juiz federal Cláudio Kitner questiona a utilização de MP como instrumento para incluir a Eletrobras e suas controladas no Programa Nacional de Desestatização (PND). “É indubitável que a medida adotada pelo governo federal atinge, de forma direta, o patrimônio público nacional, permitindo a alienação de todas as empresas públicas do setor elétrico para a iniciativa privada”, escreveu.

A decisão foi tomada em uma ação popular apresentada por Antonio Ricardi Accioly Campos, irmão do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em acidente aéreo em 2014.

O juiz afirma que a MP foi editada “no apagar das luzes” do ano de 2017: “Fica patente, pois, que o artifício utilizado pelo chefe do Poder Executivo para concretizar sua política pública, se não lesa diretamente o patrimônio, porque estudos mais aprofundados não estão por ora a demonstrar, esbarra de forma violenta no princípio da moralidade, tutelado pela ação popular”.

O governo avalia que tem elementos para caracterizar a urgência na discussão, uma vez que, se o processo não for concluído neste ano, haveria graves consequências fiscais para o governo e dificuldades para a própria Eletrobras. A privatização é fundamental para o governo fechar as contas em 2018.

O desenho feito pelo governo prevê que, após a capitalização, a Eletrobras pagará ao Tesouro um bônus de outorga em troca de uma melhoria nas condições dos contratos de suas hidrelétricas, que hoje praticam preços abaixo do mercado. O governo diz que a proposta visa a recuperar a competitividade da Eletrobras, que acumulou prejuízos entre 2012 e 2015, após mudanças legislativas promovidas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff para reduzir as tarifas de energia.

O Ministério de Minas e Energia (MME) informou que vai recorrer da liminar. Ressaltou, em nota, não ter sido ouvido previamente pela Justiça.

“O MME esclarece que não foi ouvido previamente na decisão e que está apresentando a manifestação legal confiando na sua consistência e reversão da decisão citada”, diz o comunicado.

 

‘SUBSTANCIAL GANHO’, DIZ MME

Na nota, a pasta afirma que a intenção de revogar o dispositivo legal que retirou a Eletrobras do Programa Nacional de Desestatização é permitir, “com plena segurança”, a contratação e o início de estudos sobre a situação econômica e financeira da empresa. Segundo o texto, isso vai permitir “substancial ganho” no cronograma da privatização, “com vista a concluí-la no ano de 2018”.

“O MME reitera que o detalhamento que será encaminhado ao Congresso Nacional reconhece que a União, como controladora majoritária, não tem a condição de prover os recursos que a empresa necessita para preservá-la como uma corporação brasileira, conciliando competitividade, valorização da empresa e desoneração dos contribuintes, evitando o desperdício de recursos públicos escassos no pagamento de ineficiências, e beneficiando os consumidores pela promoção e inovação no setor elétrico”, finaliza a nota.