AGENDA RECICLADA

GERALDA DOCA

CÁSSIA ALMEIDA

 LUÍS LIMA

GABRIEL MARTINS

 

 

Governo deixa Previdência de lado e apresenta pacote de 15 medidas, maioria parada no Congresso

O governo comunicou ontem, oficialmente, que desistiu da reforma da Previdência, justificando que agora há um “impedimento legal”: a intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada pelo presidente Michel Temer na última sexta-feira. A decisão foi anunciada três dias depois de Temer ter dito que cessaria os efeitos do decreto para votar a proposta, caso o Legislativo tivesse os votos necessários — o que não ocorreu. No lugar da reforma, o Planalto apresentou um pacote de 15 medidas velhas, amplamente divulgadas, como a pauta prioritária. Entre elas, a privatização da Eletrobras; o cadastro positivo; a duplicata eletrônica; autonomia do Banco Central e simplificação tributária, com a reforma do PIS/Cofins. Várias das ações estão paradas no Congresso há meses.

Coube ao ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, encarregado pelo Planalto de negociar a proposta com o Congresso, comunicar que a reforma tinha sido deixada da lado. Marun disse que Temer tomou a decisão de suspender a reforma depois de ter conversado informalmente com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento é que, enquanto durar a intervenção federal no Rio — prevista para até dezembro de 2018 — fica vedada a votação, inclusive a tramitação (os debates) de qualquer emenda à Constituição Federal. A reforma da Previdência já passou pelas comissões da Câmara, aguardava votação no plenário e ainda precisava tramitar pelo Senado.

— Hoje, a análise que se tem, após o debate, consultas informais a alguns ministros do STF, é que a tramitação da reforma está suspensa em função da decretação da intervenção — admitiu Marun. — A PEC sai do Congresso e vai para os palanques.

Marun mencionou que a sugestão do presidente de suspender os efeitos do decreto para votar a Previdência seria um ato “controverso”:

— Você suspende o decreto e depois reedita esse decreto?

 

PROTESTOS NO RIO E EM SÃO PAULO

O posicionamento do Planalto sobre a suspensão da reforma veio depois de os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, terem se manifestado contra a tramitação da reforma. Segundo um interlocutor do Planalto, Temer recuou para se antecipar a uma decisão do STF de que a reforma não poderia ser votada em qualquer hipótese, durante a intervenção. A Corte foi acionada por partidos da oposição, contra a aprovação da proposta.

Ao divulgar a lista das ações prioritárias no governo, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, reconheceram que estavam “repautando” os temas para sinalizar ao mercado que o governo mantém o foco na economia. Os itens selecionados, na avaliação da equipe econômica, têm potencial para melhorar a produtividade da economia.

— Não são medidas estritamente fiscais, mas uma pauta mais ampla que levará a mudanças importantes na economia brasileira — disse Oliveira.

Ao ser indagado sobre o fato de ser uma pauta “velha” e sobre as dificuldades de aprovação das propostas em ano eleitoral, Meirelles, respondeu:

— O fato de elas não terem sido aprovadas significa que elas são novas (...). No caso do PIS/ Cofins, a proposta é novíssima porque ainda não foi apresentada.

Mesmo sem os votos necessários para aprovar a reforma, os dois ministros sempre foram defensores ardorosos das mudanças da Previdência, como a medida mais importante para equilibrar as contas públicas. Ontem, no entanto, minimizaram o fato de o governo ter abandonado a proposta. Para Oliveira, o mercado já não contava mais com a proposta, diante das chances pequenas de aprovação.

Meirelles, por sua vez, destacou que, desde sexta-feira, quando o governo decretou a intervenção no Rio, o mercado vem reagindo de forma natural porque a questão da segurança no estado é mais urgente. O ministro também disse que não está “preocupado” se as agências de risco cortarem a nota de crédito do Brasil por causa do abandono da reforma pelo governo:

— Fazemos o nosso trabalho, e as agências de rating têm que avaliar.

O líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), fez questão de destacar que o governo tem pouco tempo para aprovar os 15 itens da sua pauta prioritária, mas que os parlamentares farão um esforço concentrado em março:

— Temos consciência de que o calendário é apertado, mas o Congresso vai dar conta do recado.

Meirelles chegou a gravar uma participação no programa do Ratinho, do SBT, mas a exibição prevista para ontem foi suspensa. Segundo a emissora, a entrevista “perdeu objeto” porque tinha como tema central a votação da reforma da Previdência.

Para José Márcio Camargo, da PUC e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos, nada substitui a reforma da Previdência, mas é importante manter a agenda de reformas:

— Algumas medidas realmente são importantes, como aprovar o cadastro positivo, mexer no PIS/Cofins, mas não tem nada que substitua a importância da reforma da Previdência. Mas, já que não se consegue tocar, é importante tocar outras coisas. É melhor do que não ter nada.

A economista e professora Margarida Gutierrez, do Coppead/UFRJ, diz que essas medidas microeconômicas são necessárias, mas questões como a reoneração da folha de pagamento e a autonomia do Banco Central (BC) são mais difíceis de serem aprovadas:

— Não sei se o governo vai ter fôlego no Congresso para aprovar. Autonomia operacional do BC, com mandato fixo, também tenho dúvidas.

Em São Paulo, as paralisações convocadas por centrais contra a reforma da Previdência afetaram os bancos da capital e de Osasco. No ABC Paulista, foram interrompidas as atividades nas montadoras. Segundo o sindicato dos metalúrgicos, a adesão à paralisação foi de 53 mil profissionais, ou de 75% da base do sindicato.

As paralisações no transporte público ocorreram em Santo André, São Bernardo do Campo e Guarulhos. À tarde, um protesto tomou parte da avenida Paulista, com concentração diante do vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp).

No Rio, a manifestação afetou serviços como bancos, ônibus e aeroportos. No Centro, agências bancárias ficaram fechadas das 10h ao meio-dia, e cerca de cem pessoas participaram de uma caminhada no fim da tarde, saindo da Candelária rumo à Cinelândia. Segundo o Centro de Operações da Prefeitura do Rio (COR), a pista lateral da Avenida Presidente Vargas sentido Candelária e a Rio Branco chegaram a ser fechadas por 20 minutos, mas foram reabertas, após o grupo de manifestantes passar a andar na calçada.