O Estado de São Paulo, n. 45254, 11/09/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

Até o fim, Joesley acreditou que escaparia ileso

 

COLABORAÇÃO SOB SUSPEITA / Desde que os áudios vieram a público, o empresário dizia a amigos que não havia risco de o acordo ser rompido e de ele ser preso

Por: Renata Agostini

 

Renata Agostini

 

Joesley Batista só chamou assessores para analisar qual atitude tomar na quarta-feira, dois dias depois de o procurador-geral, Rodrigo Janot, dizer que poderia revogar os benefícios da colaboração, revela Renata Agostini. Depois de ouvir os áudios de sua conversa com Ricardo Saud, disse não haver crime e, por isso, continuava tranquilo. Para o empresário, seu depoimento, no dia seguinte em Brasília, esclareceria os fatos, ao contrário do que pensavam o irmão, Wesley, e outras pessoas próximas.

Joesley Batista já descansava em sua casa, em São Paulo, quando Rodrigo Janot postou-se frente às câmeras, em Brasília, para anunciar que poderia cancelar a delação do empresário. Durante os quase 20 minutos em que o procurador-geral da República falou na noite da segunda-feira passada, dia 4, o mundo político parou. Na Rua França, no bairro paulistano do Jardim Europa, a tevê de Joesley permaneceu desligada. O empresário preferiu não ver o pronunciamento. O insistente tilintar do aparelho celular, no entanto, foi mais difícil de ignorar. Aos mais chegados, Joesley respondeu não entender o que se passava. O delator mais famoso do País repetia não saber por que Janot estava tão irritado.

A aparente serenidade contrastava com a percepção geral de que Janot impunha profundo revés ao empresário. Joesley, que comprara briga com o presidente da República e com boa parte da classe política, perdia naquele momento seu mais importante aliado. Por meses, o procurador-geral defendera os termos do acordo, que previa imunidade total ao bilionário. Com sua fala, Janot escancarava a possibilidade de que ele fosse parar na cadeia. Joesley, que até então parecia conseguir se antecipar aos fatos e controlar seu destino na investigação criminal, não percebeu.

Cinco dias antes, o empresário entregara ao Ministério Público Federal nova leva de áudios, incluindo a gravação que enfureceu Janot. Havia sido o próprio Joesley, com ajuda de um advogado interno da J&F, o encarregado de analisar e preparar o anexo que incluía o áudio comprometedor – seu principal advogado na delação, o criminalista Pierpaolo Bottini, estava impedido de auxiliá-lo por defender citados na gravação.

Com o conteúdo enviado à PGR, Joesley voltou-se a problemas de ordem empresarial. Preocupava a tentativa do BNDES de sacar seu irmão Wesley da presidência da JBS, companhia criada por seu pai e principal fonte de riqueza do grupo. O conglomerado lutava ainda para fechar a venda da Eldorado Celulose, que garantiria à J&F dinheiro para quitar suas dívidas. As boas notícias vieram. Com ajuda da Justiça, a disputa com o banco estatal foi adiada. A Eldorado foi passada à frente, num acordo que previa o pagamento de espantosos R$ 15 bilhões. Tudo parecia caminhar bem no mundo de Joesley. No domingo, o clima era de comemoração na casa do bilionário.

 

Lentidão. Joesley não admitia que o movimento de Janot representasse o fim da boa fase. Insistia com seus auxiliares que a situação era contornável. Na manhã seguinte à fala de Janot, na terça-feira, 5, fez questão de manter a rotina. Aprumou-se e seguiu para Brasília em seu jatinho para um depoimento previamente agendado. Foi quando o áudio começou a vazar. Na conversa com o lobista e também delator Ricardo Saud, um embriagado Joesley falava de planos para manipular procuradores, enredar o STF na delação, conquistar mulheres. Abundavam palavras chulas e impropérios. Num só lance, Joesley se indispunha com a PGR, com o Supremo, com sua mulher e até com sua defesa – citada de forma grosseira por Joesley no áudio, uma de suas advogadas deixou o caso.

Seus assessores ficaram atordoados. Reclamavam de não terem sido avisados do áudio. Diziam não entender como o bilionário, até então tão astuto, cometera erro de avaliação tão crasso. Com estilo centralizador, Joesley escolhera os passos que pavimentaram sua exitosa delação. Era também ele o responsável por levá-lo à crise que ameaçava sua liberdade.

