O Estado de São Paulo, n. 45253, 10/09/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Tchau, Janot

Por: Vera Magalhães

Há alguns meses escrevi uma coluna sobre como era difícil traçar uma linha condutora do comportamento de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República.

Aquele personagem tímido, quase secundário, que se encontrava fora da agenda com José Eduardo Cardozo e era alvo de desconfiança da força-tarefa de Curitiba se transmudou por ocasião da primeira lista do Janot, criou um grupo de trabalho que passou a se dedicar apenas aos processos de políticos com foro implicados na operação, afastou a fama de engavetador e teve seu ápice com a delação do núcleo da J&F, quando se transformou no arqueiro-geral da República.

A penúltima semana no cargo, no entanto, tratou de desconstruir essa última versão heroica de Janot. A lambança verificada justamente na mãe de todas as delações não macula apenas sua passagem pela chefia do Ministério Público Federal. Pior: constitui o maior ataque aos fundamentos da Lava Jato e fornece munição àqueles que tentam enfraquecê-la.

No afã de construir seu personagem heroico, Janot deixou enredar a si próprio, à instituição que comanda e ao próprio Supremo Tribunal Federal numa trama barata de filme de gângsteres do interior de Goiás.

As gravações de horas de conversas entre os desqualificados Joesley Batista e Ricardo Saud mostram a instrumentalização vulgar da delação premiada, um dos pilares para que a Lava Jato fosse um marco para mudar o histórico de impunidade de crimes de colarinho branco no Brasil.

Assim como engolfaram todo o mercado de proteína animal no Brasil à custa de subsídios generosos e propinas fartas, Joesley et caterva viram uma forma de amalgamar todos os benefícios das delações feitas antes deles fornecendo a Janot sua “joia da Coroa”: uma colaboração que atingisse em cheio o Executivo e o Judiciário, uma vez que o Legislativo já estaria f..., como eles dizem numa das muitas passagens memoráveis da conversa.

Assim foi armada, com a ajuda valiosa de Marcelo Miller, um dos mais destacados integrantes do GT do Janot, a delação que atingiu Michel Temer em cheio e que pretendia fazer também um strike no STF, o que não foi adiante porque o modus operandi que valeu com o presidente não foi capaz de enredar a “isca” escolhida, o ex-ministro José Eduardo Cardozo.

Não adianta Janot correr para denunciar Temer, Lula, Dilma, o PMDB do Senado, Miller, Joesley e a torcida do Flamengo nessa reta final, numa luta desesperada contra o tempo que ainda lhe resta no cargo. A gravidade de o acordo com os irmãos Batista e sua quadrilha ter sido fechado nos termos em que foi, e nas condições de bastidores agora reveladas, macula de forma inexorável seu mandato.

Denúncias apresentadas em cima do laço, nessas circunstâncias em que não é de todo irrazoável suspeitar que ele próprio tivesse algum nível de conhecimento das urdiduras entre Miller e a J&F – os diálogos dão a entender que sim em vários momentos – só servem para enfraquecer o Ministério Público e fornecer argumentos aos investigados de que são alvo de uma atuação política e de autossalvação do procurador-geral.

Melhor teria sido que ele dedicasse integralmente as semanas finais a esclarecer essa pantomima joesliana e deixasse a cargo de sua sucessora, Raquel Dodge, que terá mais legitimidade e menos questionamentos sobre seus ombros, a tarefa de concluir as denúncias nos muitos casos deixados em aberto ao longo de seu errático período à frente da instituição.

Lançar flechas a três por quatro, mirando alvos múltiplos, fez com que Janot acertasse não só o próprio pé, mas o coração da Lava Jato.

(...)

 

 

Crise da J&F afeta PGR e pressiona nova equipe

Nova direção / Suspeita de jogo duplo de ex-procurador aumenta importância das escolhas de Raquel
Por: Beatriz Bulla

 

Beatriz Bulla / BRASÍLIA

 

A suspeita de jogo duplo do ex-procurador Marcelo Miller, que conversava com executivos da J&F enquanto ainda ocupava uma cadeira no Ministério Público Federal, abriu uma crise na cúpula da Procuradoria-Geral da República e colocou pressão sobre a equipe que vai atuar com Raquel Dodge, sucessora do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a partir do dia 18.

O clima que já era tenso desde maio, quando o atual procurador-geral pediu a prisão de procurador da República Ângelo Goulart, flagrado passando informações privilegiadas a um advogado, a sensação foi de consternação. Janot disse ter até vomitado quando Goulart foi preso.

