Correio braziliense, n. 19877, 24/10/2017. Política, p. 04.

 

Lula sobe o tom contra a pupilia

Bernardo Bittar

24/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » O ex-presidente criticou a gestão de Dilma em entrevista a jornal espanhol e diz que o eleitorado de 2014 se sentiu traído por ela. Petista começou ontem a percorrer cidades de Minas Gerais

 

 

No dia em que deu início ao périplo por Minas Gerais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou a pupila e sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, afirmando que o eleitorado dela se sentiu traído em 2014. Desde o impeachment, o PT busca um culpado para tentar justificar as falhas do governo Dilma. Lula dá sinais, então, de que escolheu a própria ex-governante para preencher essa lacuna. Especialistas veem, no discurso do líder petista, uma oportunidade de se desvincular do nome de Dilma Rousseff, especialmente do segundo mandato dela, que culminou no fim da era PT à frente do país.

Ao jornal espanhol El Mundo Lula disse que “quando a presidente anunciou o ajuste fiscal, e o eleitorado que a havia eleito em 2014, ao qual havíamos prometido que manteríamos os gastos, se sentiu traído” — inicialmente, a publicação tinha dito que Dilma “traiu” o eleitorado, mas acabou corrigindo a frase no começo da noite. Segundo o ex-presidente, esse foi o segundo erro de Dilma. O maior de todos, na visão dele, foi ter concordado com a política de desoneração às empresas. “Começamos a perder a credibilidade. O ano de 2015 foi muito semelhante ao de 1999, quando FHC (o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso) teve uma popularidade de 8% e o Brasil quebrou três vezes. Mas o presidente da Câmara (dos Deputados) era Michel Temer e ele o ajudou. Nós tivemos o Eduardo Cunha”, disse.

Cunha foi responsável pelo andamento do processo de impeachment contra Dilma Rousseff na Câmara. E, desde a saída dela, a cúpula petista busca um culpado para atacar. Lula tomou para si esse papel e ainda disse que sempre foi leal à sua sucessora, até quando ela disputou a reeleição. “Ela tinha direito de ser reeleita. Eu pensei nisso (em se candidatar) muitas vezes, e eu sei que Dilma também. O que acontece é que eu não sou o tipo de pessoa que se arrepende”, afirmou o ex-presidente ao ser questionado se deveria ter concorrido no lugar de Dilma nas eleições de 2014.

Lula disse ainda que se candidata à Presidência aos 72 anos “porque há muita gente que sabe governar, mas não há ninguém que saiba cuidar do povo mais necessitado” como ele. “Conheço suas entranhas, como vivem, o que necessitam”, avaliou. Sobre a hipótese de ser condenado em segunda instância e ficar de fora das eleições, afirma que “ninguém é imprescindível” e que existem “milhares de Lulas”.

 

Ataques

Não é a primeira vez que dirigentes do PT atacam Dilma Rousseff. Em entrevista ao Correio, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad afirmou que “todo mundo erra e acerta” quando foi questionado se Dilma foi uma boa presidente. Segundo Haddad, “não houve, da parte do governo Dilma, a percepção de mudança estrutural da economia global. O governo dizia que tomaria medidas na suposição de que, em dois anos, a economia global retomaria o patamar pré-crise. Essa aposta que não se confirmou”.

Ainda de acordo com Fernando Haddad, Dilma onerou o orçamento público federal com medidas que, “a um só tempo, visavam combater e inflação e manter o emprego”. Assim, disse, “partiu-se de um erro de diagnóstico. Quando a Dilma se reelege, ela não tem mais gordura, aí chama o Levy (Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda) para dar um cavalo de pau. Obviamente, a oposição diante dessa vulnerabilidade sabotou o governo, e o PMDB viu a chance de chegar ao poder”.

Líder nas pesquisas de intenções de voto ao Senado em Minas Gerais, a ex-presidente Dilma Rousseff deve acompanhar Lula em parte dos compromissos da caravana que o petista fará no estado nesta e na próxima semana. A movimentação de Dilma poderia significar a intenção de voltar à política como senadora. Em Minas, estado governado pelo PT, Lula tem programadas visitas a 12 cidades. A primeira ocorreu ontem, em Ipatinga, no Vale do Aço, região da siderurgia e da indústria metal-mecânica, com um histórico de votações no partido. Segundo a assessoria de imprensa do PT, Dilma recebeu Lula no aeroporto e “eles se cumprimentaram com um abraço e um beijo”. Dilma não fez nenhum pronunciamento sobre o assunto.

 

Frase

“Começamos a perder a credibilidade. O ano de 2015 foi muito semelhante ao de 1999, quando FHC teve uma popularidade de 8% e o Brasil quebrou três vezes. Mas o presidente da Câmara era Michel Temer e ele o ajudou. Nós tivemos o Eduardo Cunha”

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República