Correio braziliense, n. 19859, 06/10/2017. Política, p. 3

 

Nova forma de fazer campanha

Guilherme Mendes 

06/10/2017

 

 

A reforma política “possível”, nas palavras de alguns dos congressistas envolvidos na votação, seguiu para sanção presidencial. Alvo de polêmica pelo alto valor, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, regulamentado pela Câmara dos Deputados, deve se tornar, a partir de 2018, a matriz das campanhas eleitorais — uma vez que doações de empresas, antigo pilar das campanhas majoritárias, continuam proibidas.

O fundo usará dinheiro das chamadas “emendas impositivas”, dispositivo criado em 2015 que obriga o governo a pagar despesas específicas da Lei Orçamentária, e da compensação fiscal dada pelo TSE aos canais de rádio e televisão pelos programas partidários que são veiculados entre os períodos eleitorais —- que serão extintos a partir de agora. O valor, que nos primeiros rascunhos da lei tinha sido avaliado em R$ 3,6 bilhões, agora deve ficar em torno de R$ 1,7 bilhão.

Em uma época de política econômica austera e rombo nas contas públicas, um plano de financiamento quase que totalmente público causa incertezas. “Vai ter que achar um buraco no Orçamento”, analisa o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília. “Já estão entrando algumas receitas extraordinárias, como a do BNDES, e, com as privatizações, talvez possa ser possível equilibrar tais gastos. Mas não sei se vai ser possível manter os R$ 159 bilhões de deficit.”

A quantia acirrou o debate entre os parlamentares durante a votação na Câmara, mas foi aceita com resignação por parte da Casa. “É muito para quem vai pagar — o povo brasileiro — e é pouco para quem vai receber”, afirmou o relator da proposta, o deputado Vicente Cândido (PT-SP).

Outra mudança significativa pode mudar a cultura do brasileiro em relação aos candidatos: pela primeira vez, uma lei regulamenta o financiamento coletivo na internet, o chamado crowdfunding. A proposta teve bons exemplos no exterior — a candidatura do democrata Bernie Sanders a presidente nos Estados Unidos, em 2016, recebeu doações de 6 milhões de pessoas físicas, em um valor médio de R$ 85. No Brasil, a proposta pode agradar a partidos como o Novo (que tomou como política não usar fundos públicos em sua campanha) e candidatos em eleições proporcionais.

Apesar da aprovação do fundo bilionário, o teto de gastos nas campanhas estabelece limites mais rigorosos nos gastos para eleição de um candidato. Em 2018, cada campanha presidencial poderá custar R$ 70 milhões no máximo — valor que poderá aumentar em 50% para quem for ao segundo turno —, o que tornará as candidaturas bem diferentes das de 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff gastou R$ 384 milhões na disputa pela reeleição.

À época, o financiamento de campanhas por empresas era permitido, o que inflacionou os valores a níveis inéditos e abriu um debate sobre a interferência de empresas em processos eleitorais, o que culminou com a decisão de proibir a doação por pessoas jurídicas nas eleições de 2016.

Outras metas de gasto serão definidas proporcionalmente, de acordo com a população de cada unidade da Federação. No caso do Distrito Federal e seus três milhões de habitantes, os candidatos a governador não podem gastar mais de R$ 5,6 milhões; senadores poderão usar até R$ 3 milhões, R$ 2,5 milhões entre deputados federais e R$ 1 milhão para quem quer se tornar um dos 24 deputados distritais.

Barreira

Em emenda à Constituição promulgada na quarta-feira, foi adicionada uma cláusula de barreira — a primeira no processo eleitoral brasileiro em mais de uma década. Para ter acesso ao fundo partidário, os partidos terão de conseguir ao menos 1,5% dos votos em, no mínimo, nove estados. A última tentativa de diminuir o alto número de partidos em atividade no Brasil — que hoje chegam a 35 — já foi derrubada uma vez: em 2007, o ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal (STF), alegou que a proposta era severa demais, cortando 22 dos 29 partidos em atividade à época. De acordo com estimativa de deputados, a longo prazo, o número de partidos deve ser reduzido a cerca de 10.