Agora, a situação é pior. Auxiliares próximos do procurador-geral avaliam que a conduta de Miller é gravíssima. Ele teria sido “cooptado” pela J&F para obstruir a Justiça e vendeu a ideia de que poderia salvar Joesley Batista. Para um procurador próximo a Janot, ele “enganou todo mundo”. A primeira palavra na cúpula da PGR quando o nome do ex-colega é mencionado é “traidor”.

Na sexta-feira, Janot pediu a prisão de Miller. Procurado, o ex-procurador afirmou que não cometeu “qualquer crime ou ato de improbidade administrativa” e está disposição das autoridades”. Para tentar evitar ser preso, os advogados colocaram ontem seu passaporte à disposição da Justiça. Para a defesa, não há razão para Miller ser mandado para a cadeia.

 

Alterações. Janot vive seu momento mais tenso a frente da PGR, como o próprio definiu. A pressão criou uma instabilidade atípica no processo de transição de comando da Procuradoria colocando ainda mais foco na equipe que se forma em torno de sua sucessora. Raquel já anunciou os principais nomes do seu time, mas restam incógnitas importantes, como a definição do novo grupo de trabalho da Lava Jato – do qual Miller fez parte.

Raquel pediu que Janot, com quem mantém uma relação apenas cordial, que convidasse os atuais integrantes do grupo para permanecer no posto. Mas a avaliação interna é de que o convite foi apenas “protocolar”. A futura procuradora-geral não pretende, a longo prazo, manter os integrantes da equipe montada pelo seu antecessor. Isso porque as suspeitas sobre Miller abriram brecha para que as críticas de opositores de Janot no órgão ganhassem força.

Desde os primeiros tropeços da principal operação de corrupção do País, o grupo crítico faz questão de alardear nos corredores que ele não prestigiou a experiência

dos subprocuradores-gerais da República – muitos dos quais são seus contemporâneos –, preferindo procuradores regionais. Com suas escolhas, Janot ampliou o número de colegas de “fora” da PGR, o que motivou a censuras internas. A queda de Miller foi a tempestade perfeita para o ataque a equipe de Janot. Verborrágico e polêmico, como avaliam ex-colegas da PGR, o ex-procurador despertava inimizades.

 

Equipe. O grupo atual de trabalho da Lava Jato tem dez integrantes e é coordenado pelo procurador Sérgio Bruno. Até agora, Raquel anunciou dois nomes que entrarão nele: Alexandre Espinosa e José Alfredo de Paula Silva. Ela também modificou a estrutura do gabinete, subordinando a equipe à Raquel Branquinho – considerada linha dura na condução de investigações criminais. Os outros nomes vão depender do desenrolar das próximas semanas. Parte da equipe já sinalizou que não há clima para continuar.

Na última semana, Raquel evitou comentários públicos sobre o imbróglio J&F/Miller. Antes do início da sessão do Conselho Superior do MPF, na terça-feira, Janot chamou Raquel em um canto e conversou com sua sucessora por cerca de cinco minutos. Ao fim da sessão, em discurso, Janot se emocionou ao falar de dificuldades no cargo e disse a Raquel: “Nos momentos difíceis, não desanime; converse”.

Raquel tem evitado conversar. Ela costuma frisar que seu mandato só começa a partir do dia 18. Até lá, os problemas da casa são de Janot. / COLABORARAM BRENO PIRES E RAFAEL MORAES MOURA

 

Cadeiras. Raquel Dodge e Rodrigo Janot em um dos poucos encontros públicos durante reunião do Conselho do MPF

 

PONTOS-CHAVE

Polêmicas cercam fim de mandato

Delação da J&F

O acordo foi alvo de críticas pelo suposto excesso de benefícios aos delatores. Janot disse, porém, que, sem a colaboração, o “País seria ainda mais lesado”.

 

Denúncia

Com base na delação da J&F, Janot denunciou o presidente Michel Temer por corrupção passiva. O prosseguimento da acusação foi barrado na Câmara.

 

Revisão

Na semana passada, Janot abriu investigação sobre a delação de Joesley Batista. E, anteontem, pediu a prisão do empresário ao Supremo.

 

 

 

Odebrecht entrega chave de acesso a notebook de Marcelo

Por: Beatriz Bulla / Ricardo Brandt

A Odebrecht entregou nesta semana as chaves de acesso para permitir à Polícia Federal (PF) o acesso ao notebook do herdeiro e ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht. Preso desde junho de 2015, o executivo alegava que a senha era gerada por dispositivo eletrônico – token – que ele não sabia onde estava.

A PF chegou a se queixar com o Ministério Público. Para os delegados era inadmissível que o executivo tivesse conseguido celebrar o acordo de delação premiada sem liberar o acesso do seu computador pessoal.

