O Estado de São Paulo, n. 45254, 11/09/2017. Política, p.A10

 

 

 

Planalto usa CPI para atacar delações

COLABORAÇÃO SOB SUSPEITA / Governo traça estratégia na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da JBS para tentar inviabilizar outras colaborações contra Temer

Por: Vera Rosa / Thiago Faria

 

Vera Rosa

Thiago Faria / BRASÍLIA

 

O Palácio do Planalto traçou uma estratégia para tentar transformar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) que vai investigar operações da JBS em uma arma contra os delatores da Lava Jato. À espera de que o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, apresente nesta semana uma nova denúncia contra o presidente Michel Temer, a base aliada vai atacar os últimos acordos de colaboração premiada, que atingiram a cúpula do governo e o PMDB.

Reforçada pela prisão, ontem, do empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, que controla a JBS, e do executivo Ricardo Saud, a ideia é pôr em xeque as delações fechadas sob Janot, incluindo a do corretor Lúcio Funaro. O depoimento de Funaro deve servir de “gancho” para mais uma acusação contra Temer, investigado pelo Ministério Público Federal por organização criminosa e obstrução da Justiça.

Janot deixa o cargo no dia 17 e será substituído por Raquel Dodge. Embora o Planalto aposte nessa troca para que a Lava Jato tome “outro rumo”, a ordem é desqualificar tudo o que foi feito até agora pelo procurador-geral. O argumento do governo é de que a delação da J&F é “fajuta” e, como uma árvore podre, contamina os “frutos”.

“Se houver nova denúncia contra o presidente e ela for baseada em fatos ligados aos delatores da JBS, obviamente ficará contaminada”, afirmou o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, defensor de Temer. “Além disso, os fatos de uma nova denúncia, se é que ela vem, só podem dizer respeito ao exercício do mandato do presidente”, disse o advogado.

Mariz entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspeição de Janot, sob a justificativa de que ele persegue Temer por motivos políticos. Solicitou, ainda, que qualquer outra acusação contra o presidente seja suspensa até o STF se pronunciar sobre o assunto. O plenário da Corte julgará os dois temas nesta quarta-feira.

 

Requerimentos. Além da defesa jurídica, Temer faz articulações para fustigar delatores e seus parceiros, na CPI da JBS, com requerimentos de informações e pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Um dos alvos do Planalto será o ex-procurador Marcello Miller, que não teve a prisão decretada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, apesar do pedido de Janot.

Em junho, ao ser denunciado por corrupção passiva, Temer levantou suspeitas sobre a ligação entre Miller e Janot. À época, disse que o ex-procurador “ganhou milhões” em poucos meses. Miller afirma nunca ter cometido “qualquer crime ou ato de improbidade”.

A previsão do presidente da CPI, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), é começar a ouvir Joesley, Saud e outros envolvidos na delação, como Miller, a partir da semana que vem. Requerimentos de convocação devem ser votados amanhã, quando será escolhido o relator da CPI. Na lista dos cotados estão os deputados Carlos Marun (PMDB-MS), Hugo Leal (PSB-RJ) e Fernando Francischini (SD-PR).

Ataídes esteve com Temer no Palácio do Jaburu, anteontem, mas disse não ter tratado sobre a CPI, que também investigará empréstimos do Banco Nacional de Investimento Econômico e Social (BNDES) para a JBS. “Não falei sobre CPI, mas sobre a duplicação da BR-153”, afirmou. O encontro não constou na agenda oficial do presidente.

Autor de 57 dos 95 requerimentos apresentados até agora na comissão – incluindo a convocação dos delatores e o convite para Janot prestar esclarecimentos –, o deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que, após a prisão de Joesley, a CPI ganhou relevância. “A prisão só demonstra que se tem muita a coisa a ser explicada. Vamos chamar inclusive o ex-procurador Marcelo Miller. É muito grave essa interferência dele como integrante do Ministério Público.”

