O Estado de São Paulo, n. 45253, 10/09/2017. Internacional, p.A10

 

 

 

 

 

Com fim da guerrilha, crime organizado passa a ser o maior desafio da Colômbia

Futuro obscuro. Governo do presidente Juan Manuel Santos obteve acordo com as Farc e negocia desmobilização do ELN, último grupo guerrilheiro do país; agora, a grande questão é como conter as organizações criminosas que avançam no vácuo da paz

Por: Fernanda Simas

 

Fernanda Simas

ENVIADA ESPECIAL / BOGOTÁ

 

O crime organizado e as insurgências na Colômbia sofrem transformações há anos. Um processo de desmobilização acaba com a existência de determinado grupo, mas sem desenvolvimento social, abre espaço para outros ocuparem seu espaço. Agora, é justamente esse o desafio do país se quiser alcançar a “paz completa”, como pediu o papa Francisco, em sua visita à Colômbia, e não ficar apenas “no primeiro passo”.

“O silêncio dos fuzis não é suficiente. Enquanto os problemas sociais não forem resolvidos, existe o temor de não haver uma paz completa e sim uma normalidade com falhas”, explica o cientista político Frédéric Massé.

Segundo um estudo da Fundação Ideias para a Paz (FIP), atualmente a insurgência do Exército de Libertação Nacional (ELN), a dissidência das Farc e as estruturas criminosas divididas pelo Estado colombiano em Grupos Armados Organizados (GAO) e Grupos Delitivos Organizados (GDO) – antigas Bacrim – são o principal desafio do governo em matéria de segurança.

Segundo o documento, é possível perceber que o crime organizado se fortaleceu após o fim da principal guerrilha do país e está atuante em 168 municípios. Considerando que a Colômbia tem 1.098 municípios, o número não é alto, mas o que preocupa é que os 168 estão distribuídos em 27 dos 32 Departamentos (Estados) do país.

“Essa evolução não é nova. As Bacrim foram herdeiras dos paramilitares, mas se transformaram em grupos mafiosos armados cujo objetivo é o crime, mas que exercem controle social. Agora mesmo essa história do Clã do Golfo se entregar à Justiça me parece estranha, provavelmente já existe uma outra organização que assumirá seu espaço”, explica Massé.

As conhecidas Bacrim (bandas criminosas) surgiram depois da desmobilização das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), em 2006, e ocuparam locais estratégicos para o narcotráfico, mas não ficaram restritas a essa atividade. Segundo o grupo InSight Crime, organização que monitora o crime organizado na América Latina, a economia das Bacrim, na região de Cauca, envolve exploração ilegal de ouro, tráfico de pessoas, exploração sexual e extorsões.

Pelo estudo da FIP, esse histórico pode ser dividido em três fases: apogeu dos grandes cartéis (1980-1995); interação entre cartéis, paramilitares e guerrilhas (1995-2003); e auge das Bacrim, ‘democratização’ e diversificação do crime organizado (2003-2016).

Após a assinatura do acordo com as Farc, o governo de Juan Manuel Santos já era questionado sobre o vácuo que teria deixado. “Temos 60 mil homens nos 166 territórios mais afetados pela guerra e outros 15 mil nas antigas zonas veredais – usadas para a transição dos guerrilheiros. Esse é o cenário: um deslocamento total com todos os dispositivos necessários, incluindo jurídico e de atenção social, com atendimento de saúde”, explicou o ministro da Defesa Luiz Carlos Villegas sobre as ações após a desmobilização das Farc.

“O Estado está tendo resultados nos seus combates e com os planos, mas a sensação é que está sempre um passo atrás. Esses grupos criminosos controlam mercados de trabalho, mineração ilegal, tráfico de drogas, atuam onde o Estado não consegue oferecer oportunidades. Eles conhecem bem a região e controlam a questão social”, afirma Massé.

 

Futuro. Para se ter uma ideia do tamanho dessas organizações criminosas, podemos pegar os três casos de GAO reconhecidos pelo Estado: o Clã do Golfo, os Puntilleros (formado pelo Bloque Meta e Bloque Libertadores del Vichada) e o Exército Popular de Libertação (EPL) ou Los Pelusos.

