O Estado de São Paulo, n. 45254, 11/09/2017. Política, p.A8

 

 

 

‘Foi falta de lealdade de Janot’, afirma Kakay

 

Beatriz Bulla

Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Joesley

 

A defesa do empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, ganhou o reforço ontem do criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que se junta ao advogado Pierpaolo Bottini. Em entrevista ao Estado, Kakay afirmou que o pedido de prisão feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é “traiçoeiro”. Para o advogado, a medida foi “uma falta de lealdade” de Janot.

O advogado não deve apresentar recurso no Supremo Tribunal Federal para revogar a prisão, mas pretende convencer os ministros da Corte de que Joesley cumpriu todas as obrigações estabelecidas no acordo de colaboração e, assim, obter a liberdade do empresário até os cinco dias máximos da prisão temporária.

Segundo Kakay, a prisão pedida por Janot – criticado por conceder imunidade penal aos executivos delatores – é “muito mais fruto da instabilidade do chefe do Ministério Público Federal do que outra coisa”. “Isso gera insegurança para o próprio instituto da delação.”

 

A defesa pretende tomar alguma medida para revogar a prisão temporária?

A prisão temporária veio do Supremo Tribunal Federal, existe até uma dúvida se cabe habeas corpus contra medida de prisão temporária do STF. Conversei isso com Joesley. O que vamos fazer é comprovar que não houve nenhuma irregularidade por parte dele. O próprio ministro Fachin (Edson Fachin, relator do caso no Supremo) já disse que, assim que terminarem os cinco dias, ele (Joesley) deve imediatamente ser posto em liberdade. Em respeito ao STF vamos demonstrar que não houve omissão. Foi uma falta de lealdade do procurador-geral.

 

Por que um ato de deslealdade do procurador-geral da República, Rodrigo Janot?

O Joesley prestou um depoimento na quinta-feira exaustivamente, respondeu a tudo o que foi perguntado. Ele não mentiu em nada. O pedido de prisão é um pedido traiçoeiro. Enquanto as pessoas estavam depondo, se havia alguma dúvida, era a hora de justificar. Acho que é muito em função das críticas que o Janot tem recebido. Ele recebeu uma crítica enorme por ter dado a imunidade (aos delatores do Grupo J&F), recebeu críticas de todos os setores. É muito mais fruto da instabilidade do chefe do Ministério Público Federal do que outra coisa. Isso gera insegurança para o próprio instituto da delação.

 

O senhor é um crítico às delações premiadas usadas na Operação Lava Jato.

Isso só corrobora minha posição. Aquele que se dispõe a fazer, entrega documentos a ponto de ter imunidade concedida, depois vê um pedido de prisão. Acho que falta lealdade por parte do Estado, na pessoa do procurador-geral. Ele (Joesley) não mentiu, não omitiu. Isso gera uma insegurança generalizada sobre a figura da delação.

 

Como a situação do empresário Joesley Batista ameaça o instituto da delação?

O cidadão, quando faz uma delação e cumpre rigorosamente o que se dispõe a fazer, passa ter o direito de ter sua promessa acordada, cumprida. O Estado não pode ir lá e quebrar. Muitas vezes o Estado força o cidadão a fazer delação, o cidadão recebe a imunidade e depois o Estado retira a imunidade.

 

Boteco. Janot e Pierpaolo Bottini em Brasília às vésperas de Joesley Batista ser preso

 

Depoimento

“Joesley respondeu a tudo o que foi perguntado. Ele não mentiu em nada. O pedido de prisão é um pedido traiçoeiro.”

 

 

 

 

 

Advogado de Joesley e PGR se encontram 'casualmente1 em bar

Às vésperas do empresário Joesley Batista se entregar à Polícia Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se encontrou informalmente com o advogado Pierpaolo Bottini, que atua na defesa do empresário. A informação foi divulgada pelo site O Antagonista. O encontro, em um bar em Brasília, não constava na agenda oficial de Janot.

Segundo o site, Janot e o advogado de Joesley conversaram por cerca de 20 minutos em uma mesa atrás de uma pilha de caixa de cervejas. Em nota, a Procuradoria-Geral da República confirmou o encontro. A assessoria de Janot disse que eles não trataram de assuntos profissionais durante o encontro no bar.

“O procurador-geral da República frequenta o local rotineiramente. Não foi tratado qualquer assunto de natureza profissional, apenas amenidades que a boa educação e cordialidade prezam entre duas pessoas que se conhecem por atuarem na área jurídica”, afirma o comunicado.

