Correio braziliense, n. 19881, 28/10/2017. Política, p. 05.

 

Os efeitos do bate-boca no Supremo

Bernardo Bittar

28/10/2017

 

 

No dia seguinte ao bate-boca protagonizado no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso comentou com os estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), onde ele cumpre uma grade de 40 horas de aulas mensais, sobre a discussão travada com Gilmar Mendes. O ministro reconheceu que se exaltou, mas não considerou que tenha “passado da linha”. Barroso acusou Gilmar de ter “leniência em relação à criminalidade de colarinho-branco”.

Barroso disse aos alunos do primeiro semestre do curso de direito da UERJ que gostaria que eles seguissem seus “bons exemplos, mas não os maus”, e ainda afirmou que “a exaltação não é a melhor forma de se expressar”, arrancando risadas dos estudantes. “Às vezes, a gente levanta o tom da voz, mas essa não é a melhor forma de viver a vida. Mesmo que, às vezes, seja necessário, às vezes podemos passar da linha. Não que eu tenha passado, mas quase”, complementou Barroso.

Também na sala de aula, Gilmar Mendes evitou prolongar-se nos comentários sobre o bate-boca, mas disse que “quem acompanha o Supremo sabe que esse tipo de discussão acontece, que já aconteceu outras vezes”, durante uma palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), instituição da qual ele é um dos sócios-fundadores.

Sem falar de maneira explícita sobre o caso com Barroso, Gilmar citou duas ações que tramitam no Supremo. Uma delas é sobre a vaquejada e a outra fala da prisão preventiva de pessoas acusadas de praticar aborto, e criticou as decisões do STF. “De vez em quando, nós somos esse tipo de Corte que proíbe a vaquejada e permite o aborto”, declarou o ministro. Em ambos os julgamentos citados, o voto do ministro Luís Roberto Barroso foi aquele que garantiu a maioria. E Gilmar votou de maneira diferente do colega nas duas ações.

O ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto tratou o bate-boca entre os dois ministros como reflexo de uma “democracia em fase de amadurecimento” e minimizou consequências mais graves. Para especialistas, no entanto, existe, sim, uma repercussão negativa em torno da Corte por causa do episódio. “Eu acho lamentável o órgão máximo do Judiciário, ainda uma referência no nosso país, ter chegado a esse ponto. Dois ministros atingirem esse nível de discussão, que não leva a nada nem se justifica, faz com que, a cada dia, a gente (os advogados) sinta uma enorme insegurança jurídica”, opinou a advogada de direito civil Gisele Dornelles.

Para ela, é “impressionante ver o nível de despreparo dentro da Corte. Quanto um ministro fala, não está dizendo o Barroso ou o Gilmar. Fala o Supremo”. Gisele:“Chegou-se num ponto em que, infelizmente, o STF não faz jus ao que o povo brasileiro merece”. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se manifestou sobre o caso.

As aulas do ministro Luís Roberto Barroso ocorrem às sextas-feiras nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Uerj, onde a carga horária para cada segmento é de 20 horas. Segundo a universidade, “o professor Barroso também desenvolve suas atividades em pesquisa e em apoio acadêmico aos estudantes orientandos”.