Título: Moratória nuclear
Autor: Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2012, Mundo, p. 18

Em troca de ajuda alimentar americana, ditadura comunista suspende testes de armas atômicas e mísseis. ONU poderá enviar inspetores para monitorar o cumprimento dos termos do acordo

Passados menos de três meses da morte do ditador Kim Jong-il, a Coreia do Norte aceitou ontem suspender os testes de armas nucleares, os lançamentos de mísseis e o enriquecimento de urânio em troca de ajuda externa. Em contrapartida, os Estados Unidos se comprometeram a enviar 240 mil toneladas de alimentos à população norte-coreana. A proposta tinha sido feita na semana passada em Pequim, capital da China.

Além disso, o regime comunista de Pyongyang concordou com a entrada de inspetores da Organização das Nações Unidas (ONU) para fiscalizar o cumprimento do acordo. Washington "ainda tem profundas preocupações com o comportamento da Coreia do Norte em muitas áreas, mas esses anúncios refletem progressos importantes, embora limitados", em alguns assuntos, declarou o Departamento de Estado.

Para o estudioso americano Jeffrey Lewis, diretor do projeto de não proliferação de armas nucleares na Ásia Oriental do Instituto Monterey de Estudos Internacionais, é pouco provável que a Coreia do Norte desista, na prática, de seu programa nuclear. "Todas as negociações são jogos políticos. Não acredito que, de fato, o acordo tenha sido bem-sucedido, mas não resta outra opção senão tentar", opinou. Ainda assim, ele é otimista em relação a conflitos entre as Coreias do Sul e do Norte. "Avanços como esses podem diminuir a incidência de violência na região. O ideal é desencorajar a Coreia do Norte de partir para provocações, como o bombardeio da ilha de Yongpyong, no ano passado", disse o especialista.

Lews frisou que as negociações entre Washington e Pyongyang têm sido marcadas por uma sucessão de avanços seguidos de colapsos. "Já estivemos nesse estágio antes. Por isso, não fiquei surpreso com o acordo. É provável que o governo norte-coreano ainda volte atrás", alertou. A Coreia do Norte já aceitou interromper seu programa antes, mas, pela primeira vez desde 2009, permitiu que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) monitore o programa. Naquele ano, quando o país testou dois artefatos atômicos, os fiscais da agência foram expulsos.

O historiador da Universidade de Columbia Charles Armstrong, especialista em Coreia do Norte, destacou que, de qualquer forma, o país ainda não desistiu completamente do programa nuclear, apenas suspendeu o enriquecimento de urânio. "Isso é apenas o início de um longo processo de negociações, mas mesmo assim é um passo muito importante", afirmou. "Foi uma troca vantajosa, já que o país precisa com urgência de assistência econômica." Em seu ponto de vista, caso o acordo seja realmente cumprido, a pressão sobre o programa nuclear do Irã pode aumentar. "O projeto norte-coreano é muito mais avançado que o iraniano. Por isso, as negociações lá são mais complicadas, já que (os iranianos) pedem alegar que têm apenas fins pacíficos", esclareceu.

Expectativa O acordo anunciado ontem foi o primeiro desde que o comando do regime foi assumido por Kim Jong-un, filho de Kim Jong-il, morto em 17 de dezembro de 2011. Os especialistas ficaram mais otimistas com a troca de guarda, embora a "dinastia" comunista permaneça no poder. "Ninguém pode ter certeza do que acontecerá daqui para a frente, mas acredito que a retomada das negociações só tenha sido possível por conta da transição", salientou Lewis, do Instituto Monterey.

"Os EUA ainda têm preocupações profundas. Mas, depois da morte de Kim Jong-il, nossa esperança é de que a nova liderança escolha um caminho de paz para guiar sua nação", declarou a secretária de Estado Hillary Clinton, durante uma audiência na Câmara dos Deputados.

Coro do contra Pacifistas sul-coreanos protestaram diante de uma base militar dos Estados Unidos, em Seul, contra a realização de manobras militares conjuntas entre os dois países. Os exercícios, relacionados à tensão na fronteira intercoreana, devem se prolongar até o próximo dia 9 e provocaram reação da Coreia do Norte. A agência oficial KCNA divulgou nota que classifica a mobilização como "uma infração imperdoável de nossa dignidade e nossa soberania", por se realizarem quando o país ainda observa luto pela morte do líder Kim Jong-il.