Somente na quarta, dois dias após Janot avisar que poderia revogar os benefícios de sua delação, Joesley chamou assessores para analisar o que fazer. Rumou para o escritório de Bottini, na região da Avenida Paulista, de onde só saiu após a noite cair. Reunido com Saud e o advogado Francisco de Assis (também delator) e, em meio a um vaivém de advogados, ouviu a gravação. Afirmou aos auxiliares não ter mudado de opinião. Para ele, não havia crime e, por isso, não havia o que temer, segundo pessoas próximas. Joesley fiava-se em sua capacidade de se safar de problemas. Avaliava que seu depoimento, marcado para o dia seguinte em Brasília, esclareceria os fatos, preservando sua delação premiada.

 

Baque. Tal tranquilidade não era partilhada por Saud e Assis, que já demonstravam forte apreensão. Familiares também indicavam nervosismo com a situação. Um executivo que esteve com Wesley Batista na semana passada diz que o empresário não escondia o abatimento com a ameaça de prisão do irmão. Já Joesley seguiu em estado de aparente negação até o pedido de prisão se concretizar. Já de volta a São Paulo, na sexta, argumentava que não havia motivo jurídico que o levasse à cadeia. Reclamava de cansaço e disse que emendaria o feriado.

No sábado, com o pedido de prisão consumado, restou a Joesley pensar em como seguir para a cadeia. Cogitou pegar seu jatinho e se entregar em Brasília. Foi desaconselhado por advogados, temerosos de que o movimento até o aeroporto fosse visto como tentativa de fuga. Ontem de manhã, ainda tentou tranquilizar o pai e a mãe. Partiu da casa dos dois rumo à carceragem da PF em SP.

 

‘Calma’. Joesley tentou acalmar amigos e familiares

 

CRONOLOGIA

1º/7

2016

Operação Sépsis

Polícia Federal prende o operador Lúcio Funaro e mira na Eldorado, braço de celulose da J&F Investimentos, dona da JBS e de propriedade da família Batista. Operação apura esquema de propina para liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa

 

5/9

Operação Greenfield

PF deflagra a operação que investiga suspeita de fraude nos maiores fundos de pensão do País (Banco do Brasil, Petrobrás, Correios, e Caixa). As irregularidades envolveriam a Eldorado, que faz parte do Grupo J&F

 

17/3

Operação Carne Fraca

Executivos do frigorífico JBS são presos sob suspeita de participação em esquema que seria liderado por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio

 

13/01

2017

Operação Cui Bono?

Alvos são o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que teriam participado de esquema de fraude na liberação de recursos da Caixa, segundo as investigações. Operação apura repasse de R$ 500 milhões para a J&F

 

12/5

Operação Bullish

Operação investiga aportes do BNDES no Grupo J&F. A Justiça emite um mandado de condução coercitiva de Joesley, mas a ordem não é cumprida porque o empresário está em Nova York, onde a família tem um apartamento

 

17/5

Conversa no Jaburu

O jornal O Globo revela que Joesley gravou o presidente Michel Temer em conversa em que teria dado aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Em delação a procuradores da Lava Jato, o empresário relata conversa, em 7 de março, no Palácio do Jaburu

 

18/05

Homologação e imunidade

O ministro Edson Fachin, do Supremo, homologa a delação da J&F. Pelo acordo, os colaboradores têm o benefício legal de não serem denunciados

 

 

20/05

Pronunciamento

Ao lado de ministros e parlamentares, Temer faz o segundo pronunciamento desde a divulgação dos áudios. Ele diz que foi “vítima” de uma armação de “bandidos”

 

02/06

‘Homem da mala’

Ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) é preso em Brasília. Loures, que foi assessor de Temer, é conhecido como o “homem da mala” por ter recebido da empresa de Joesley

R$ 500 mil

 

26/06

Denúncia

Com base na delação da J&F, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denuncia Temer por corrupção passiva. O prosseguimento da acusação contra o presidente é barrado na Câmara dos Deputados

 

04/09

‘Omissão’

