Correio braziliense, n. 19885, 01/11/2017. Política, p. 04.

 

A bola volta para a Câmara

Paulo de Tarso Lyra e Guilherme Mendes

01/11/2017

 

 

PODER EM CRISE » Senado muda o projeto que estabelece novas regras para regulamentar os aplicativos de transportes e derruba a exigência de placa vermelha para os veículos e a obrigatoriedade de motoristas serem donos dos carros. Proposta será reanalisada pelos deputados antes de virar lei

 

 

O Senado mudou ontem — com 46 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção — o projeto que desfigurava o serviço prestado por aplicativos de transportes. Por um acordo de lideranças, foram retirados do texto a obrigatoriedade de que os veículos, ligados ao Uber e Cabify, por exemplo, tivessem placa vermelha, que os condutores fossem proprietários do carro e que o serviço fosse autorizado pelo poder público. A matéria, agora, volta para a Câmara, que tem duas opções: deixa as alterações feitas pelos senadores ou retoma o texto original. Qualquer que seja a decisão, a proposta seguirá para a sanção presidencial após a análise dos deputados.

Foi uma sessão relativamente rápida, mas extremamente confusa. O dia inteiro foi de tensão no Senado e na Esplanada, com embates frequentes entre taxistas e motoristas dos aplicativos. Na bancada do Distrito Federal, foram dois votos favoráveis ao projeto: Cristovam Buarque (PDT) e Helio José (Pros). Reguffe (sem partido) votou contra.

O PT — o projeto é de autoria do deputado Carlos Zarattini (SP) — trabalhou para beneficiar os taxistas. “É um absurdo que os aplicativos cobrem 25% pelo serviço prestado pelos motoristas. Nossa proposta é reduzir esse valor para 10%”, defendeu o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ). Um dos votos contrários ao projeto, o senador Reguffe foi incisivo. “Voto pelo direito de livre escolha do consumidor. Mais concorrência significa menores preços e melhor qualidade. Meu lado é o lado do consumidor”, disse ele.

O acerto para retirar do texto aprovado a obrigatoriedade da placa vermelha — para tornar os carros semelhantes aos táxis — e de o condutor não precisar ser proprietário do veículo foi fruto de um acordo de líderes em uma reunião fechada que durou mais de duas horas. “Se nem os táxis precisam ser conduzidos pelo proprietário (existem os diaristas), por que exigiríamos isso dos condutores do Uber?”, questionou o relator do projeto na Casa, Eduardo Lopes (PRB-RJ).

 

Confronto

Motoristas de táxi e das plataformas on-line protagonizaram manifestações em lados opostos da Esplanada dos Ministérios durante todo o dia. Os taxistas, que pressionavam pela aprovação do PLC com mobilizações desde a semana passada, ocuparam a S1, enquanto os motoristas de Uber, 99 e Cabify faziam seu segundo dia de mobilização na mesma altura da N1. Entre os dois lados, uma barreira policial evitava que as animosidades chegassem às vias de fato.

O que não impediu que, em diversos momentos, a situação saísse do controle. Motoristas dos dois lados trocaram provocações e chegaram a se agredir pouco depois das 16h, forçando a polícia a intervir com o uso de spray de pimenta. Um taxista foi detido por desacato. Dentro do Senado, o diretor de comunicação da Uber no Brasil, Fábio Sabba, acabou agredido por um representante dos taxistas — o executivo passa bem, e uma denúncia foi encaminhada à delegacia do Senado.

Entre os manifestantes, o clima era de apreensão durante a deliberação do tema no Congresso. Para o motorista Reinaldo Rodrigues, que trabalha com táxi há cerca de 20 anos, a regulamentação seria melhor para motoristas do Uber. “Eu, por cerca de um mês, trabalhei como Uber, mas trabalhava das 5h às 23h e ganhava cerca de R$ 100 de lucro. A Uber suga e explora os motoristas”, afirmou Reinaldo. Já para os motoristas de Uber, o clima de provocação na Esplanada era algo normal. “A gente conhece essa situação bem”, afirmou Anderson Bajo, que era uma das lideranças entre os parceiros das plataformas virtuais presentes à mobilização, “pois esse clima de insegurança a gente vive no dia a dia”.

 

Frase

“Se nem os táxis precisam ser conduzidos pelo proprietário (existem os diaristas) por que exigiríamos isso dos condutores do Uber?”

Eduardo Lopes (PRB-RJ), relator do projeto no Senado