Título: A república de Cachoeira
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2012, Brasil, p. 8

Rede de influência montada por bicheiro incluía, além de policiais de diferentes corporações, políticos federais e estaduais. Criminoso também contava com equipe de inteligência criada para mantê-lo informado de operações

As investigações sobre o império erguido por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, revelam a influência do empresário da jogatina no universo parlamentar. Cachoeira manteve contatos políticos no Congresso Nacional e com deputados estaduais de Goiás, estado que sedia uma infinidade de seus negócios ilegais. As amizades políticas conferiam prestígio a Cachoeira, numa via de mão dupla. Quem o conhece se refere a ele como "polvo", com tentáculos nas mais diferentes esferas do poder público — do Legislativo a órgãos coercitivos, como a Polícia Federal (PF) e as polícias locais.

Os detalhes da atuação dos dois delegados da PF investigados na Operação Monte Carlo dão a dimensão do modo de agir de Cachoeira. Os investigadores descobriram que os delegados vazaram ao empresário da jogatina informações sobre a Operação Apate, realizada em Goiás e em Minas Gerais, em maio do ano passado. A Apate identificou fraudes de R$ 200 milhões na Receita Federal e envolveu diversas prefeituras. Nada tinha a ver com jogos de azar, mas Cachoeira se viu com informações privilegiadas da operação, repassadas pelos delegados da PF de Goiás. Assim, passou a informar os prefeitos envolvidos e a buscar vantagens por deter detalhes de uma operação da PF.

Um dos delegados da PF foi preso temporariamente ontem. O outro apenas prestou depoimento, a chamada condução coercitiva. As investigações da Operação Monte Carlo descobriram que Cachoeira intermediou nomeações de parentes de um dos delegados na Prefeitura de Anápolis, a 50km de Goiânia. Anápolis é a cidade do empresário, onde ele exerce forte influência política e econômica. Cachoeira também sondou os delegados em busca de informações sobre a investigação que resultou na sua prisão preventiva.

O empresário da jogatina montou o próprio aparato de investigação. Um militar era responsável por serviços de inteligência. Já um ex-policial federal foi recrutado para fazer interceptações telefônicas clandestinas, como mostram as investigações que culminaram na Operação Monte Carlo. A estratégia de Cachoeira era centralizar a jogatina e "cartelizar" os negócios. Para isso, corrompia autoridades de segurança pública em Goiás, que realizavam operações de combate a jogos de azar empreendidos por grupos rivais.

Bingo virtual A atuação de Cachoeira envolve máquinas caça-níqueis, casas de bingo e jogo do bicho. Antes de estourar a Operação Monte Carlo, o empresário preparava um bingo virtual. O site já estava praticamente pronto. Cachoeira foi sócio da Gerplan Gerenciamento e Planejamento, que explorava legalmente máquinas de videoloteria em Goiás. O contrato com o governo goiano foi suspenso em fevereiro de 2004, depois da divulgação do vídeo em que Waldomiro Diniz, ex-subchefe da Casa Civil, cobrava propina de Cachoeira.

A partir de então, o empresário continuou, clandestinamente, no controle da jogatina em Goiás e em outros estados. A Operação Monte Carlo conseguiu sequestrar bens, contas bancárias e imóveis de Cachoeira. Para lavar o dinheiro da jogatina, conforme as investigações, o empresário passou a investir em ramos lícitos, como a indústria farmacêutica. Parte do patrimônio foi colocada no nome de um cunhado.

Dois dias antes de estourar a Operação Monte Carlo, Cachoeira foi condenado no processo em curso na Justiça do Rio de Janeiro que investiga corrupção e formação de quadrilha. Ontem, ele foi preso preventivamente em Goiânia — a decisão foi da Justiça Federal de Goiás — e levado para a Superintendência da PF em Brasília. O Correio apurou que o empresário já mobilizou uma grande estrutura de defesa jurídica para tentar um habeas corpus que garanta o fim da prisão preventiva.

Família Um ex-sócio de Carlinhos Cachoeira figura como proprietário de uma das principais bancas de jogo do bicho com atuação na Região Centro-Oeste. Já um irmão do empresário da jogatina procurou por diversas vezes o governo goiano para tentar regularizar o funcionamento de máquinas caça-níqueis, quando ainda havia expectativa de previsão legal para os jogos de azar. As bancas do jogo do bicho usam testas de ferro para ocultar os reais proprietários do negócio. A rentabilidade é milionária. Somente em Goiânia, o ex-sócio de Cachoeira chegou a controlar 500 bancas. Apostas feitas pela internet geraram 3 milhões de acesso à página.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 01/03/2012 02