Os investigadores conseguiram obter uma série de informações relevantes para a Operação Lava Jato quando apreenderam o celular de Marcelo. A expectativa é de que os dados do seu notebook, no mínimo, reforcem o que foi dito pelo empreiteiro ou revelem informações a mais. O laptop é considerado uma importante fonte de informação, pois contém e-mails e planilhas do empresário.

Delegados pressionaram a empresa com ameaça de que poderiam indicar ao MPF a necessidade da revisão do acordo de delação caso o acesso ao equipamento não fosse liberado.

Para mostrar que está empenhada em colaborar com as investigações e manter o acordo de delação e leniência acertados, a Odebrecht decidiu enviar técnicos de informática para Curitiba, para fornecer o programa e as chaves de acesso que possibilitaram que a Polícia Federal acessasse o computador.

Impasse. Em agosto desse ano, a empresa foi cobrada pelas senhas. O Ministério Público Federal (MPF) pediu que Marcelo fosse intimado para entregar as senhas. Ao ser chamado, o executivo disse à PF que o token gerador dos códigos havia sido entregue a advogados da empresa, mas não foi achado. Marcelo alegava que chegou a pedir a seus advogados que encontrassem o token na época da negociação da delação, mas não conseguiu o equipamento.

A delegada Renata da Silva Rodrigues, em despacho de 7 de agosto, apontou que, se forem verdadeiras as informações prestadas por Marcelo, há “ausência de interesse de agir de forma cooperativa” por parte da empresa e, “em tom mais grave, sugere a atuação de personagens com objetivo de obstruir as investigações”.

Expondo mais uma divergência com o Ministério Público, a delegada considerou “preocupante” que as senhas não tenham sido exigidas como condição para fechar os acordos de delação do empresário e de leniência da Odebrebrecht.

Em nota, a Odebrecht informou que “continua colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Está empenhada em ajudar a esclarecer qualquer dúvida sobre os relatos apresentados por seus executivos e ex-executivos”. “O acordo de colaboração da Odebrecht já se provou eficaz, inclusive com desdobramento em novas investigações e processos judiciais no Brasil e no exterior.”

 

A Odebrecht entregou nesta semana as chaves de acesso para permitir à Polícia Federal (PF) o acesso ao notebook do herdeiro e ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht. Preso desde junho de 2015, o executivo alegava que a senha era gerada por dispositivo eletrônico – token – que ele não sabia onde estava.

A PF chegou a se queixar com o Ministério Público. Para os delegados era inadmissível que o executivo tivesse conseguido celebrar o acordo de delação premiada sem liberar o acesso do seu computador pessoal.

Os investigadores conseguiram obter uma série de informações relevantes para a Operação Lava Jato quando apreenderam o celular de Marcelo. A expectativa é de que os dados do seu notebook, no mínimo, reforcem o que foi dito pelo empreiteiro ou revelem informações a mais. O laptop é considerado uma importante fonte de informação, pois contém e-mails e planilhas do empresário.

Delegados pressionaram a empresa com ameaça de que poderiam indicar ao MPF a necessidade da revisão do acordo de delação caso o acesso ao equipamento não fosse liberado.

Para mostrar que está empenhada em colaborar com as investigações e manter o acordo de delação e leniência acertados, a Odebrecht decidiu enviar técnicos de informática para Curitiba, para fornecer o programa e as chaves de acesso que possibilitaram que a Polícia Federal acessasse o computador.

 

Impasse. Em agosto desse ano, a empresa foi cobrada pelas senhas. O Ministério Público Federal (MPF) pediu que Marcelo fosse intimado para entregar as senhas. Ao ser chamado, o executivo disse à PF que o token gerador dos códigos havia sido entregue a advogados da empresa, mas não foi achado. Marcelo alegava que chegou a pedir a seus advogados que encontrassem o token na época da negociação da delação, mas não conseguiu o equipamento.

A delegada Renata da Silva Rodrigues, em despacho de 7 de agosto, apontou que, se forem verdadeiras as informações prestadas por Marcelo, há “ausência de interesse de agir de forma cooperativa” por parte da empresa e, “em tom mais grave, sugere a atuação de personagens com objetivo de obstruir as investigações”.

Expondo mais uma divergência com o Ministério Público, a delegada considerou “preocupante” que as senhas não tenham sido exigidas como condição para fechar os acordos de delação do empresário e de leniência da Odebrebrecht.

Em nota, a Odebrecht informou que “continua colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Está empenhada em ajudar a esclarecer qualquer dúvida sobre os relatos apresentados por seus executivos e ex-executivos”. “O acordo de colaboração da Odebrecht já se provou eficaz, inclusive com desdobramento em novas investigações e processos judiciais no Brasil e no exterior.”/B.B. e RICARDO BRANDT