O advogado Pierpaolo Bottini afirmou que se tratou de um encontro casual. “Na minha última ida a Brasília, neste fim de semana, cruzei casualmente com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, num local público e frequentado da capital. Por uma questão de gentileza, nos cumprimentamos e trocamos algumas palavras, de forma cordial. Não tratamos de qualquer questão outra ou afeita a temas jurídicos. Foi uma demonstração de que as diferenças no campo judicial não devem extrapolar para a ausência de cordialidade no plano das relações pessoais.”

 

 

 

 

Para juristas, acordos devem ser revistos e provas, mantidas

Por: Marianna Holanda

 

Marianna Holanda

 

Decretada a prisão do empresário Joesley Batista, acionista do Grupo J&F, e do executivo da empresa Ricardo Saud, a pergunta que fica é o que o Supremo Tribunal Federal vai fazer com os acordos de colaboração premiada fechados. Caberá ao plenário da Corte decidir, primeiro, se rescinde o acordo com os delatores e, segundo, se as provas valem. Analistas ouvidos pelo Estado acreditam que o acordo deve ser revisto, mas as provas apresentadas pelos delatores podem ser mantidas se comprovada a veracidade.

“Só se pode anular as provas, se houver uma ilegalidade na produção delas. Nesse caso, se ficar comprovado que Joesley se encontrou ou combinou alguma coisa com (o ex-procurador Marcello) Miller”, disse o professor de Processo Penal da Escola Paulista de Direito, Fernando Hideo Lacerda. Para que as provas sejam anuladas é preciso ter mais materialidade, ou seja, mais indícios que comprovem a participação do ex-procurador, afirmou. “Até o momento só há conversa de bêbados.”

Na avaliação do professor, a rescisão do acordo não basta pra anular todas as provas. “Vai ter de fazer uma outra análise e ver quais provas foram viciadas pela mesma razão que o contrato foi rompido.”

A avaliação dos analistas ouvidos pelo Estado é que, se não ficar comprovada a participação de Miller ou que os delatores tenham omitido algum fato dos procuradores, o acordo voltará a valer e os delatores poderão ser soltos.

Para a criminalista Vera Chemin, “as provas têm vida própria”. “Acho que podem até anular uma ou outra prova, mas precisarão de indícios muito consistentes para anular as principais gravações. Isso daria imunidade a todos os implicados na investigação, de todos os partidos. Tudo voltaria à estaca zero e acho que o STF não vai permitir isso”, afirmou.

Por outro lado, a advogada citou a teoria da árvore envenenada. Se for comprovada a participação de Miller, a prova terá sido decorrente de ato ilícito e, portanto, não valeria. Se esse for o entendimento do Supremo, eles poderão anular o acordo, os benefícios dos delatores e todas as provas, segundo ela.

 

Denúncia. A prisão de Joesley e Saud ocorreu a três dias de o STF apreciar dois pedidos feitos pela defesa do presidente Michel Temer, de suspeição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e de suspensão de uma eventual segunda denúncia contra o peemedebista – há expectativa de que uma acusação seja apresentada pela Procuradoria nesta semana.

Segundo os analistas, um processo não deve afetar o outro, embora os ministros possam fazer manifestações laterais, isto é, ao julgarem um caso, comentarem outro. “Não acho que Janot deixaria de apresentar uma denúncia só pela possibilidade de, futuramente, descobrir-se que Miller atuou com Joesley”, disse o professor de Direito Processual da PUC Rafael Mafei.

Os analistas lembraram ainda que a Câmara tem de dar aval para o prosseguimento de uma denúncia contra o presidente. “Tudo depende da interpretação política que o Congresso vai dar”, afirmou Lacerda.

 

Supremo. Edson Fachin, ministro-relator da Lava Jato

 

PRÓXIMOS PASSOS

Prazos

Não há prazo para o fim do inquérito, mas o MP deve dar celeridade junto com Janot – cujo mandato termina em 17 de setembro.

 

Prova mantida

O Supremo pode concluir que os delatores não omitiram fatos e que Miller não atuou com os colaboradores. Nesse caso, continuam valendo provas e acordo. Pode-se também concluir que houve alguma omissão, mas com a manutenção das provas. Delatores perderiam benefícios, mas as provas ainda valeriam.

 

Prova descartada

Em outra situação, se concluírem que Miller atuou com os delatores ou que eles omitiram fatos graves, os ministros podem anular o acordo e o uso das provas.a.