Janot determina abertura de investigação que pode levar à rescisão do acordo da J&F. A decisão tem como base áudio de conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud. A gravação envolve o ex-procurador da República Marcelo Miller, que teria atuado na delação do grupo

 

10/09

Prisão

Fachin determina a prisão de Joesley e Saud. O ministro também suspende os benefícios dos colaboradores. Os delatores se apresentam à PF em São Paulo

 

 

 

 

 

Rumo da JBS, maior empresa do grupo, é alvo de preocupação

Com prisão de Joesley, será mantida a tentativa de se antecipar no conflito com BNDES, sócio da companhia

Por: Renata Agostini / Cátia Luz

 
Renata Agostini
Cátia Luz
 
 

Com Joesley Batista preso, os rumos do maior grupo privado do País, o conglomerado J&F, ficarão nas mãos de Wesley Batista, um dos donos da companhia e o presidente da JBS. Delator ao lado do irmão Joesley, Wesley não é alvo da investigação pedida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e não tem sua colaboração ameaçada. Ele terá de liderar o fechamento da venda de negócios, necessária para garantir a sobrevivência da holding e da JBS, enquanto tenta manter-se no cargo. Sócio dos Batista na JBS, o BNDES quer sacá-lo do posto.

Reuniões estão previstas hoje para definir os próximos passos. A ideia era que, no conflito com o BNDES, a J&F buscasse se antecipar, ingressando com o pedido de instauração de arbitragem. A avaliação de fontes próximas à empresa é de que a estratégia deve se manter, já que a permanência de Wesley na JBS tornou-se ainda mais fundamental para os Batista.

Wesley precisará cuidar da conclusão da venda das linhas de transmissão da Âmbar para a Brookfield, que pode render R$ 900 milhões à J&F. Também terá de garantir que não desandem as negociações para a venda da Moy Park, operação crucial para a reestruturação financeira da JBS.

 

Leniência. Outra frente de preocupação são as consequências da prisão de Joesley para o acordo de leniência. O acordo foi homologado pelo Ministério Público Federal, mas a Justiça Federal do Distrito Federal condicionou sua validade à manutenção da delação no Supremo Tribunal Federal. Apesar de serem acordos independentes, há uma cláusula na leniência que prevê revisão ou cancelamento caso a colaboração dos executivos seja anulada.

Segundo pessoas próximas ao grupo, há receio sobre possíveis impactos da suspensão da delação de Joesley e Ricardo Saud, decretada pelo ministro Edson Fachin. Segundo eles, há risco de contaminação, mas, como se trata de algo inédito, há dificuldade em saber o que acontecerá. Mas enumeram o que veem como pontos positivos para o grupo: o fato de Fachin ter pedido a prisão temporária (e não preventiva), o dado de que o advogado e delator Francisco de Assis está fora da ordem de prisão e, por fim, o fato de o ex-procurador Marcello Miller não ter sido alvo de mandado de prisão (é a suposta ajuda de Miller na delação que baseia o pedido de prisão).

Há também dúvidas sobre a redação da cláusula do acordo que vincula a leniência às delações. Como são sete acordos de colaborações diferentes, ninguém sabe ao certo se apenas um ou todos eles precisam ser rescindidos para que a leniência seja afetada.

Além disso, se a eventual revisão implicar apenas no aumento da multa, os reflexos nas vendas de ativos devem ser limitados ou até nulos. Já se houver uma mudança mais drástica no acordo, compradores podem se sentir desconfortáveis e repensar a decisão. Desde junho, foram vendidas JBS Mercosul, Alpargatas, Vigor e Eldorado.

Na avaliação de pessoas próximas, o pior cenário seria a saída forçada de Wesley do comando sem uma transição. Além de dominar as questões operacionais da JBS, é ele que tem concentrado as negociações de alongamento das dívidas com bancos e as vendas de ativos, que ainda não foram sacramentadas.

 

Futuro. Permanência de Wesley na presidência da JBS é vista por assessores como crucial

 

Negócios

R$ 900 mi

é o quanto pode render a venda das linhas de transmissão da empresa de energia Âmbar, da J&F, para a canadense Brookfield.

 

Silêncio

Procurados pelo Estado, os irmãos Joesley e Wesley Batista não se pronunciaram. A holding J&F e a companhia JBS também não quiseram indicar porta-vozes para uma entrevista.