 

 

Plano de trabalho

Os integrantes da CPI da JBS devem discutir amanhã um plano de trabalho. A previsão inicial é de que o relatório final seja votado até fevereiro

 

‘Contaminada’

“Se houver nova denúncia e ela for baseada em fatos ligados aos delatores da JBS, obviamente ficará contaminada.”

Antônio Cláudio Mariz

ADVOGADO DE MICHEL TEMER

 

 

 

 

A questão é: haverá mais?

Por: Carlos Melo

 

ANÁLISE: Carlos Melo

 

Os mandados de prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud são desdobramento natural da revelação dos diálogos entre os dois executivos. Não devem ser encarados como indício de mudanças nas regras para delações premiadas. O próprio acordo com o Ministério Público prevê suspensão, em caso de falseamento ou omissão de fatos. Ao que tudo indica, os novos prisioneiros omitiram detalhes importantes do relacionamento que mantinham com autoridades. As prisões são, portanto, “vida que segue”, sem surpresas; haverá, provavelmente, até justiça nelas.

Mesmo definido por um de seus protagonistas como “conversa de bêbado”, o áudio expôs uma estratégia que consistia em revelar alguns pecados e entregar peixes gordos da política, de modo a preservar executivos e empresas do grupo. Mas a confusão deixa uma questão: se, temendo ser presos, Batista e Saud disseram o que disseram, o que não falarão agora, se mantidos no calor pouco acolhedor dos presídios? Haverá mais?

As relações da J&F são amplas e por anos sustentaram financeiramente quase todo o sistema político nacional: a empresa é um gigante, há muito tempo dependente de relações com o Estado; a tradição clientelista e patrimonialista brasileira é ainda maior. A promiscuidade é tão grande, que parece justo suspeitar que mais ainda possa vir. Mesmo Joesley se mostra um personagem imprevisível, pouco articulado e falastrão.

Em breve o caso estará sob cuidados da futura procuradora-geral. Raquel Dodge estreará com um processo desta dimensão e pressão potencializada pelas prisões. Será oportunidade para afastar suspeitas em torno de sua indicação e firmar reputação de seriedade, isenção e vontade de apurar. Por sua vez, o sistema político permanecerá alerta e, por muito tempo, com a respiração suspensa.

 

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

 

 

 

 

 

 

Para governistas, episódio enfraquece segunda denúncia

Líderes aproveitam prisão de Joesley para desqualificar nova acusação que Janot fará contra Temer
Por: Igor Gadelha

 

Igor Gadelha / BRASÍLIA

 

Líderes partidários da Câmara aproveitaram a prisão do empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, para tentar desqualificar a segunda denúncia que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve apresentar nesta semana contra o presidente Michel Temer. Para eles, a prisão melhora o ambiente político para o governo, mas ainda não é possível assegurar que a nova denúncia será rejeitada.

Para o líder do PSD, Marcos Montes (MG), hoje a tendência é de rejeição. Segundo ele, a prisão de Joesley “comprovou a inconsistência” da primeira acusação contra Temer, que teve como base a delação do empresário. “A segunda, se vier nesta linha também, será derrotada, e é o que parece”, afirmou. “Mas é preciso ter cautela, pois todo dia há novidades, o que pode levar a outras avaliações”, ponderou o parlamentar.

“Fica claro que não só a classe política, mas também as instituições e o empresariado estão contaminados”, acrescentou o líder do PSD em seguida. “Minha avaliação é baseada no que disse o ministro Celso de Melo (do Supremo Tribunal Federal) no início desta crise: o Brasil está entre o passado e o futuro. Quem estiver contaminado vai pagar”.

Vice-líder do DEM na Câmara, o deputado Pauderney Avelino (AM) aproveitou o episódio para atacar Janot. “O País inteiro se questionava por que tanto privilégio para criminosos. Agora, o acinte que foi o acordo foi desfeito e eles foram presos. Foi o correto. Mas não alivia para a imagem do Janot, que está ainda mais desgastada”, afirmou Pauderney. Sobre a possibilidade de a prisão colaborar para a rejeição da segunda denúncia, o deputado afirmou: “Não sei. Mas, se (a denúncia) vier, virá de um procurador desgastado”.

