O globo, n. 30877, 19/02/2018. ARTIGOS, p.12

Mudança possível

VICENTE CÂNDIDO

 

 

 

A primeira constatação é de que reformas estruturantes têm que ser para médio e longo prazos. Na tentativa de reforma política que fizemos, o grande ponto de obstrução foi o ano de 2018 na pauta. Não fosse isso, poderíamos ter avançado mais. Ainda assim, as mudanças implementadas, que considero significativas, são as de longo prazo, como a cláusula de barreira, até 2030, e o fim de coligação, a partir de 2020.

Conseguimos evitar o caos nas eleições de 2018, instituindo o fundo, a cláusula de barreira e outras medidas, como arrecadação pela internet, o Refis da dívida dos partidos — caso contrário, todos poderiam ir para a ilegalidade — e o teto de gastos para candidatos. Certamente, a partir das mudanças, teremos outra cultura política. Longe ainda da que precisamos construir.

O sistema de votação atual — que não conseguimos mudar — não é compatível nem com o financiamento público, nem com o privado. Dessa forma, as eleições continuarão com risco muito grande de abuso de poder econômico, desvios e crimes.

A Justiça Eleitoral não terá estrutura para acompanhar e fiscalizar eleição com 497 mil candidatos, como em 2016, ou 15, 20 mil candidatos, como será em 2018. Não há financiamento que cubra eleição com tantos candidatos no Brasil.

É vergonhoso dizer para o mundo que um voto no nosso país pode custar cerca de R$ 800, enquanto em países com eleições democráticas, isonômicas e transparentes, custa entre R$ 20 e R$ 30. Assim como é vergonhoso termos um dos menores índices de participação feminina e de afrodescendentes no processo eleitoral. Com esse sistema, o Congresso continuará sendo de homens, de brancos e de empresários majoritariamente. É um Congresso que sofre uma forte deformação: não é a cara do Brasil.

Ao chegar ao fim desse processo, não falo com desânimo, mas com a certeza de que durante os próximos anos não devemos e não podemos tirar a reforma política da pauta. Apoio e quero ajudar — como cidadão e militante — as entidades e as pessoas que querem construir e oferecer ao Brasil um projeto de reforma política.

Com entidades organizadas, pessoas de todos os setores exercitando cidadania, se apropriando de temas importantes para o país, provocando debates com aqueles que vão postular um cargo no Congresso e no Executivo, é possível criar parâmetros para cobranças, como exigir que os presidentes dos legislativos coloquem na pauta um projeto feito a muitas mãos, pela sociedade em interação com partidos e candidatos. Acho esse um caminho bastante razoável, promissor e construtivo.

Para 2018, o aprovado foi apenas um paliativo para que as eleições não sejam um desastre completo. Como bem disse o estadista Oto Von Bismarck, “a política é a arte do possível”.

 

*Vicente Cândido é deputado federal (PT-SP) e foi relator da reforma política na Câmara

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Por mais avanços

 
 
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A reforma política sancionada no ano passado é um avanço em relação às regras que estavam em vigor, mas um passo pequeno diante do necessário. O que não significa desmerecer a importância das mudanças. As regras eleitorais, de que tantos se beneficiaram para compor alianças artificiais, sem qualquer conteúdo programático, chegaram ao limite. A lassidão das normas para criação de partidos, por exemplo, permitiu tamanho desregramento na geração artificial de legendas que as grandes e médias perceberam que o custo dessa indústria era alto e crescente. Mais ainda com o fim do financiamento empresarial de campanha. Mesmo que viesse a ser ampliado o financiado público — como foi, contra o interesse do contribuinte —, o crescimento de aspirantes a este dinheiro ameaçava reduzir a cota de cada um.

Interesses bem varejistas como este voltaram a viabilizar a instituição de uma cláusula de desempenho, para estabelecer o mínimo de votos de que cada partido precisa para constituir bancada no Legislativo, com as prerrogativas desta representatividade, incluindo participação no horário de propaganda eleitoral. Em 1995, o Congresso aprovou uma cláusula que barraria a entrada nas Casas legislativas de legendas nanicas, muitas das quais de aluguel, balcões de negócio. Como são. Entraria em vigor dez anos depois. Em 2016, infelizmente, o Supremo suspendeu a cláusula, em nome do direito de expressão das minorias. Um erro. Ora, o partido que não tem votos suficientes não desaparece, apenas não é tratado com as mesmas prerrogativas cedidas às legendas mais votadas. Assim é a democracia representativa.

Ministros se arrependeram da decisão porque, hoje, dos 35 partidos criados — há outros tantos na fila —, 28 ganharam representação no Congresso. Um absurdo que estimula o fisiologismo e a corrupção, dada a dificuldade de os governos comporem a base de apoio no Legislativo. Ela passou a ser comprada, literalmente. Esta é a origem do mensalão do PT e uma das causas do petrolão. Mas, enfim, a cláusula voltou, embora de forma atenuada: na eleição deste ano, todo partido necessita ter um mínimo de 1,5% dos votos válidos, distribuídos no mínimo em um terço dos estados, ao menos 1% destes votos em cada um, tendo como alternativa nove deputados, espalhados no mínimo em um terço dos colégios eleitorais estaduais. A cláusula subirá a cada eleição e só chegará aos 3% do projeto aprovado em 1995 em 12 anos.

Infelizmente, o fim das coligações em pleitos proporcionais — uma excrescência que impede o eleitor saber para onde foi de fato seu voto na escolha de vereadores e deputados — ficou para 2020.

É tudo muito lento, mas caminha-se na direção certa. Importante é manter o rumo, apressar o passo, se possível, e evitar, como deseja o PT, que se mude o sistema eleitoral para o de listas.

O voto precisa continuar a ser escolha do eleitor. Parece óbvio, mas deve-se reforçar: votar em lista significa conceder aos caciques partidários o poder de escolher quem poderá ser eleito. Inaceitável. Nem se deve adotar o voto distrital, devido às suas distorções.