Correio braziliense, n. 19877, 24/10/2017. Opinião, p. 15.

 

Impactos em terceiros

Francisco Turra

24/10/2017

 

 

A China é uma promessa que se cumpre ao setor de proteína animal. O sólido crescimento econômico do país tem reposicionado milhões de cidadãos em novo patamar de consumo. Com maior renda, naturalmente há uma tendência de incremento na ingestão de proteínas, em substituição aos carboidratos. E os indicadores chineses continuam promissores.

O Escritório de Estatística do país asiático indicou que a economia do gigante deve atingir a meta de crescimento deste ano, de 6,5%. O desemprego nas zonas urbanas está em 3,95% — o menor patamar em 15 anos. O setor energético chinês cresceu mais de 13% neste ano em relação a 2016.  O varejo, 10%.

A agroindústria também apresentou elevação, mas menos expressiva que o verificado nos outros setores, em torno de 7%. Um fator de influência nesse cenário é a avicultura chinesa — que, até meados de 2014, figurava na segunda posição entre os maiores produtores de carne de frango, posto que hoje é ocupado pelo Brasil.

Se, por um lado, o mercado de consumo está aquecido, por outro, a produção avícola chinesa reduziu a capacidade produtiva, com baixos patamares de importação de matrizes. Com menos matrizes, menos carne de produtores locais deverá chegar às gôndolas. Com perspectivas tão promissoras, pode-se considerar afortunado o país que mantenha bons níveis de embarques para esse mercado, já que a tendência é que o exportador seja o grande provedor do aumento da demanda por carne avícola importada.

O nome do afortunado é Brasil. Dos plantéis brasileiros vem a maior parte da importação chinesa de carne de frango — o equivalente a 80% do total. Apenas em 2016, foram 480 mil toneladas de produtos embarcados pelos portos brasileiros, gerando receita cambial de US$ 860 milhões. Os chineses são nosso segundo principal destino de exportação, para onde embarcamos 11,2% do total. Neste ano, apenas entre janeiro e setembro, as vendas para a China já geraram receitas superiores a US$ 570 milhões.

São números expressivos, mas correm riscos. A China iniciou, em 18 de agosto deste ano, investigação de dumping sobre as exportações brasileiras de carne de frango. Não há nexo causal entre as exportações brasileiras ou a eventual situação mercadológica local que leve a essa interpretação. O setor e as indústrias estão mobilizados para clarificar questionamentos. É do interesse do Brasil e da população chinesa que a parceria siga sólida. Queremos manter os níveis de exportação em complementariedade à produção local. A percepção, entretanto, é de que a investigação teria, entre suas causas, uma resposta à possibilidade de sobretaxação imposta pelo Brasil ao aço chinês.

A sobretaxa é recomendação técnica da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) ainda não aplicada, que estará na pauta da reunião dos ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no dia 11 de novembro. Conforme informações que ganharam o mercado após divulgação na imprensa, há problemas de concorrência entre empresas brasileiras, chinesas e russas.

Decisão pela sobretaxa do aço chinês impacta, direta e indiretamente, diversos setores — entre eles, o automobilístico, de maquinários e outros. Somos terceiros impactados, e nossos números dão ideia da extensão dessa medida na economia brasileira. Se a Camex optar por aceitar o relatório, boa alternativa seria a suspensão dos efeitos da decisão de imediato.

É importante demonstrar boa vontade ao governo chinês, especialmente neste momento delicado de nossa economia. As exportações são o motor da retomada. Entrar em confronto com o principal parceiro comercial não é bom para o Brasil.

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FRANCISCO TURRA

Presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)