O Clã do Golfo – que agora diz estar disposto a se submeter à Justiça – tem 1.900 integrantes em 107 municípios, segundo dados oficiais, embora se estime que o número seja maior. Ele atua na região de Antioquia e Chocó, no sul de Córdoba e em áreas urbanas e semiurbanas do Baixo Cauca. Já os Puntilleros têm cerca de 70 integrantes divididos em 15 municípios nos Llanos Orientais, mas, segundo os estudos da FIP, eles “contratam” grupos pequenos, o que amplia sua atuação.

O EPL, na verdade, é uma fração do que foi em 1991, porque nem todo o grupo se desmobilizou após as negociações com Bogotá. Hoje, atua em uma região de 10 municípios em Catatumbo, no Norte de Santander e tem ao menos 132 integrantes. “O grupo passa por um processo de fortalecimento territorial, militar e organizacional, justamente após a desarticulação das Farc”, segundo o estudo.

Além desses, os GDO são grupos menores que operam como “contratados” dos GAO. Entre os mais conhecidos estão os Rastrojos, a Cordillera, a Constru e a Empresa, que juntos possuem mais de 100 integrantes.

Com esse aparato, as antigas Bacrim mostram seu poder, o que, para Massé, leva ao pior cenário possível. “Eles têm armas, dinheiro e poder. Hoje, o importante não é quantas frentes das Farc serão dissidentes, mas como será sua capacidade de recrutar e se fortalecer.” Essa também é a conclusão do estudo da FIP.

 

Vácuo

O silêncio dos fuzis não é suficiente. Enquanto os problemas sociais não forem resolvidos, existe o temor de não haver uma paz completa e sim uma normalidade com falhas”

Frédéric Massé

ANALISTA POLÍTICO COLOMBIANO

 

 

 

Negociar com ELN é passo crucial, mas incerto

Guerrilha tem posições mais radicais do que as Farc; deposição de armas deve ser ponto mais tenso do diálogo
Por: Fernanda Simas

 

BOGOTÁ

 

A negociação do governo colombiano com a última guerrilha em atividade no país, o Exército de Libertação Nacional (ELN), está em andamento – atualmente, há um cessar-fogo que entrará em vigor no dia 1.° de outubro e terá duração prevista de três meses. A desmobilização, no entanto, deve ser mais difícil do que a das Farc, como o próprio ministro da Justiça, Luiz Carlos Villegas, afirmou mais de uma vez.

“O ELN é um grupo muito mais radical em suas posições e com uma presença regional mais arraigada. Essa é uma negociação mais difícil. O ELN tem líderes que acreditam em vias totalitárias, mas esse cessar-fogo nos dá esperança”, disse Villegas.

Segundo estudo da Fundação Ideias para a Paz (FIP) sobre grupos criminosos e obstáculos armados em tempos de paz, o ELN já luta contra o Clã do Golfo pelo controle de municípios nas regiões de Chocó, Cauca, Baixo Cauca, Nariño e Catatumbo, espaços vazios após a saída das Farc.

Para Gerson Arias, diretor do Escritório do Alto Comissionado para a Paz, o ponto mais difícil de um acordo com o ELN será a entrega das armas. Arias acredita que a Igreja deve ter papel fundamental na questão. “A relação da Igreja com o ELN é mais forte (do que com as Farc), muitos sacerdotes fizeram parte do grupo na época da Teologia de Libertação e podem ajudar a traduzir para a guerrilha o que significa o fim do conflito, que envolve a entrega das armas, mas também significa receber a proteção do governo”, diz.

Arias diz que cinco sacerdotes formam uma comissão que auxilia nas negociações. Alguns foram escolhidos justamente em razão do caráter territorial do ELN: um é de Cali, um, de Chocó e outro, de Arauca. “O ELN é muito mais territorial e o Estado pode até não estar em todas as partes, mas sempre há um sacerdote.”/F.S.