 

Credibilidade. O líder do PR, José Rocha (BA), disse que a prisão do empresário não garante que uma possível segunda acusação da PGR contra o presidente seja barrada na Casa. “Depende de como ela virá”, declarou o parlamentar baiano, ressaltando que a nova denúncia pode ter como base outros fatos. “Mas com certeza a prisão melhora a situação para o governo, porque quebra a credibilidade do denunciante”, afirmou.

O deputado Alexandre Baldy (Podemos-GO) também declarou que a prisão ajuda na defesa jurídica do presidente, no caso de uma eventual segunda denúncia. Mas destacou que ela ainda é desconhecida. “A prisão ajuda na defesa jurídica, mas a segunda denúncia ainda é desconhecida, se tornando um desafio mais político do que jurídico, já que a prisão de Joesley auxilia na tese de desconstruir o ataque jurídico”, afirmou.

A apuração da primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, foi barrada pela Câmara após uma articulação que incluiu a distribuição de cargos e outras benesses a aliados. O relatório que recomendava a rejeição da denúncia foi aprovado por 263 votos a 227.

 

PARA LEMBRAR

Depoimentos na acusação

A intenção do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é embasar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer em, ao menos, sete delações premiadas. Além da contestada colaboração de executivos da J&F, Janot pretende aproveitar depoimentos do corretor Lúcio Funaro, apontado como operador do PMDB da Câmara, e sustentar que há uma organização criminosa formada pelo grupo ligado a Temer com base em depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. Também devem ser usados elementos do acordo da Odebrecht, do operador Fernando Soares, o Fernando Baiano, e do ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado.

 

 

 

 

PF pede ao Supremo para participar de acordos

Por: Rafael Moraes Moura

 

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

 

Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal disse que, caso seja afastada do emprego das delações premiadas, o sistema de freios e contrapesos será desregulado e cidadãos investigados poderão ser expostos a abusos.

A manifestação foi feita no âmbito de uma ação ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que questiona a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada. O relator da ação, que ainda não tem data prevista para julgamento, é o ministro Marco Aurélio Mello. Ele já sinalizou publicamente que se posicionará a favor de a corporação realizar a delação.

“Ousa a Polícia Federal afirmar que alijar a instituição do emprego de referida técnica de investigação desregula o sistema de freios e contrapesos necessários ao Estado Democrático de Direito, concentrando em um órgão não talhado para a atividade de investigar um meio de obtenção de prova que exige técnica”, alegou a PF ao STF.

“Retirar da polícia a possibilidade de utilizar de forma oportuna e célere o meio de obtenção de prova intitulado de colaboração premiada é, na verdade, enfraquecer todo o sistema de persecução criminal”, sustenta a manifestação assinada pelos delegados Élzio Vicente da Silva, superintendente regional da PF-DF, e Denisse Dias Rosas Ribeiro, chefe do núcleo de inteligência da superintendência.

 

Atuação. Para a PF, o MP pretende atuar como “Estado-investigador”, órgão de controle externo da atividade policial, e como magistratura, ao modular penas e prever benefícios não contemplados em lei. O imbróglio emperra o andamento de delações já firmadas pela PF, como a colaboração do operador do mensalão Marcos Valério e do marqueteiro Duda Mendonça, feitas sem a participação do MPF.

“Entende a Polícia Federal que a atividade de investigação e a atividade de Polícia Judiciária da União cabem à Polícia Federal; o controle externo e o exercício da ação penal cabem ao Ministério Público; e a aplicação da lei ao caso concreto cabe única e exclusivamente ao Poder Judiciário. O monopólio ou a invasão de atribuições ou competências de outros órgãos não é– e nunca foi – o fim buscado pelo constituinte”, alega a PF. A peça foi encaminhada ao STF na semana passada. Procurada pela reportagem, a PGR não se pronunciou. / COLABOROU BRENO PIRES

 

Defesa

“Retirar da polícia o meio de colaboração premiada é, na verdade, enfraquecer todo o sistema de persecução criminal.”