Correio braziliense, n. 19886, 02/11/2017. Opinião, p. 11.

 

Alfabetização: continuamos patinando

Mozart Neves Ramos

02/11/2017

 

 

Os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2016 revelaram, mais uma vez, que continuamos patinando na nobre tarefa de alfabetizar as nossas crianças. Em pleno século 21, ainda não somos capazes de alfabetizá-las. Isso não deixa de ser, lamentavelmente, grande vergonha nacional. É desastroso para o futuro do país, porque se trata da pedra angular da educação — o primeiro passo para o exercício pleno da cidadania.

Dois anos se passaram desde a última avaliação e, praticamente, nada mudou. O desafio do Plano Nacional de Educação (PNE) de alfabetizar todas as nossas crianças pelo menos até o 3º ano do Ensino Fundamental até 2024, parece cada vez mais distante de se concretizar. Hoje, só 45% de nossas crianças têm o nível desejável em leitura, segundo o Ministério da Educação (MEC); em 2014, esse percentual foi de 44%. Ou seja, nada mudou, e continuamos num patamar extremamente baixo, muito distante dos 100%. A mesma coisa se vê em escrita e matemática. Há situações absolutamente dramáticas, como a de Sergipe – estado geograficamente pequeno, com índices vergonhosos. Por exemplo, apenas 20% das crianças sergipanas estão no nível desejado em leitura e em matemática ao fim do ciclo de alfabetização.

O quadro é muito crítico nas regiões Norte e Nordeste. Isso indica que a alfabetização é também o berço das desigualdades educacionais e sociais de nosso país, a refletir-se já nos primeiros anos de escolarização. Por exemplo, a média nordestina é de apenas 31% de crianças no nível desejado de leitura, enquanto na Região Sul esse percentual é de 55%.

Contudo, vem exatamente do Nordeste, mais precisamente do Ceará, a luz no fim do túnel, por meio do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic). Implementado há 10 anos naquele estado, os índices de alfabetização de crianças cearenses se comparam aos melhores resultados brasileiros, como os de Santa Catarina, São Paulo e Paraná. Poucos anos atrás, o MEC, reconhecendo o exemplo cearense, implementou o Pnaic, na perspectiva de dar um salto nacional na alfabetização. Porém, os resultados de 2016 mostraram que, apesar de o desenho do programa ter sido inspirado no Paic, a implementação não surtiu o efeito desejado. É preciso agora avaliar as razões disso.

A verdade é que o Brasil deixou de formar alfabetizadores. Precisamos voltar a formá-los e valorizá-los. Paga-se a um professor alfabetizador muito menos do que àquele que trabalha no ensino médio, cujo salário não é dos melhores. Alfabetizar uma criança é tão nobre quanto dar uma boa aula de química ou de física no ensino médio. A formação do alfabetizador é, para mim, a bala de prata que vai mudar o cenário de vergonha nacional. Mas também não podemos esquecer a qualidade da gestão de um programa como esse para que os resultados apareçam. Colocar mais dinheiro apenas não vai resolver.

Para reverter a situação, o MEC lançou o programa Mais Alfabetização, que contém traços importantes do Paic do Ceará, como assegurar que toda criança esteja alfabetizada nos dois primeiros anos do ensino fundamental. Isso implica não só estabelecer novos objetos de aprendizagem em relação ao Pnaic, mas também trazer novidades importantes, como a oferta de programas de mestrado profissional para professores que estejam lecionando nesses dois primeiros anos do ensino fundamental — e uma oferta em serviço, para não ser o mais do mesmo, muita teoria e pouca prática, além do programa de residência pedagógica para futuros alfabetizadores.

Não podemos também esquecer o papel da sociedade, conforme apregoa a própria Constituição brasileira no art. 205. Se não houver cobrança por mais qualidade na educação, se as famílias não fizerem o seu papel educativo, será difícil reverter o quadro. Há um sábio provérbio africano que diz que, para educar uma criança, precisa-se de toda uma aldeia. É necessário que os pais também revejam o seu papel em vez de deixar apenas para a escola a educação dos filhos. (...)

 

DIRETOR DO INSTITUTO AYRTON SENNA. FOI REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO E SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO