Correio braziliense, n. 19911, 27/11/2017. Política, p. 2

 

Um planário de cadeiras vaizas 

Natália Lambert 

27/11/2017

 

 

LEGISLATIVO » Levantamento mostra que a média de presença dos senadores neste ano é de 70, número considerado o piso para votação de matérias polêmicas, como a reforma da Previdência. Senadores atribuem o desinteresse à antecipação eleitoral e à pauta fraca

Além da tradicional batalha entre oposição e governo, o Senado tem enfrentado — principalmente no segundo semestre — outra dificuldade: a falta de quórum. Mesmo com o rigor do presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), criticado por colegas por atuar como um “bedel”, a média de senadores em plenário nas sessões deliberativas não passa dos 70, número considerado piso para deliberar matérias polêmicas. O índice foi identificado em levantamento feito pelo Correio com dados disponibilizados em edições do Diário do Senado Federal. Nas sessões deliberativas extraordinárias, a situação é pior: média de 60.

Mesmo diante de um tema de interesse eleitoral, Eunício teve de insistir pela participação dos colegas em plenário na semana passada para a votação nominal dos projetos de lei que instituíram o voto distrital misto para deputados e vereadores. Amanhã, está na pauta a urgência para aprovar a Medida Provisória (MP) 791/2017, que cria a Agência Nacional de Mineração (ANM). O texto expira nesta terça-feira e perderá a eficácia caso não seja apreciado. Outra proposta da semana fixa alíquota máxima para cobrança do ICMS incidente nas operações internas com querosene de aviação — a matéria foi adiada quatro vezes. Autor do projeto, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) destaca o potencial para baratear passagens e ampliar a malha aérea. “Estamos tentando votá-lo desde agosto, mas o plenário vem só diminuindo. O Eunício está tendo de adiar até aprovação de autoridade. Imagina no ano que vem, quando dois terços da Casa terão de buscar a reeleição”, projeta Randolfe.

O parlamentar acredita que a falta de mobilização pode influenciar nos planos do governo de aprovar a reforma da Previdência em 2018, considerando que a Proposta de Emenda à Constituição é controversa e precisa de 49 votos. Um peemedebista, que prefere não se identificar, garante que nenhum assunto polêmico deixou de ser aprovado por falta de quórum. “Quando o assunto é importante, o plenário fica cheio”, comenta. De acordo com os dados analisados, as sessões com maior quórum foram: a primeira do ano, na qual a Mesa Diretora foi eleita; e a de 26 de abril, quando os senadores aprovaram o projeto que alterou a lei de abuso de autoridade.

Presente a 100% das sessões, Reguffe (sem partido-DF) destaca que um mandato parlamentar não se resume à presença em plenário, mas que o número de sessões é muito pequeno para que o senador não compareça. “A obrigação é estar em plenário. Um parlamentar vota representando os eleitores. Quando ele falta, os eleitores não participam daquela votação. É uma irresponsabilidade”, avalia. “É triste ver que, com tão poucas sessões, ainda se falte tanto”, lamenta Reguffe.

As sessões deliberativas ocorrem, normalmente, às terças e às quartas-feiras. A depender da avaliação do presidente, uma sessão extraordinária é convocada na quinta. Neste ano, das 27 extraordinárias realizadas às quintas, só aconteceram votações nominais em quatro. O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, destaca o preço das ausências. Cálculos da instituição mostram que o Congresso Nacional custa, por dia, aos cofres públicos, R$ 27,7 milhões. Destes, R$ 11,6 milhões são para manter a estrutura do Senado. “Isso que eles têm férias, recesso, enforcamentos de feriados. É um absurdo, uma ilha da fantasia. Depois, não entendem o porquê da insatisfação da sociedade com o parlamentar”, critica Castello Branco.

O economista compara, ainda, o valor do dia de trabalho: sem contar as verbas indenizatórias, cada senador recebe um salário mensal de R$ 33.763, R$ 1.125 por dia — R$ 188 a mais do que o salário mínimo. A assessoria de comunicação do Senado ressalta que o senador que não justificar a ausência perde a remuneração que faz jus àquele dia, inclusive, se ele tiver registrado presença, mas não participado da votação nominal.

Estímulo

Apelidado carinhosamente de Alvaro “todos os” Dias por estar sempre presente, o senador paranaense é um dos que parece menos empolgado. No quarto mandato e pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, Dias acredita que o desestímulo vem do momento político. “Um terço dos senadores são alvo da (Operação) Lava-Jato. O constrangimento é grande, ninguém quer aparecer. E, neste momento, de um governo de transição, está difícil se posicionar. Eu, por exemplo, sempre fui oposição e continuo sendo, mas, se eu for um opositor veemente, me confundirão com o PT”, comenta.

Além disso, Dias ressalta que a pauta da Casa está focada em matérias do governo, o que desprestigia os senadores. Humberto Costa (PT-PE) corrobora com a opinião. “A pauta ficou muito pobre neste ano, porque as coisas mais importantes aconteceram na Câmara. Houve um período em que ficamos catando projetos consensuais para votar”, conta. E a tendência para o próximo ano é de que o quórum seja ainda pior, o que, na opinião de Costa, deve ajudar a oposição a derrubar a reforma da Previdência.

Também com a experiência de quatro mandatos, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) comenta que o esvaziamento é natural com a proximidade das eleições. “Os senadores começam a entrar na luta eleitoral. Isso ocorre sempre na véspera do ano de eleições. E, no próximo, o quórum será menor ainda”, projeta. Entretanto, Lobão garante que isso não influenciará a reforma da Previdência. “Diante de um objetivo dessa natureza, se a Câmara aprovar este ano, o Senado comparecerá. Não é da tradição da Casa faltar aos compromissos com a nação”, conclui.

Frase

"Eu, por exemplo, sempre fui oposição e continuo sendo, mas, se eu for um opositor veemente, me confundirão com o PT”

Alvaro Dias, senador (Podemos-PR)

Produção na Casa Alta

Até o fim de outubro deste ano, o Senado apreciou 187 matérias em plenário, das quais 97 foram aprovadas e 90 rejeitadas — grande parte por votação simbólica. Confira números da Casa:

Sessões em 2017*

Deliberativas ordinárias - 62

Deliberativas extraordinárias - 32

Não deliberativas - 53

Especiais - 15

Debates temáticos - 3

Matérias aprovadas - 97

Matérias rejeitadas - 90

* Até o fim de outubro

Sessões em 2016

Deliberativas ordinárias - 71

Deliberativas extraordinárias - 27

Não deliberativas - 78

Especiais - 15

Debates temáticos - 5

Premiações e condecorações - 1

Matérias aprovadas - 126

Matérias rejeitadas - 54

Aprovação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) em plenário de 2013 a novembro deste ano. A PEC é uma das matérias que precisam de quórum qualificado.

2017 - 6

2016 - 11

2015 - 12

2014 - 9

2013 - 10

Fonte: Relatórios mensais do Senado Federal