Dentro da lei, ainda há a proibição às coligações em eleições proporcionais já em 2020. A expectativa é que isso elimine alianças antagônicas em níveis diferentes. Rivais no plano federal, nas eleições de 2016, PT e PSDB, por exemplo, se uniram em 206 campanhas para prefeito. O pacote de propostas foi avaliado, na opinião do professor David Fleischer, como “um conto de fadas”. “A reforma política é zero reforma, continua o mesmo sistema eleitoral”, afirmou.

Frase

"É muito para quem vai pagar — o povo brasileiro — e é pouco para quem vai receber”

Vicente Cândido (PT-SP), deputado, relator da reforma política na Câmara

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Avulsas sem definição

Paulo de Tarso Lyra

06/10/2017

 

 

A tese das candidaturas avulsas em disputas eleitorais avançou mais uma casa ontem e entrou, em definitivo, na pauta de deliberações do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o STF considere essa possibilidade, no entanto, ela dificilmente valerá para o pleito de 2018, pois implica uma série de mudanças legislativas. Ontem, os ministros acataram um recurso apresentado pelo advogado Rodrigo Mezzomo, que tinha sido impedido de concorrer a prefeito do Rio em 2016.

Ele teve o registro da candidatura negado e recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como não houve deliberação pela Corte Eleitoral, apresentou um recurso especial ao STF, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso. A grande batalha de ontem foi analisar se o fato de a eleição já ter acontecido e o postulante da ação não ter concorrido e, consequentemente, não ter sido eleito, tornava desnecessário o debate da ação no STF.

“Se estivéssemos discutindo a responsabilidade do Estado pela não autorização para o autor concorrer, seria outra questão”, ponderou o ministro Gilmar Mendes. Acabou acompanhado por Ricardo Lewandowski. “Temos um marco legal de 7 de outubro para promover qualquer mudança nas regras eleitorais válidas para o próximo pleito. Mesmo que tratássemos desse tema agora, não teria como colocá-lo em prática de imediato”, completou.

Barroso insistiu, afirmando que o simples fato de o requerente não ter sido eleito logicamente prejudicaria o debate. “Mas acredito que esse seja um assunto de repercussão geral e precisa ser discutido.” Venceu o embate de maneira apertada. Seis ministros seguiram a tese de Barroso e quatro se mostraram contrários a ela.

Depois, por unanimidade, os ministros aceitaram que esse assunto será debatido, sem data marcada ainda. Gilmar, contudo, deixou claro sua posição. “Eu quero externar, como já externei em uma resolução interna do TSE, que, durante a minha gestão, não há como ser implantada uma mudança dessa natureza. Existem várias questões que precisam ser definidas, como regras para o tempo de televisão e acesso ao fundo partidário.”

Gilmar Mendes deixará o TSE em fevereiro de 2018. “A não ser que queiram implementar essa mudança na gestão dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber (que sucederão Gilmar no comando do TSE e são favoráveis ao debate da candidatura avulsa). Ou surja um gênio com a ideia de extinguir a urna eletrônica e sair recolhendo os votos em saquinhos pelo país”, ironizou.

Cabe agora a Barroso definir quando o assunto será pautado novamente. “Não creio que vá demorar muito, porque já existe, inclusive, um parecer da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, favorável às candidaturas avulsas”, lembrou o juiz Eduardo Cubas, presidente da União dos Juízes Federais do Brasil (Unajuf), que tem interesse em se candidatar a governador do Distrito Federal sem precisar se filiar a legendas políticas.

Avaliação

O autor do recurso, o advogado especialista em direito eleitoral Rodrigo Mezzomo, afirmou que não se trata de uma afronta aos partidos políticos. “Eu defendo que a pessoa se filie a um partido porque ele é atraente e tem uma plataforma que a atraia. Não porque uma lei odienta, resquício da ditadura Vargas, a obriga a se filiar para concorrer nas eleições. Não podemos ser escravos dos partidos políticos”, declarou.

Para o advogado especialista em direito constitucional e eleitoral Daniel Falcão, não cabe ao STF e ao TSE debater essa questão, como apregoa Rodrigo Mezzomo. “A definição da obrigatoriedade quanto à filiação partidária está expressa na Constituição Federal. Se os legisladores fizerem uma emenda constitucional alterando esse artigo, isso se torna possível”, justificou o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da Universidade de São Paulo (USP).